[Braúlio Tavares]

 


Não entendo por que motivo ninguém leva os humoristas a sério. Vejam o caso do carioca Reinaldo, por exemplo. É um intelectual, conhecedor da melhor literatura, músico de jazz, mas o público só pensa nele como aquele sujeito de óculos que se veste de flamingo-cor-de-rosa no programa Casseta & Planeta. A própria imprensa, se exigida a apontar um intelectual na família, provavelmente indicará algum dos seus irmãos, como o escritor e tradutor Rubem Figueiredo ou o jornalista Cláudio Figueiredo, autor de uma ótima biografia do Barão de Itararé. E no entanto, e no entanto...

Noites de Autógrafos, o novo livro de Reinaldo (Editora Desiderata, Rio, 2010) é um passeio pelo mundo-pesadelo dessas ocasiões aparentemente festivas, em que o autor de um livro se submete à mortificação pública de ficar sentado, escrevendo dedicatórias para desconhecidos que ele logo descobre com horror tratar-se de amigos de infância, irreconhecíveis por trás de uma barba ou da ausência dela. Não há tormento maior para um autor do que perguntar, timidamente: “E o teu nome, como é?...”, apenas para ouvir algo como: “Ora, sou Fulano, teu editor, que publicou esse livrinho aí”.

Sem falar nos muitos casos em que a gente troca Leila por Lélia, Edilson por Adilson, coisas assim. Pensando nisto, as livrarias adquiriram o hábito de, na venda do livro, perguntar o nome do comprador e anotá-lo num papelzinho, para socorrer o infeliz. Mas basta o sujeito ter tomado uns chopes com o autor cinco anos atrás, para afirmar, confiante: “Não precisa! Somos amigos.” E não se sabe qual a decepção pior, a do autor ao constatar que não lembra ou a do fã ao descobrir que não é lembrado.

Parece que estou fazendo cerca-lourenço, mas não: o livro de Reinaldo é exatamente para explorar todas as gafes e desencontros possíveis nessas ocasiões. Só que, aqui, com autores consagrados. Stevenson escreve: “Para o dr. Jekyll, excelente figura humana...” enquanto Mr. Hyde brota do smoking do outro, facão em punho. Kafka contempla a barata morta diante da mesinha, junto à placa: “Esta livraria foi dedetizada”. Dom Quixote e Sancho pressionam Cervantes: “Autografa logo, porque o cavalo e o burro ficaram mal estacionados”. Jorge Luís Borges, cego, espera em vão numa mesa no centro de um enorme labirinto vazio. Machado se alegra ao ver um esqueleto: “Brás Cubas! Quem é morto-vivo sempre aparece!”. Ariano Suassuna, pedindo um autógrafo a Luís Fernando Verissimo, faz um longo discurso armorial diante do silêncio do colega.

São 61 cartuns com estes e outros personagens envolvendo-se em pequenas confusões e perplexidades diante de um livro a ser autografado. (Meus preferidos são os que envolvem Clarice Lispector, Ivan Lessa, Thomas Pynchon, Millôr Fernandes, Sartre, Lima Barreto). Todos com o traço anguloso e preciso de Reinaldo, todos revivendo a antiga arte de fazer da tragédia alheia a nossa comédia.