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Naufrágio

 

Rogel Samuel

 

Toda vez que sei de um naufrágio, no Amazonas, lembro-me de meu pai que simplesmente nos proibia de viajar naqueles “navios de linha”.

Ele, que viajou sozinho em sua lancha durante 40 anos por rios e lagos, sabia que a navegação nos rios da Amazônia não oferece nenhuma segurança, o que descrevo no meu livro como (Pierre Bataillon) “temia viajar naquelas águas cheias de paus, troncos, bancos de areia, torrões, pedrais, salões e muiunas, rebojos, ituranas, panolas, panelões, praias, sacados, jupiás, ipuêras, baixios, cambões, caldeirões, esqueletos, praias de duas cabeças, voltas - todos obstáculos e perigos da navegação ordinária, de grande ou de pequeno calado, para navios, motores, canoas, montaria e igarités, tudo, toda uma massa de uma teoria infernal de perigos a evitar, a contornar, a vigiar, a desafiar, a temer”.

Meu pai dizia que no Purus há mais barcos afundados debaixo do rio do que navegando por cima.

Certa vez fiz um barco voltar para o porto depois de partir: era um pequeno barco que ia atravessar o Amazonas pelo “Encontro das águas” que foi ficando cada vez mais cheio de gente naquelas águas tumultuadas e mortais.

E não me arrependo.

Aprendi com ele, o meu pai.

Aprendi a temer aqueles rios.