Nossas reservas
Em: 15/03/2014, às 19H58
[Leo Barbosa]
Não sejamos ingênuos diante de tantos discursos e palavras amigáveis. Não é com qualquer um que devemos desabafar. A solidão, por vezes, nos obriga a isso. Os mais vulneráveis a cair nas artimanhas do verbo são aqueles que não aprenderam a conviver com as perguntas. Estamos cada vez menos afeitos à reflexão.
Em pauta é preciso estar razão e emoção. Sensibilidade e frieza. Um equilíbrio para gerarmos bem-estar e movimento. Há palavras que nos estacionam quando deveríamos prosseguir. Eis que me vejo tomado de grande responsabilidade porque vivo o duplo ofício da linguagem: a poética e a referencial. O professor e o poeta. Não necessariamente nessa ordem nem antagônicos. Em nenhum desses ambitos quero lançar palavras que não estejam comprometidas com o bem, ainda que desagradem a alguns ouvidos.
Para todo texto deve haver um contexto. Precisamos estar cientes de que nosso discurso envolve personagens, tempo, lugar. Confiamos demais em quem nos gosta de menos. Quantas vezes, no calor da empolgação, nós manifestamos com alegria e o outro não se felicita por nós? É porque esse outro está literalmente alheio ao que nos circunda e não compreende a importância dos fatos. Ou, nutre inveja que resulta da própria frustração.
A inveja consiste em negar o sucesso do próximo. Nas palavras de Machado de Assis: “A inveja é a admiração que luta”. Esta é pior que a cobiça. Quando cobiçamos, queremos possuir o mesmo objeto ou característica do outro. Ao invejar, não temos nem queremos que o outro possua.
Com tantos frustrados, ensimesmados, individualistas, egoístas ou como queiram chamar, é difícil estabelecer um diálogo. O melhor é seguir. Prosseguir numa observância de 360º. Não apenas olhar para frente tampouco para trás, mas buscar a compreensão do todo. Assimilar a filosofia de que o importante é estarmos conciliados com nossas escolhas.
Será essa autonomia interior que nos proporcionará felicidade. Não precisamos da autorização alheia para sorrir, chorar. Temos o direito de ser frágeis. É difícil atingir essa maturidade de nos posicionarmos de forma indiferente aos sorrisos amarelos das pessoas que nos tratam com descaso diante do nosso riso ou choro porque, muitas vezes, trata-se até daqueles que amamos. A vida nos ensina(rá) que a contenção da fala é tão necessária quanto o esbanjamento de emoções.
Que aprendamos a conservar mais nossas tristezas e alegrias para não serem banalizadas. Nossas reservas ganharão um sabor mais apurado. O mais difícil nesse processo é selecionar o que vale a pena ser mantido. Há compotas de sentimentos que nos amargam.
Leo Barbosa é professor e poeta
(Texto publicado no "Correio da Paraíba" em 15/03/2014)