Com a autoridade de neto, Caetano inventa de "explorar" mata do vale, mas o vô diz que pode ser perigoso. Não com você junto, vô, ele fala aliciante e então, o vô com seu ego e o neto com sua chamego, lá vamos nós de bonés, mangas longas contra insetos e botas contra cobras.

 
Levo facão, avisando que porém não cortaremos nem um cipozinho, vamos deixar a mata do jeitinho que encontramos. Entretanto, para avançar um metro, são tantas fatigantes contorções que dá vontade de usar o facão, mas continuamos ecocorretos. O chão é coalhado de arvorezinhas a disputar luz na sombritude - e de repente, um prêmio: limoeiro-rosa carregado de grandes limões maduros, enchemos a mochila. 
 
Mistério: quem plantou tantas ameixeiras japonesas, os passarinhos? Espanto: um imenso formigueiro de formigas cortadeiras, com seu monte de terra de metro de altura e metros de diâmetro! Encanto: passarinhos nos estranham ou nos saúdam o tempo todo. Desafio: atravessar pinguela em riacho, Caetano ligeirinho que só, atrás o avô temeroso de um tombo aos setenta. Orgulho: no final da pinguela ele estende a mão: - Vem, vô, que eu te ajudo! 
 
Então paramos para o lanche à beira do riacho, pés na água, alma lavando. Suei tanto que a roupa gruda no corpo e, talvez por isso, lembro dos bandeirantes, que vinham lá de São Paulo varando mata a facão, num tempo em que nem existiam fósforos para fazer fogo. Tinham de cruzar rio sem molhar a farinha e a pólvora, caçar e pescar todo dia para comer, curar doenças só com benzimento e se guiar pelas estrelas. E o que eles vinham fazer aqui, pergunta Caetano. 
 
Conto que vinham procurar ouro e prear índios. Que é prear, vô? É prender, aprisionar. Os bandeirantes, para prear índios no Paraná, arrasaram duas dúzias de reduções, povoamentos feitos por padres jesuítas para catequisar os índios. Algumas reduções chegaram a produzir artesanato e rapadura exportados até para a Europa! No seu livro Geografia Física do Paraná, o professor Reinhard Maack conta que apenas a bandeira de Borba Gato, com duzentos bandeirantes e novecentos mamelucos - mestiços filhos deles com índias - levaram para São Paulo cem mil índios, em grupos de dez amarrados pelos pescoços com longos cipós finos e resistentes como cordas. Caetano se espanta: tá brincando, vô? Não, guri, as raízes do Brasil são mesmo espantosas. Outro exemplo, durante quase dois séculos a língua mais falada na maior cidade do Brasil, São Paulo, era o tupi-guarani. Não é à toa que, analisando genomas, a Unicamp mostrou que 70% dos brasileiros têm algum sangue índio. E isso é ruim, vô? Para os racistas, é. 
 
Ele fica olhando a mata, de repente um homenzinho sério vendo bandeirantes e índios. Mas, vô, por que eles levavam os índios? Para vender como escravos, guri. Dos cem mil levados por Borba Gato, só dez mil chegaram vivos a São Paulo, mas ainda eram tantos que caiu pela metade o preço de um índio escravo e, mesmo assim, pagaram-se as despesas e a bandeira deu muito lucro. Genocídio era negócio.
 
E por que, vô, tem rua com nome Borba Gato? Desenho com facão na terra, para mostrar que o Brasil era cortado ao meio pela linha do Tratado de Tordesilhas, mas as bandeiras foram além da linha e aumentaram o Brasil. A História, lamento, é feita de heróis e massacres, vitórias e desgraças, conquistas e derrocadas. Ele balança a cabeça, fazendo o balanço de tanto. 
 
Depois voltamos a varar mata, até sairmos diante de céu azul, e ele: os bandeirantes mataram tanto, hem, vô, e nós não matamos nem um cipozinho! Pois é, concordo, avançamos, né? E os limões deram ótimas limonadas.