Cunha e Silva Filho


                                   No sem-lugar, no sem-tempo onde só a memória dirige as vontades, estarei sempre contigo. Ver-me-ei por teus olhos e, assim, estarei sempre vendo a natureza, o sol, o mar, os campos, os vales e montes, o respirar dos teus pulmões, sentindo o vento. Verei o que estarás fazendo e desde já sei que estarás fazendo o Bem e, de quando em vez, pensarás em mim com ternura e saudade, não aquela saudade doentia, mas aquela que não mais dói e desliza na memória como um valsa vienense.
                                  Sim, pelos teus olhos estarei vendo, sabendo o que pensas, o que fazes, o que amas. Tenho certeza de que o encaminhamento de tua trajetória – esta travessia de todos os mortais sem exceção – será bem conduzida. Nos teus olhos caminharei contigo e, desta forma, me prolongarei em ti, superarei o limite de uma existência longa ou mais longa, mas jamais curta, embora pressintas que não seja tão longa. Estás enganado ou enganada.. Pelos teus olhos não serei um só homem, seremos dois, ou uma mulher especial, sem saberes que contigo estarei sempre. Seremos três , cada um de cada vês ou todos ao mesmo tmepo. O que importa sempre é que estarei contigo nos teus olhos em todos os instantes, em todas as situações, no trabalho, no descanso, na vigília dos estudos, no trabalho de casa, ou nas compras da rua, na leitura dos grandes livros da Humanidade. ou dos pequenos livros simples, de leitura fácil mas útil, ou se não, da leitura da vida sem livros, o que n ao deixa de ser uma leitura.Há muita sabedoria fora dos livros .
                                Verei por teus olhos o andar da vida, o passar dos anos, os teus temores, as tuas aflições, a tua sensibilidade e emoções dirigidas para tantos lados da existência efêmera, volátil, naquele mesmo parâmetro que Pascal (1623-1662) compreendia a pequenez da existência, , a magnitude e o assombro do infinito.
                              Verei por teus olhos o teu dia-a-dia, o teu esforço, a tua luta da vida e os teus sonhos realizados ou não realizados. Verei teus choros silenciosos, discretos, sofrendo a dor sozinho, ou sozinha. Estarei acompanhando teus passos, tuas ideias, tuas indignações jamais justiçadas no lugar que ocupas como filho ou filha de uma pátria.
                              Verei sempre por teus olhos o “Assim caminha a humanidade”, para fazer uma correlação entre a vida e um filme que vi há tantos anos. Nos teus olhos, da minha parte sempre vigilantes, mas sem prejudicar-te os atos e as decisões, estarei vivo e quem, sabe, tendo a sensação - vã sensação! - de que serei eterno, tanto quanto os filhos de Eva após o pecado original. Pensam os ingratos que estão no caminho certo, na sua ingenuidade boba e inconsciente, sob o domínio do hedonismo da civilização contemporânea, indiferentes ao sentimento de coletividade. 
                             Ao ver o mundo físico pelo teus olhos não quero nunca que te sintas como os seres apressados, à procura da ilusória fama, seja esta de que forma for. Nesta pressa sem termo deixam eles, os apressados, as oportunidades do convívio com os amigos que dissiparem como bolhas de sabão, amigos logo esquecidos pelos desejos irrefreáveis da pressa pós-moderna. Fazendo assim, perdem as grandes oportunidades de manter as velhas amizades das quais vão se distanciando, tendo a falsa ideia de que melhores amizades farão esquecer as mais simples e por isso mesmo mais autênticas.
                          A nossa, não, é infinita sem compromisso com o tempo, a vaidade, a riqueza material, já que a sua matéria não é feita do interesse ou egoísmo humano, mas por um pacto com o não-tempo, o não-lugar. Ela nasceu do sangue, do mesmo sangue que corre nas minhas veias ainda vivas e, tenho certeza, há de correr pela veias de teu sangue comum ou do sangue fruto do amor. 
                        Viverei, sobreviverei nos teus olhos e pelos teus olhos e, assim, terei a mesma sensação da imortalidade relativa, porquanto ela depende do espaço de tempo físico que passares na Terra. 
                        Pelos teus olhos ainda por longos anos ou por menos anos poderei ter as sensações várias de que desfrutam os viventes. De certa maneira, pelos teus olhos não morrerei tão cedo. Ainda haverá tempo a percorrer com alegrias e vitórias, com sonhos e amores redobrados..
Meus olhos serão teus olhos nas mudanças do tempo, das fases da vida, dos deveres e obrigações. Verei ainda muito desta vida dura e contraditoriamente bela. Verei o tempo passar na celeridade mais intensa dos tempos atuais, nos quais uma semana parece um dia em época de pós-modernidade. A velhice física não passa de um suspiro da mocidade.
                     Porque meus olhos verão pelos teus olhos minha alma se acalma, se alegra, pela perspectiva que tem pela frente onde juntos tu (em duplo) e eu, passaremos pela vida e descansaremos à sombra de uma árvore amiga, com a brisa passando pelos nossos rostos feitos do físico e do imaterial, mas vivos, eternamente vivos na amplidão da interioridade de nosso espíritos.
                    Pelos teus olhos, sim, adormecerei em paz, estarei sempre em tua companhia e conquistaremos o pequeno universo da Terra. Pelos teus olhos, verei a Vida e terei, por algum tempo não-sabido, relativa eternidade da existência física.
                     Pelos teus olhos sentirei o prazer de continuar vivo, vendo o teu sucesso, os teus passos, o teu envelhecer, os teus cansaços a tua procura, do Bem, a tua luta contra a Injustiça do teu país e do mundo.Pelos teus olhos verei também a derrocada dos prepotentes, dos facínoras e dos inimigos da humanidade. Acompanharei a tua ascensão, o teu triunfo, a tua cura, depois das dores e sofrimentos, incompreensões e indiferenças. Verei, enfim, a tua alegria conquistada, o teu caminho percorrido, os teus feitos, as tuas obras e tuas ações dignas, o teu labor diário, a tua comida bem feita e por ti feita,.Nada disso esquecerei porque estarei sempre vendo o mundo pelos teus olhos abençoados.