Cunha e Silva Filho


        O grande instante - um marco epifânico da minha formação intelectual - foi num certo dia em que me descobri no “Quarto-Biblioteca,” lendo um texto em inglês em nível intermediário, seguramente num dos muitos livros didáticos de quantos havia em casa para o ensino do inglês, assim como do francês; o espanhol, viria depois, já no curso científico.
        Qual não foi a minha alegria quando, na medida em que ia lendo um texto, pude perceber que o fazia sem pensar em português, porém o entendia na própria língua inglesa. Eureka! O mesmo diria para o meu francês, mas em tempo mais dilatado e, assim com o espanhol, o estudo do inglês me absorveu mais tempo e mais dedicação, ao passo que o francês às vezes ia ficando em segundo plano e o mesmo poderia falar do espanhol.
       Foram na mocidade e na vida adulta que as três línguas, sobretudo na habilidade da leitura, iam sendo consolidadas, não obstante tenha um poliglota em livro prático para o ensino de idiomas afirmado que uma língua estrangeira só já  é trabalho para toda a vida.Segundo ele, mesmo uns quinze ou vinte anos não são por vezes suficientes para o completo domínio de um idioma estrangeiro.
      Por isso, nunca me descuido de estar sempre melhorando e mantendo um bom nível de entendimento do que aprendi até hoje,quando venho começando a estudar o italiano e, como sempre de forma autodidática. Talvez, me decida a estudar o alemão e rever o meu latim, já que o grego que cursei na universidade foi muito pouco e o ensino dado com certa pressa.
     Hoje em dia, quem gosta de idiomas modernos ou mesmo de línguas menos ensinadas, como o russo, o hebraico, o romeno, o polonês, o japonês, o chinês, o árabe, tem muitas possibilidades de aprendê-las, seja pela internet, seja por livros com lições gravadas em CDs e chaves dos exercícios. A grande lição que aprendi nesse terreno é que línguas estrangeiras devem ser aprendidas bem cedo em nossa vidas.  Diria, aproximadamente, no início da adolescência, havendo linguistas, contudo, que advogam que os idiomas estrangeiros devem ser ensinados a partir da infância. Num pequeno livro que escrevi, Breve introdução ao curso de Letras: uma orientação (Rio de Janeiro:Litteris Ed; Quártica, 2009, 117 p.), desenvolvo um capítulo sobre a importância do conhecimento de idiomas, não somente para os profissionais do ensino, mas para todas as profissões que exigem uma graduação superior.
     Na minha formação particular, o "quarto-biblioteca" “” de papai me trouxe muitas alegrias; nela havia excelentes livros didáticos e especializados (gramáticas) assim como notáveis dicionários de inglês, francês e latim. Li com sofreguidão autores como M. de Oliveira Malta, Jacob Bensbat, Frederick Fitzgerald, Pe. Júlio Albino Ferreira, Júlio Matos Ibiapina, J. L. Campos Jr.. Isso para me limitar ao inglês. Do francês, havia Marcel Debrot, Isabel Junqueira Schmidt, Carlos Ploetz, compêndios de conjugação dos verbos franceses; em latim, a gramática de Mendes de Aguiar que, se não me falha a memória, foi professor de meu pai no Rio de Janeiro. Além disso, tive a sorte de ter sido aluno de francês de meu pai no ginásio e, no científico, da Madame Helena, no Liceu Piauiense.
    Tive também a fortuna de ter sido aluno de inglês nota 10 do professor Francisco Viveiros. Falava um exclente inglês americano, pois fizera cursos técnicos nos Estados Unidos aproximadamente nos anos 1950 com bolsa de estudos patrocinada possivelmente pela Escola Industrial de Teresina. Ele me lecionou inglês no “Domício” (ginásio) e no Liceu Piauiense (científico). Como sempre fui entusiasta, sobretudo do inglês. Na Biblioteca do Liceu li sua tese para professor catedrático de inglês; versava sobre o “genitive case.”
   Tive professores maravilhosos, sobretudo no “Domício” como João Batista (de latim e canto orfeônico), Lysandro Tito de Oliveira (de geografia), Francisco Viveiros ( de inglês, já citado) Melo Magalhães (de matemática), Domício Melo Magalhães (de história), Tonhá (de português), Alcides Lebre (de desenho), Edmar Vasconcelos de Sant’Ana (igualmente de desenho), João Antônio (de ciências ), Cunha e Silva (de francês),  Olmpío Castro ( de português e latim).
   Ainda tive outros professores no Domício de cujos nomes não me recordo, pois me lecionaram por pouco tempo. O meu período de ginásio foi muito mais alvissareiro do que o do científico, onde tive algumas decepções com relação a  professores.
  No Liceu Piauiense, conheci  professores de grandes méritos, o A. Tito Filho, mestre inigualável de literatura luso-brasileira, era um deles. Pontual, dedicado às suas aulas tipo conferência, nas quais, além da disciplina específica, despertava os jovens à reflexão crítica dos grandes temas de natureza histórica, política e social. Fluente, tribuno, possuidor de qualidades inatas de orador de memória precisa, de gesticulação harmoniosa, de voz agradável e aliciante, o grande jornalista e cronista de amplos recursos entusiasmava a todos nós.
  Era exigente, corrigia todos os trabalhos escritos propostos sobre assuntos literários já anteriormente ventilados com muita didática. Passava aos alunos tarefas de redação, o que chamava de “apreciação” de um tema ou, segundo gostava de pedir-nos: “Faça uma apreciação sobre o Romantismo de Castro Alves.”
Acredito que ele me foi muito útil na minha atividade crítica. Era econômico nos elogios, mesmo aos bons alunos. Suas aulas fizeram época. Em 1968, de volta de um congresso de jornalista em Porto Alegre, passando pelo Rio de Janeiro, conversei com ele ligeiramente. Meu pai também compunha o grupo de congressistas. De regresso ao Piauí, A. Tito Filho  escrevera no jornal de Teresina, numa  das notas de sua coluna, palavras elogiosas sobre a minha pessoa como ex-aluno dele. Uma vez, o notável tradutor e professor Paulo Rónai, no Jornal do Brasil, teceu-lhe encômios sobre um livro de crônicas. (Continua)