O adeus a M. Paulo Nunes
Por Reginaldo Miranda Em: 19/10/2021, às 09H31
Reginaldo Miranda[1]
Quando falece um amigo ficamos mais pobres! Assim nos sentimos desde a última quinta-feira (14/10), quando partiu para o outro lado da existência o professor Manoel Paulo Nunes. Era um grande amigo, afável, culto, inteligente, uma voz firme que conduzia toda uma geração literária. Quem se preocupar em escrever a história da literatura piauiense não pode deixar de consignar sua benéfica influência no meio literário piauiense. Foi ele o sucessor de A. Tito Filho, no comando da Academia Piauiense de Letras e se desejasse a teria presidido por todos esses anos. Todos nós que assumimos a administração daquele Sodalício o fizemos sob seu beneplácito.
Em nossa presidência foi eleito tesoureiro e o mestre Santana vice-presidente. Ele, cuja administração das finanças domésticas era entregue à esposa, D. Clara, às vezes, em tom jocoso ironizava: “Essa Academia vai mal, entregando o comando das finanças a um sujeito que não administra nem as finanças de casa!”. E ria contidamente.
Tomando gosto pela leitura dos clássicos desde a mocidade formou sólida base cultural, porque lia com certo método. Orador brilhante, citava com facilidade os grandes escritores e pensadores, porque os conhecia profundamente. Só cita quem conhece, quem tem intimidade com o texto.
O Prof. M. Paulo Nunes devotou toda a sua vida a duas grandes paixões: o magistério e a literatura; a educação e a cultura. Na primeira, ingressou com 19 anos de idade incompletos, ao assumir a cátedra de português no Colégio “Demóstenes Avelino”, pelas mãos de seu primo Amandino Teixeira Nunes, que ali lecionava. Três anos depois assume a mesma cátedra no Liceu Piauiense, onde estudara e então a mais conceituada escola do Piauí. Desde então passou por diversas escolas e pela Faculdade de Filosofia, sendo um dos principais fundadores da Universidade Federal do Piauí, de que deveria ser o primeiro reitor. Porque seu nome foi vetado retirou-se para Brasília, em exílio voluntário, passando a servir no cargo de assessor no Ministério da Educação.
Retornando a Teresina no início dos anos noventa, assume protagonismo literário ao suceder A. Tito Filho no comando da Academia Piauiense de Letras; e a presidência do Conselho Estadual de Cultura. Realiza profícua gestão nas duas instituições, permanecendo no comando desta última até recentemente, oportunidade em que editou uma das mais conceituadas revistas literárias do País, a Presença, reconhecida pelo alto padrão do texto literário e esmero gráfico. Também, conduziu por algum tempo a Secretaria Estadual de Cultura. Um fato interessante é que ao retornar à cidade de Teresina estabelece seu domicílio em confortável casa residencial situada à Rua 31 de Março, na zona leste da cidade. Mais tarde, já na velhice, muda-se para um belo apartamento localizado à Avenida Marechal Castelo Branco, no Bairro Cabral. Então, durante uma fala em sessão da Academia relembrava sua trajetória e se queixava da mudança domiciliar, razão pela qual teve de doar grande parte de sua biblioteca. Ao referir-se aos dois endereços, não me contive e interpelei o estimado mestre: “Professor o senhor gostava do regime militar, pois primeiro morou na 31 de Março, depois na Marechal Castelo Branco”. Ao que ele prorrompeu em gostosa gargalhada, pela coincidência dos endereços.
O Professor deixa uma obra fabulosa, monumento da crítica literária, grande parte constituída pelos inúmeros discursos proferidos em solenidades literárias e pelas centenas de artigos publicados em revistas e jornais, sobretudo na coluna semanal que mantinha em um periódico de Teresina. Sua contribuição à literatura de língua portuguesa é inestimável, porque analisou e interpretou os principais clássicos e pensadores do Brasil e de Portugal. Também, alguns de língua espanhola, dentre outras, sobretudo Jorge Luís Borges, Gabriel Garcia Marques, Vargas Llosa e Garcia Lorca. Fui convidado para prefaciar um de seus livros e produzir um texto intitulado “M. Paulo Nunes e os valores literários”, que ele costumava dizer, para gáudio nosso, que era o melhor texto ao seu respeito.
O reverenciávamos por reconhecer sua grandeza moral e intelectual, nutrindo por ele a maior estima, onde o contraparentesco e as leituras comuns foram o início para sólida amizade. Ingressamos na Academia por suas mãos e por elas chegamos à presidência, com ele sempre votando e defendendo as mesmas ideias, inclusive no zelo pelos interesses da nossa casa literária.
Com a sua partida ficamos todos nós mais pobres. Porém, seu nome há de permanecer na descendência deixada e na substanciosa obra que nos legou. Vá em paz amigo, todos nós seus discípulos haveremos de lembrar com carinho o seu nome e exaltar a sua obra literária, verdadeira bússola para os estudiosos que queiram aprofundar no estudo do vernáculo e no conhecimento da literatura de língua portuguesa. Você parte, mas deixa um legado que haverá de imortalizar o seu nome. Descanse em paz, amigo!
[1] REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí Candidato à vaga de desembargador do Quinto Constitucional da OAB no TJPI.