MSC: Movimento dos Sem-Carro
Em: 24/07/2006, às 11H15
Por Gabriel Perissé
Pertenço ao Movimento dos Sem-Carro. Não sei se por convicção ou falta de opção... Nossa melhor condução são os pés, guarnecidos por chinelos, sapatos ou sandálias.
Os sem-carro andam pelo mundo, sobem ladeiras, pulam poça d’água, equilibram-se no meio-fio. Pedestres inveterados, correm menos que um carro, mas não enfrentam congestionamentos. Nas cidades em que existe metrô, avançam sob a terra.
Os sem-carro prestigiam o transporte coletivo, o corpo-a-corpo com seus companheiros de viagem.
Combatem, indiretamente, a poluição ambiental, pois não bebem gasolina. Não buzinam no ouvido alheio. Não estacionam em local proibido... nem no permitido. Os sem-carro estão imunes às multas de trânsito.
Muitos integrantes do Movimento dos Sem-Carro gostam de ler. O tempo consumido durante suas viagens é consumado pela aventura da leitura. Em qualquer rua em que estejam, lá não estão. Nas páginas do livro exploram outras rodovias. Conhecem outros tempos, pessoas e lugares, passageiros absolutos.
Os sem-carro, adeptos da ginástica espontânea, fazem das calçadas sua esteira ergométrica. Andarilhos com destino, peregrinos urbanos, gente como a gente.
Não poucos motoristas olham os sem-carro com profundo desprezo. Como pode um ser humano andar por aí de cabeça erguida sem viver no mundo automobilístico, as mãos no volante, um dos pés no freio, o outro na embreagem, atenção à caixa de marchas!? E seu coração em total sintonia com o carburador...?
Os sem-carro jamais observam o mundo pelo espelho retrovisor. Para eles pouco importa ter garagem no seu prédio. Sobem escadas, um automóvel não. Dormem sem medo de que alguém lhes roube o carro inexistente.
Nenhum dos sem-carro desconhece as vantagens do automóvel, simplesmente não é prioridade em suas vidas andar sobre quatro rodas.
E, por outro lado, os sem-carro não odeiam a idéia do carro. No carnaval, apreciam os carros alegóricos. Acompanham a Fórmula 1 e seus maravilhosos carros de corrida. Vão ao parque de diversões e brincam com seus filhos no carrossel. E na hora da urgência, pegam o primeiro táxi que encontram pela frente, sem complexos de inferioridade.
O MSC, Movimento dos Sem-Carro, está fadado a desaparecer. A concessionária nos espreita. Acalentamos o sonho possível de possuir um carro, de nos sentirmos senhores da estrada, de irmos à padaria de carro, reclamarmos do IPVA, xingarmos quem aumentou os pedágios.
Resistiremos! Homens e mulheres, bípedes sem asas, caminhando e cantando, e seguindo a canção.
Gabriel Perissé é doutor em educação pela USP e escritor