ELMAR CARVALHO

 

Tendo terminado de ler, no final da semana passada, o Diário Secreto de Humberto de Campos, quero fazer algumas considerações sobre esse gênero literário. Tinha conhecimento da existência dessa obra através da biografia do autor, e de algumas referências feitas pelo poeta e escritor Alcenor Candeira Filho. Contudo, não lhe tive acesso, uma vez que era livro esgotado há vários anos.

 

Meses atrás, através do historiador, professor e confrade Fonseca Neto, tomei conhecimento de que esse diário fora reeditado pelo Instituto Geia, sediado em São Luís – MA, que magníficas obras da literatura maranhense vem reeditando. Embora abusando do pouco tempo do amigo Fonseca Neto, que está fazendo seu doutorado naquela velha capital, pedi-lhe que me trouxesse esse diário, que aqui o reembolsaria. Pouco dias depois, numa das sessões da APL, o Fonseca me disse haver cumprido a missão, e que os dois volumes estavam em sua casa.

 

Ansioso, fui logo a sua casa. Lá, após instrutiva prática, em que o mestre e amigo me falou sobre a cultura e a história maranhenses, recebi os dois grossos tomos, cada um com mais de quinhentas páginas. Para minha “decepção”, não houve jeito de o Fonseca receber o valor correspondente ao preço da obra. Imediatamente, mergulhei nessa instigante leitura, embora alternando com outras, a que o excesso de informações da vida contemporânea nos obriga ou nos atrai.

 

Ao longo de minha já alongada vida literária, fui escrevendo meus textos, sem ter em mente o planejamento de um livro, com título e assuntos previamente definidos. Todavia, já há muitos anos tinha a meta de escrever minhas memórias e uns contos, após os sessenta anos, mormente quando já estivesse aposentado. Mas, diz o ditado popular que o homem propõe e Deus dispõe.

 

Eis senão quando, minha filha, Elmar Cristina, em janeiro de 2010 criou o meu blog, que ela denominou de Poeta Elmar. Essa página pessoal internética me estimulou a voltar a escrever, pois passei a não depender de favores para publicar os meus textos. A partir de 17 de janeiro de 2010, comecei a “construir” este Diário Incontínuo, e praticamente já concluí o livro de contos Arte-fatos Oníricos e Outros, que estavam previstos para depois de quando eu me tornasse um sessentão.

 

Por causa desse meu desiderato de escrever minhas memórias, desde algumas décadas para cá, incluí a leitura de livros memorialísticos entre as minhas leituras preferenciais, diminuindo, por conseguinte, a leitura de contos, romances e poemas. Já havia lido, mais de 30 anos atrás, o livro Memórias, de Humberto de Campos, que considero um dos melhores nesse tipo de literatura. Talvez seja a obra que mais tenho relido. E pretendo relê-lo, ainda. Por sinal, consegui um excelente exemplar de Memórias e Memórias Inacabadas, também editado pelo Instituto Geia, através do meu amigo Paulo César Lima, o Curicaca, que o desembargador Lourival Serejo, membro da Academia Maranhense de Letras, lhe havia enviado.

 

Entretanto, nunca havia lido um diário, e muito menos havia pretendido escrever um. Contudo, instigado por artigos do professor Paulo Nunes, e também pelo saudoso José Maria Medeiros, que foi secretário da Mesa da Assembleia Legislativa por largos anos, por sua vez também influenciado pelo confrade Paulo Nunes, resolvi ler os Diários Completos de Josué Montello, em dois grossos volumes em papel Bíblia, e posso dizer que foi uma de minhas mais agradáveis e proveitosas leituras. Josué fazia os seus registros com todo esmero, mesmo os pequenos, como um cultor da língua portuguesa, como um estilista depurado, em seu agradável estilo machadiano.

 

Igualmente, com uma ou outra exceção, Humberto de Campos colocou em suas notas diarísticas todo o seu talento e cuidado de estilista. Sua linguagem é sempre escorreita, fluida, agradável e de atraente conteúdo. Os dois diaristas contam fatos da Academia Brasileira de Letras, a que ambos pertenceram. Em muitas notas, comentam os seus afazeres e projetos literários e jornalísticos. Muitas vezes, produzem uma leve crítica literária. Contam fatos importantes de sua vida, bem como de alguns colegas e de figuras históricas.

 

No Brasil, o gênero diário parece que nunca “pegou”. Sempre foi pouco cultivado e pouco lido. Já memórias tiveram alguns autores de importância, entre os quais avultam Joaquim Nabuco, Graciliano Ramos, Gilberto Amado e Pedro Nava, todos de boa fatura literária, tanto pelo estilo como pelo conteúdo. Eram autores que tinham o que contar, e principalmente sabiam contar. Sempre nutri certa preconceito ou prevenção contra diário, porque achava que eles seriam um mero depósito de vaidades pessoais e de “abobrinhas”, e desabafos sem importância literária e vazios de conteúdo. E em muitos casos eles são apenas isso mesmo.

 

Ao ler os Diários Completos de Josué Montello, contudo, percebi que esse gênero pode constituir-se em trabalho do mais alto significado, pois pode conter crítica literária, resenha de livros, comentários a fatos históricos, experiências de vida, assim como podem abrigar excelentes narrativas anedóticas ou trágicas, sendo que certos registros valem por verdadeiros contos ou crônicas.

 

Tanto Montello como Humberto de Campos fazem referências a notáveis diaristas, mestres da literatura universal. E os diários de ambos são belos exemplos de esmerada literatura, que nos “agarram”, assim como nos atrai e segura um bom conto ou um bom romance, para não falar em um excelente poema.