Notas preliminares sobre um conto de João Pinto
Por Cunha e Silva Filho Em: 12/09/2021, às 16H30
NOTAS PRELIMINARES SOBRE UM CONTO DE JOÃO PINTO
Cunha e Silva Filho
Tendo já lido, anteriormente, um só livro de contos, o de estreia, Luzes esvaídas (Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1991. Prefácio de Francisco Miguel de Moura), do ficcionista João Pinto, sinto-me, mais à vontade para afirmações ou reafirmações sobre as qualidades deste autor que, já no Piauí, é bastante respeitado por gente que entende do riscado: críticos e ensaístas fundamente familiarizados e teoricamente alicerçados a fim de poderem julgar se uma obra literária é ruim, mediana, boa ou ótima.
Essa exigência de seriedade intelectual pode ser constatada por exemplo, no Piauí, com críticos e ensaístas, entre outros, do porte de um M. Paulo Nunes, de um poeta como Francisco Miguel de Moura, de um Herculano Moraes (já falecido relativamente cedo), de um Carlos Evandro Eulálio Martins, de um Dílson Lages, entre outros. Enfim, o que se espera de um crítico abalizado é, no mínimo, seriedade, ética, impessoalidade e respeito tanto aos escritores mais antigos quanto aos novos ou novíssimos.
Críticos há, ainda moços, que não são bons em análises e julgamento. São medianos em hermenêutica de um texto literário. A propósito, me vem à mente o nome de Álvaro Lins (1912-1970), crítico de grandes jornais que ficou muito conhecido nas décadas dos anos de 1940 até aproximadamente final dos anos de 1960, autor que muito li por prazer e por razões de pesquisa, sobretudo para o meu projeto de Pós-Doutorado em Literatura Comparada.
A crítica exercida sem grande profundidade nas áreas das letras como teoria literária, linguística, filologia, língua portuguesa (para brasileiros e os críticos ensaístas lusófonos), línguas estrangeiras (pelo menos, que leiam em duas, três ou quatro línguas modernas), no conhecimentos de história, geografia, filosofia, ciências, ciências políticas, sociologia, antropologia e, se possível, conhecimento das duas línguas clássicas, o latim e o grego), limita, em análises de algumas obras, o nível necessário a um ensaísmo mais denso. É óbvio que nem todo grande crítico sabe tudo desse arsenal de intelectualismo ou eruditismo, mas é forçoso que ele, com o tempo, especialmente se for jovem ou moço ainda, vá se aparelhando com leituras intensivas de uma bibliografia avançada e atualizada. É o mínimo que se espera de um crítico que não seja leniente ou muito chegado a encômios insinceros ou por apadrinhamento irresponsável.
João Pinto tem domínio do campo da ficcionalidade que, em suas mãos, já abriu uma senhora clareira de qualidade no cenário da literatura de autores piauienses. Envereda também, em menor quantidade, pela seara poética e ainda inclui, na sua produção, aqui o benquisto gênero crônica, gênero este que, com o tempo, ainda vem conquistando mais aplausos dos aficionados por ficção. Além disso, nos surpreendeu em mais um gênero, desta vez, num gênero de fôlego com a estreia do romance com titulo explicitamente antropomorfizado e ao mesmo tempo chamativo ao leitor vidrado em ficção: As pedras docentes da rua do fio.( Belo Horizonte: Caravana Grupo Editorial, 2019, 293 p.)
Auguro que outras obras do contista em exame sejam bem-vindas ao universo do conto brasileiro o mesmo de um continuidade na produção de romances. A primeira e mais surpreendente descoberta que fiz da leitura do conto em exame foi precisamente observar algo de novo que não havia bem percebido na leituras de outros textos do Joao Pinto. Inteirar-me do sentido geral de seu modo de narrar é o objetivo primacial de um um estudo sobre o autor, o mesmo valendo para qualquer outro escritor nos diferentes gêneros literários.
É que, num exíguo tempo da história (ou, como quiser, estória), o narrador logo se mostre de corpo inteiro na função de criador convincente de vidas humanas, de pessoas de carne e osso, de sentimentos e verdades inventados, os quais povoam o seu espaço literário da imaginação e, por conseguinte, da criação artística.
Aí, talvez, seja, no meu juízo, por enquanto, um só palpite: o de que, no seu fazer ficcional, usando da criatividade, transformando a realidade bruta - espaço da referencialidade ou espaço cognitivo – em mímese -, e sempre, ou quase sempre, tendo como elemento fundamental o "cuidado com linguagem literária" -, pedra de toque de todo bom prosador, ou seja, o aperfeiçoamento renovado do domínio das técnicas e das estratégias e protocolos exigidos pela estrutura da narrativa.
Num pequeno recorte espácio0temporal - uma sala de aula -, se ambienta um dos contos, “Flerte na aula confunde a pedagogia do caderno,” da obra Contos de um aula no vermelho (Manaus: Valer Editora, 2014, p. 73-75), reunindo 20 contos. É um brevíssimo conto, porém irretorquível na sua fatura, me lembrando, por essas características, uma frase sentenciosa do escritor português João de Barroa: ”Antes sejamos breve que prolixo.”
Um conto em tempo e espaço pequenos, um flash sem tirar nem pôr, no qual, como num palco de um drama interior e exterior representados por dois seres impulsionados pela libido disfarçada diante da turma. Disso resulta uma bem acabada cena, ou melhor, aventura de um jogo de sensualidade recíproca sob o signo destituído de qualquer sentimento amoroso.
A cena do ambiente de sala de aula contrasta, pelo lado pedagógico, com os movimentos de uma jovem sedutora em direção a um jovem professor às voltas com a sensualidade inebriante e avassaladora de uma bela aluna oferecida. O protagonista, em seu mister de educador consciente de suas limitações de ações que não possam se chocar com o seu profissionalismo e imposições mínimas de compostura exigida por um educador, de resto, para uso externo, mantém as aparências e convenções, e não poderia ser diferente, sob pena de se deparar com o escândalo, a perda do respeito e mesmo a demissão do cargo ocupado. O jovem mestre, por todos esses pressupostos, se entremostra, indeciso e aparentemente constrangido (porém, interiormente, talvez, lascivo ) no desejo da posse carnal. Traço recorrente na ficção de João Pinto: a sensualidade por vias metaforizadas. Este é só um aspecto que gostaria de sublinhar no tipo da escrita ficcional de João Pinto.
Por último, cumpre ressaltar que as qualidades das curvas niemeyrianas da aluna igualmente deixam em polvorosa uma suposta concupiscência até entre professores como também no alunado. Ou seja, o tratamento imprimido tecnicamente com o recurso da sensualidade não resvala, na escrita, narrando ou descrevendo, para o figurino animalesco e de fundamentação científica representado notadamente pelo estilo de época do Naturalismo do século XIX.