ELMAR CARVALHO

 

 

No sábado, dia 3, eu e a Fátima recebemos, no sítio Filomena, na Várzea do Simão, os poetas Alcenor Candeira Filho e Neide Moscoso, Ana Lúcia (Aninha), esposa do vate, e Canindé Correia. Ficamos num dos alpendres, a contemplarmos as árvores e as flores do jardim, a sentirmos a brisa suave, que tornava agradável a temperatura, e arrancava suave música das palmas dos coqueiros e das carnaubeiras próximas.

 

O Alcenor e o Canindé são meus amigos desde a segunda metade da década de 1970. Fizemos parte do grupo de colaboradores do jornal Inovação, que relevantes serviços prestou à cultura e à sociedade parnaibana. A Aninha tornou-se nossa amiga, desde o seu casamento com o poeta. Foi uma manhã memorável, pela conversa amena, variada, com pitadas de história, poesia, humor e tiradas espirituosas, ao sabor do improviso. O Dico e o Diá, irmãos da Fátima, também estiveram presentes, mas logo se ausentaram, em virtude de compromissos pessoais e familiares.

 

Não conhecia Neide Moscoso, exceto através de seus ótimos poemas, concisos, densos, subjetivos, líricos, mas sem transbordamentos eivados de pieguice. Conheci os seus textos, através da intermediação inicial do poeta Alcenor. Foram enviados por e-mail, e eu grata e gradativamente os fui publicando em meu blog. As conversas, entrelaçadas, paralelas ou não, foram secundadas por sábias libações e sóbrias degustações, como bem poderia dizer o imortal Pacamão, que já partiu para o outro lado do mistério, ou hemisfério, como consta numa das anedotas que ele protagonizara.

 

Na quinta-feira seguinte, dia oito, sozinho, do observatório do mesmo alpendre, enquanto esperava pelo almoço, fiquei a contemplar as árvores e os passarinhos. Como temos procurado evitar, na área do sítio, que se espantem os pássaros, que se lhes atirem pedras ou paus, verifiquei que um deles chegou a fazer seu ninho num dos cantos da varanda, enquanto outros o fizeram nas árvores próximas. Desse fato tirei a conclusão de que as aves se sentem protegidas no sítio Filomena.

 

As aves canoras de maior prestígio e de mais alto valor comercial se afastaram das imediações, fugindo dos passarinheiros, das baladeiras ou estilingues e dos alçapões. Contudo, ante nossas providências em nosso pequeno imóvel, inclusive plantação de árvores frutíferas, constatei que alguns desses passarinhos já começam a tomar chegada, a nos encantar com o seu canto mavioso. Espero que em breve já possamos escutar o canto de corrupiões e chicos-pretos. Os corrupiões, valentes, galantes, metidos em sua fatiota colorida, ostentosa; os chicos-pretos, discretos, envergando o seu discretíssimo fraque negro. Entretanto, ambos igualmente mestres em seus encantadores trinados e gorjeios.

 

Sempre ouvimos o estribilho alegre dos bem-te-vis: “bem-te-vi, bem-te-vi”, que me serve de advertência quanto ao olho onisciente do Senhor, que tudo vê, que tudo sabe. Amiúde escutamos o canto saudoso e melancólico das ariscas rolinhas “fogo-apagou”, que também nos serve de admoestação contra os percalços e intempéries. Aliás, por falar em tantos passarinhos, a Fátima, junto ao portão de entrada, mandou pintar um painel, pelas mãos hábeis de mestre Zico, em que aparecem um bem-te-vi, em memória de minha mãe, que tanto admirava esse brioso, alegre e belo passarinho, uma sabiá, representando sua irmã Remédios, que gosta de cantar, e duas corujas de bom agouro, por causa de meu apego aos livros.

 

Ao meio dia, como se estivesse cumprindo uma missão, chegou um pressuroso e diligente bando de anuns pretos. Essas aves são quase sempre silenciosas, e não se destacam pelo cantar. Pousaram sobre um cajueiro, que ficava bem perto de onde eu estava. Embora negras como um corvo ou um urubu, não são aves de rapina e nunca se lhes atribuiu a pecha de serem agoureiras. Jamais se disse que um anum preto assombrasse alguém, como uma rasga-mortalha ou como o célebre corvo de Alan Poe, este a entoar, melancólica e tetricamente, o seu refrão “nunca mais”, despojado de qualquer esperança.

 

Em poucos minutos, seguindo uma tática que eu já lhes tinha observado anteriormente, derrubaram dois cajus maduros, e logo desceram para bicar a polpa tenra e suculenta. Passado um curto instante, veio uma impertinente e inoportuna galinha em direção a um dos cajus. Os anuns, sabiamente, não a enfrentaram, nem se agastaram, e se concentraram em apenas um deles. Após três ou quatro bicadas, a galinha enjoou o repasto e se retirou.

 

Essa mesma situação repetiu-se, tendo como “herói” outro robusto galináceo. Pude, então, perceber a sabedoria dessas aves, tão discretas em suas vestes negras, tão humildes em seu silêncio. Não foram quinhoadas com bela plumagem e nem foram dotadas de um mágico cantar, mas por isso mesmo não são perseguidas por caçadores e meninos, com suas arapucas, armadilhas e alçapões. Mas Deus as contemplou com salutar esperteza e providencial sabedoria.