NOTAS PRELIMINARES SOBRE UM  CONTO DE JOÃO  PINTO

                                                                                                                  Cunha e Silva Filho

           Tendo já lido, anteriormente,  um só livro de contos,  o de estreia, Luzes esvaídas (Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1991. Prefácio de Francisco Miguel de Moura), do  ficcionista  João Pinto,   sinto-me, mais à vontade  para afirmações ou reafirmações sobre as  qualidades  deste autor que, já  no Piauí, é  bastante  respeitado  por gente que entende  do riscado: críticos e  ensaístas  fundamente   familiarizados e teoricamente alicerçados   a fim de poderem  julgar se uma obra literária é  ruim, mediana,  boa ou ótima.

           Essa exigência de seriedade  intelectual    pode ser constatada   por exemplo, no  Piauí, com    críticos e ensaístas, entre outros,    do porte de um M. Paulo Nunes, de  um  poeta como Francisco Miguel de Moura, de um Herculano  Moraes (já falecido relativamente cedo), de um  Carlos Evandro Eulálio Martins, de um Dílson Lages, entre  outros.  Enfim,  o que se espera de um crítico  abalizado é, no mínimo, seriedade,  ética, impessoalidade e respeito  tanto aos  escritores mais antigos quanto aos  novos ou novíssimos.

        Críticos há, ainda moços, que não são bons em análises e julgamento.  São medianos em  hermenêutica de um texto literário. A propósito,  me vem à mente  o nome de Álvaro Lins (1912-1970), crítico de grandes  jornais que ficou muito  conhecido  nas décadas dos anos de 1940 até aproximadamente final dos anos  de 1960, autor que muito li por prazer e por  razões de pesquisa,  sobretudo  para o meu projeto de Pós-Doutorado em Literatura  Comparada. 

         A crítica exercida  sem  grande profundidade  nas áreas das letras como teoria literária, linguística,  filologia,  língua  portuguesa (para brasileiros e os críticos ensaístas lusófonos), línguas estrangeiras (pelo menos,  que leiam em duas,  três ou quatro  línguas modernas), no conhecimentos de  história,   geografia,   filosofia,    ciências, ciências  políticas, sociologia,  antropologia e, se possível,  conhecimento  das  duas línguas clássicas,   o latim e o grego),  limita,  em   análises de  algumas obras, o nível necessário a um  ensaísmo mais denso.  É  óbvio que nem todo grande crítico sabe tudo desse arsenal  de intelectualismo  ou eruditismo, mas é forçoso que ele, com o tempo, especialmente se for jovem ou moço ainda, vá se aparelhando  com  leituras intensivas de uma bibliografia avançada  e atualizada. É o mínimo  que se espera de um crítico que não seja leniente  ou  muito chegado a encômios insinceros ou por apadrinhamento   irresponsável.  

        João Pinto  tem  domínio do campo da ficcionalidade que, em suas mãos, já abriu  uma senhora clareira  de qualidade  no cenário da literatura de autores piauienses. Envereda também, em menor quantidade, pela  seara poética e  ainda   inclui, na sua produção,  aqui o benquisto  gênero   crônica, gênero  este que,   com o tempo,  ainda  vem conquistando  mais  aplausos  dos aficionados por ficção.  Além  disso,   nos surpreendeu em mais um gênero,  desta vez,  num gênero de fôlego  com  a estreia do  romance  com titulo  explicitamente  antropomorfizado e ao mesmo tempo  chamativo ao leitor   vidrado em ficção: As pedras  docentes da rua do fio.( Belo Horizonte:  Caravana Grupo Editorial,  2019, 293 p.)   

            Auguro que outras obras do contista em exame    sejam bem-vindas ao universo do conto brasileiro o mesmo  de um continuidade na produção  de romances. A primeira e mais surpreendente descoberta que  fiz  da leitura do conto em exame    foi precisamente observar  algo de novo  que  não havia bem percebido na leituras de outros textos  do Joao Pinto.  Inteirar-me   do sentido geral de seu modo de narrar é o objetivo primacial  de um um estudo sobre  o autor, o mesmo valendo para qualquer outro  escritor nos diferentes gêneros literários.  

           É  que, num exíguo tempo da história (ou, como quiser, estória), o narrador  logo se mostre  de corpo inteiro na função de  criador convincente  de vidas humanas, de   pessoas de carne e osso, de sentimentos e verdades inventados,  os quais povoam o seu espaço literário da imaginação e, por conseguinte,  da criação artística.

           Aí, talvez, seja,   no meu juízo, por enquanto, um só palpite: o  de que, no seu fazer ficcional,  usando da criatividade, transformando a realidade bruta -  espaço da referencialidade ou espaço  cognitivo  – em  mímese  -,  e sempre, ou quase sempre, tendo como elemento fundamental o "cuidado  com  linguagem literária" -, pedra de toque de todo bom prosador,  ou seja,  o aperfeiçoamento  renovado  do  domínio das técnicas e das estratégias e protocolos exigidos  pela estrutura  da narrativa.   

           Num pequeno recorte espácio0temporal - uma sala de aula  -, se ambienta um dos  contos, “Flerte na  aula confunde a pedagogia  do caderno,” da  obra  Contos de um aula no vermelho (Manaus: Valer Editora,   2014, p. 73-75), reunindo 20 contos. É um  brevíssimo conto, porém irretorquível  na sua fatura,    me lembrando, por essas características,    uma  frase sentenciosa  do escritor português João de Barroa:  ”Antes sejamos breve que prolixo.”  

          Um conto em tempo  e espaço  pequenos, um flash sem tirar nem pôr, no  qual, como num palco  de um drama interior e exterior representados por  dois seres impulsionados pela libido disfarçada diante da turma.  Disso resulta     uma bem  acabada  cena,   ou melhor,   aventura de um jogo  de   sensualidade recíproca   sob o signo  destituído de   qualquer  sentimento amoroso.   

         A cena do ambiente  de sala de aula  contrasta,  pelo lado pedagógico, com os    movimentos  de uma  jovem    sedutora  em direção    a um jovem  professor  às  voltas com   a sensualidade inebriante  e avassaladora de uma  bela aluna oferecida.  O protagonista, em seu mister de educador   consciente  de  suas   limitações  de ações que não possam se chocar  com    o seu    profissionalismo    e imposições mínimas  de compostura    exigida por um  educador,  de resto,  para uso  externo,   mantém   as aparências e convenções, e não poderia ser diferente,  sob pena  de se deparar com o    escândalo,   a perda  do respeito e  mesmo a demissão   do cargo  ocupado.  O  jovem mestre, por todos esses pressupostos,  se entremostra,  indeciso e aparentemente constrangido (porém, interiormente,  talvez, lascivo ) no desejo da posse carnal.  Traço recorrente na  ficção de João Pinto:  a sensualidade por vias  metaforizadas. Este é só  um aspecto  que gostaria  de  sublinhar  no tipo   da escrita    ficcional de João Pinto.

           Por último, cumpre ressaltar que as qualidades das curvas niemeyrianas da aluna igualmente deixam em polvorosa uma suposta concupiscência até entre professores como também no alunado. Ou seja, o tratamento imprimido  tecnicamente   com o recurso  da sensualidade  não resvala, na  escrita,  narrando ou  descrevendo,  para  o figurino   animalesco  e de fundamentação científica representado notadamente pelo estilo de época  do Naturalismo do século XIX.