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O amante das amazonas, 32

 

 

 

 

DEZENOVE: MISTÉRIO.

 

 

ERA impossível salvar o Armazém das Novidades, do qual só restavam móveis velhos, um luxo fora de moda. Apesar de tudo, Ribamar abria diariamente a loja. O patrão não aparecia, para não se humilhar junto aos credores. Abatido, prostrado, quase sempre bêbado, se escondendo em casa como se uma doença o tivesse aprisionado. Juca das Neves envelheceu logo. Era um homem aniquilado? O dinheiro começava a faltar para a alimentação. Ele vendia objetos e jóias para poder ir ao mercado. Naquele dia se vencia uma das letras que ele não podia saldar. Por isso estava afundado na cama, à espera da morte.

Mas Ribamar apareceu no limiar da porta.

 

 

RIBAMAR não tinha aberto o Armazém naquele dia. Já estava amasiado com alguém que você finalmente vê aparecer nesta minha obra - Diana Dartigues. Mas ainda a deixarei em paz, por enquanto. Diana era muito mais nova do que ele.

Fazia dois anos que ele trabalhava ali, quase sem nada receber. Mas Ribamar aprendia com espantosa velocidade e logo compreendeu a situação da firma. Juca das Neves tinha sabido confiar nele - em parte porque ele era único. Como sinal de amizade, dera-lhe um cômodo na parte de cima da casa, um aposento confortável, com duas janelas que se abriam para o jardim. Mas Ribamar quase nunca dormia ali, pois já tinha conhecido a misteriosa Diana Dartigues que ninguém sabia quem era nem de onde tinha vindo. Alugara uma pequena casa na Vila Municipal, casa que tinha sido do diretor da Manaus Harbour, Barão Rymkiewcz, quando ali chegou, em 1900. Certamente Diana pagava o aluguel. Mas Ribamar já não era o mesmo. Elegante, bonito e bem-cuidado, tinha-se transformado no homem que você veio a conhecer já velho. Andava com as melhores roupas, e herdara as roupas de Juca das Neves, que tivera o mesmo corpo do rapaz. Ribamar exibia-se numa coleção de temos caros, o H.J. inglês, camisas de seda de colarinho duro. Juca das Neves tinha sido riquíssimo, encomendara suas roupas nos melhores costureiros europeus. Quando Juca das Neves voltava de Paris trazia uma coleção parisiense. Era mais vaidoso do que sua mulher e filha. Tinha um guarda-roupa que daria para vestir dez homens. Mas engordara, não trabalhava e vivia bêbado. Juca das Neves via a miséria como realidade concreta. Somente com Ribamar se abria - D. Constança, já completamente louca, não o podia confortar.

- Diga-me, seu Juca: Quanto valem suas casas na Frei José dos Inocentes?

- Nada, meu filho - respondeu o velho, cansado. São casas velhas, hipotecadas ...

Ribamar avançou sobre a cama e sentou-se numa cadeira próxima. Acendeu um cigano. Estava estranhamente calmo. Estava estranhamento confiante. E começou a falar.

 

 

A conversa foi demorada. Juca das Neves, a principio ouvia deitado, como morto. Depois, ficou sentado. E pôs os pés para fora da cama. E foi ficando de lado. E se levantou, ficou andando pelo quarto, de um lado para outro. A princípio lento, depois animadamente. A seguir começou a vestir-se - e por fim saiu com o moço, estava outro! estava mudado! já era outro homem.

DO que se depreendia da conversa e se ficou sabendo era que Ribamar ia conseguir que as dívidas fossem adiadas, e ele, Ribamar, ia viajar no dia seguinte até Transvaal, na Rua das Flores, que estava à venda, e ia ele, Ribamar, fazer em pessoa uma proposta à Dona Conchita del Carmen, e trazer as mulheres de lá para a cidade de Manaus, para as casas da Frei José dos Inocentes, onde iam ser instaladas. Em suma, Ribamar ia abrir o maior negócio da história da crise amazonense e único rentável. Que ia prosperar dali em diante, principalmente porque teriam o apoio da família Gonçalves da Cunha, do Comendador Gabriel, então Governador, que daria a proteção policial, e Juca das Neves se comprometia a saldar as dívidas quando o lugar estivesse funcionando a contento.

Foi o próprio Antônio Ferreira, aliado do velho Gabriel, quem selou o contrato. Para Ferreira era melhor esperar para ver, do que perder tudo, pois já nada de Juca das Neves poderia ser vendido e tudo estava penhorado ao London Bank. As letras foram substituídas por outras letras, pagáveis em cinco anos. O mistério estava em saber como Ribamar arranjou tanto dinheiro. E claro que vinha de Diana Dartigues.

 

 

Depois de alguns anos Ribamar de Souza não só resgatou as dívidas da firma como começou a liberar as casas, sob penhor, e não só as da Frei José dos Inocentes, como a da Rua Barroso, e o próprio prédio do Armazém, que ficou durante todo aquele tempo fechado. Ribamar, com auxilio de Juca das Neves, modernizou o Armazém das Novidades, passando a representar vários produtos norte-americanos, como as máquinas de costura Singer - de enorme popularidade. Ribamar expandiu os negócios e começou a ameaçar o império comercial da poderosa família Gonçalves da Cunha e de seu ex-genro Antônio Ferreira. Foi nessa época que Ribamar finalmente se casou - em cerimônia discreta, porém elegante - com Diana Dartigues.

 

 

ANOS depois Ribamar de Souza era apontado como uma das fortunas mais sólidas de Manaus e inimigo político do Comendador Gabriel e de seu ex-genro. O velho Gabriel perdera prestígio na Capital Federal. Havia um mistério envolvendo a origem do poder de Ribamar de Sousa que ninguém conseguia saber. E não sei se você se lembra da figura de Diana Dartigues. Alta, magra, esguia, elegante, Diana tinha uma pequena cabeça oval, sobre a qual escorriam os longos cabelos muito lisos, negros e brilhantes. A pele morena, os olhos amendoados, o pescoço, comprido e ereto, as mãos finas, longas. Não se podia dizer bonita, mas era uma mulher exótica. A última vez que você deve tê-la encontrado foi no cemitério, no enterro de Juca das Neves.