Milton Borges em entrevista

Como ocorreu o processo de escritura dos 28 contos de Sabor de Vingança?

 

Há mais de 5 anos venho escrevendo regularmente uma média  de entre 40 a 60 contos por ano. A coletânea  foi o trabalho de um dos anos mais produtivos, 2014, ela e outra que pretendo lançar brevemente: Jogos de Ossada, passada no interior do Piaui. Tenho mais de 250 contos no mesmo gênero. A obra é o continuísmo de um trabalho já estabelecido em minha rotina de escrita.

Para Ribamar Garcia, em Sabor de Vingança, vê-se “o olhar de um escritor para a periferia, naquilo que ela tem de mais cruel: a violência. Que compreensão os leitores desta obra terão sobre a periferia?

 

Percebo  que há certo distanciamento do olhar dos moradores das regiões mais favorecidos em relação aos moradores menos favorecidos da periferia, que normalmente ficam  mais expostos às mazelas da vida urbana, ao esquecimento pelas autoridades administrativas,  propiciando  um liberalismo caótico, gerando a violência fácil, o crime. Isso inevitavelmente termina por atingir a classe mais abastada e causa  um preconceito generalizado contra a pobreza, como uma fonte potencial de conflitos urbanos. Mas não se deve esquecer que a vida na periferia, excetuando a fragilidade  na segurança, pode ser tão agradável como a de qualquer outro lugar, visto que a maioria dos moradores são cidadãos honestos, trabalhadores e solidários, com anseio na construção de um mundo melhor e o gosto para os prazeres da vida.  

A psicologia do crime está bem representada nos personagens. Gostaria que o senhor detalhasse sobre a o perfil dos personagens que criou.

 

Boa parte dos criminosos apresentados na obra é de gente amoral,  que há muito se despiu dos escrúpulos pessoais, gente que não valoriza de verdade nem suas vidas, quanto mais a dos  outros. Gente que acha que só se consegue alguma coisa tirando algo de alguém. Na vitória pessoal, o prejuízo do próximo. Porém, temos de ser justo em nosso julgamento, a maioria desses infratores, senão todos, foram vítimas de situações,  circunstâncias nem um pouco benéficas na formação do seu caráter,  mesmo que nos aparentam desconhecidas. 

Há em Sabor de Vingança, também, uma preocupação em ser fiel à linguagem do submundo. A pesquisa sobre o léxico è oriunda de quais fontes?

 

Em passeios pela cidade, colhendo uma ou outra frase de grupos de rua, e consultas com conhecidos da periferia, pedindo orientação ao termo que preciso empregar, ou pesquisas em sites da linguagem marginal, não tão aproveitável como gostaríamos, já que as gírias variam de uma região a outra do país, e só me interessa no momento as empregadas no Piaui. Minha representação de universo literário por excelência.

Uma estratégia interessante desta obra é a fusão entre o conto e a notícia de jornal, fusão que cria efeito agradável. Isso veio intuitivamente ou o senhor tem realmente a intenção de provocar um efeito particular no leitor?

 

Uso muito as fontes de jornais no meu trabalho, quando quero escrever sobre um crime que mereceu registro, tenho de matérias arquivadas em casa, abro o máximo de sites possíveis que aborda o assunto, ou temas relacionados, termino por absorver algo da linguagem jornalística. Mesmo que minha obra seja de ficção, tento imprimir um cunho de fidelidade aos relatos. A crueza necessária. Como uma notícia. 

A frieza com que se encara a violência nos centros urbanos acaba se demonstrado, após a leitura dos contos, como uma sensação da qual o leitor não consegue fugir. O senhor concorda com isso?

 

Devido às circunstâncias favoráveis, o crime urbano terminou por se banalizar. No passado, as pessoas temiam o fogo do inferno e a justiça terrena; hoje têm pouca, ou nenhuma fé, e não temem mais o castigo legal, visto que esse se apresenta ineficaz, leis que não se cumprem, um sistema carcerário falido. Devido ao aumento crescente, o crime, em suas múltiplas variações, quase não causa mais comoção.  

Ribamar Garcia, em artigo feito especialmente ao livro Sabor de Vingança, destaca que, ao escrever, o senhor diz apenas o essencial. O que o senhor tem a dizer sobre a economia de palavras neste livro?

 

Procuro ser o máximo sucinto na obra, que faz parte de uma série em andamento nos mesmos moldes, em que procuro apenas expor os fatos, sem emitir minha opinião, nem crítica direta, ou divagar em considerações que não sejam essenciais ao desenrolar do drama, ao desfecho. 

O conto policial, não raro, é vítima de preconceito. Entre as razões, sem dúvidas, o desinteresse das elites pela vida comum naquilo que ela possui de banal, ou o desinteresse pelo universo da periferia (seus valores e modus vivendi), ou a reação natural ao mundo da violência etc. Como o senhor interpreta o sentido do conto policial hoje?

 

O conto dedutivo, o crime em meios mais afortunados, sempre despertou o interesse da elite (vide Agatha Christie e os bem sucedidos autores congêneres), sendo normalmente encarado como um passatempo inócuo. No nosso caso, a linha está mais para o lado marginal, a qual só recentemente vem despertando mais atenção; talvez a falta de interesse se deva mais ao descuido com a linguagem pelos autores, que usam abusivamente de expressões chulas e palavrões, como se os personagens  só soubessem xingar, e jamais falar decentemente. E não houvesse nenhum mistério em suas vidas, somente a fatalidade da desgraça.

 


Para finalizar, quais alegrias trouxe ao senhor escrever Sabor de Vingança?

 

Por enquanto, estou na fase da expectativa, não me sinto nem um pouco realizado, tenho muitas obras no prelo a clamar por oportunidade de exteriorização. Espero merecer a atenção dos leitores, o que não será nada fácil, nadar contra a maré, nenhuma certeza no resultado, somente esperança.