Mensagens
Por Raphael Cerqueira Silva Em: 10/11/2024, às 11H22
Uma notificação seguida de outra e mais outra. Deixo os créditos do filme preencherem a tela do notebook, pego o celular. São mensagens da Lana. Nossa, Lana e essa irritante mania de escrever. Parece Jack, o Estripador. A cada duas ou três palavras, envia a mensagem.
boa noite/td bm/vamo sai hoje
Não respeita pontuação, ortografia, desconhece maiúsculas e minúsculas... Ia se dar bem trabalhando na época do telegrama.
Engana-se o leitor, contudo, ao julgar minha amiga semialfabetizada. Lana tem duas licenciaturas e cinco pós-graduações. Para que tudo isso, questiona-me a leitora. Eu respondo como aquele personagem da novela: e eu sei lá.
Voltando às palavras soltas e às frases nunca concluídas, ou melhor, ao convite da Lana. Declino-o, como de costume. Dessa vez, boto a culpa na chuva fina que começou faz alguns minutos: não gosto de sair com um tempo desses. Aliás, eu não gosto de sair com tempo nenhum. E Lana, pelos anos de convivência, já deveria saber.
no pierrot e coberto/vamo amigo/to sozinha hj
Prefiro ficar em casa, jantar, daqui a pouco começa minha novela. Mas não digo nada disso à insistente Lana: detesto me justificar, ainda mais por mensagens. Então, respondo: deixa pra próxima.
ok/ q vc ta fzndo
Acabei de assistir Io Capitano, digito.
q isso?
Vejam os leitores a que ponto chega a curiosidade humana: Lana até se lembrou de usar o ponto. E eu não podia deixar passar batido o trocadilho.
É um filme, respondo.
Conheco não
Eu sei que ela não conhece. Lana entende muito de academia e dieta, barzinhos e birinight. Não é versada em filmes. Bem, eu também não sou nenhum cinéfilo, mas de vez em quando mergulho na sétima arte.
Um drama que narra a história de dois primos senegaleses, Seydou e Moussa, que pretendem emigrar para a Itália. O filme retrata as agruras e as violências que os imigrantes sofrem para fugir da pobreza e chegar à Europa, onde acreditam que conquistarão fama e prosperidade.
Releio a mensagem enviada. Ficou parecendo aquelas sinopses que vinham estampadas no estojo de DVD... Sim, me empolguei um pouquinho.
Olhando a chuva, reflito: meus trisavôs devem ter passado por situações parecidas, entretanto, em caminho e época diversos: deixaram o solo italiano em fins do XIX para, como diziam, fare l’America.
Lana demora a responder. Não está acostumada a ler textão, como seus alunos chamam qualquer coisa que contenha mais de duas linhas.
deve ser bom
Ah, quando escreve desse jeito é porque não demostrou interesse. E, como também não estou interessado em prosseguir o papo, deixo o celular de lado.
Desligo o notebook, vou à janela. Podia ficar assim a noite inteira, rogo. Mas alguém lá de cima, São Pedro talvez, não anda muito satisfeito comigo: antes de eu terminar de esquentar a janta, a chuva se mandou.