Mário Faustino e as vanguardas de 1950

 

Carlos Evandro M. Eulálio
A situação do poeta Mário Faustino, no quadro literário brasileiro, à época de nossas vanguardas, na década de 1950, é um tema recorrente nos estudos que se fazem sobre o poeta. Por essa razão, reunimos neste artigo opiniões de críticos contemporâneos dos principais movimentos daquele período, procurando em seguida tirar algumas conclusões desses depoimentos.    
José Guilherme Merquior (1), no ensaio Musa Morena Moça: Notas sobre a Nova PoesiaBrasileira, chama-nos a atenção para a existência da nova poesia no Brasil dos anos [19]50, ao afirmar que essa poesia em nada se identifica com a produção dos grandes poetas modernistas, como Drummond, Murilo Mendes, Henriqueta Lisboa ou João Cabral, como também se distancia dos grupos ditos de vanguarda (concretos, neo-concretos, práxis, poema processo). São para Merquior vozes surgidas após o “malsinado neoparnaso de [19]45”, atuando em faixa própria durante o mesmo período das vanguardas. Nessa produção, Merquior distingue três modalidades estilísticas:
I - Um estilo novo, moderado, aparecido no meio dos anos [19]50, em que se sobressaem Otávio Moura, Olga Savary, Maria Ângela Alvim, Fernando Mendes Viana, Nauro Machado;
II - Um estilo novo, mais radical, (mais próximo das técnicas expressionais do modernismo de ponta, brasileiro e ocidental), também emergente nos anos [19]50, por volta da sexta década, representado por Ferreira Gullar, Mário Faustino e Mário Chamie;
III - Finalmente a múltipla poesia da Geração [19]60 de Bruno Tolentino, Carlos Nejar, Roberto Schwarz, Armindo Trevisan e outros, cada qual analisados com base em suas peculiaridades.
Os poetas da Nova Poesia são, portanto, estudados por Merquior à luz das seguintes dicotomias: dicção pura versus dicção mesclada; estilo simbólico versus estilo alegórico; ânimo de celebração versus de conhecimento e/ou denúncia, (não necessariamente de acusação).
Com base nesse estudo, Merquior distingue Mário Faustino como detentor de um estilo novo mais radical, mas de forma bem sui generis, pois da linguagem de O Homem e sua Hora é ausente a dicção mesclada que, nos termos de Erich Auerbach, citado pelo autor, supõe a mistura de tom sério, de visão problematizante, com temas e expressões vulgares. Assim, a poesia de Mário Faustino articula-se no espaço lírico greco-poundiano, em que o tecido mítico-simbólico sobrepuja qualquer impulso alegórico e polissêmico. O crítico conclui afirmando que o contato de Mário Faustino com as vanguardas de [19]50 o tornaram menos conservador no modo de figuração e na intenção lírica. Situa finalmente a poesia de Faustino na confluência de Jorge de Lima com Ezra Pound.
NaAntologia dos Poetas Brasileiros, Walmir Ayala (2) também situa Mário Faustino no grupo de poetas surgidos depois da já codificada geração de [19]45, antes das febris experiências dos movimentos de vanguarda. A poesia de Faustino seria então marcado por um lirismo metafísico, receptivo aos experimentos concretistas e absolutamente autônomo na resolução de uma experiência pessoal, dentro de uma evolução nitidamente linear.
Para Ayala, os poetas dessa nova geração emergem de um grupo sem manifestos, sem ismos e planos-piloto, mas atentos aos laboratórios contemporâneos de uma vanguarda ostensiva e ambiciosa. Além de Mário Faustino, Ayala, que também se inclui nesse grupo, cita outros poetas como Homero Homem, Ferreira Gullar, Alberto Costa e Silva e Marly de Oliveira.
Assis Brasil (3), identifica Mário Faustino como pertencente ao grupo de bons poetas que se situam entre a geração pós-modernista de [19]45 e as experiências de vanguarda, buscando novos padrões de linguagem, na tradição mais rica de Mallarmé e Pound, tendo como modelos os nossos melhores poetas modernos: Jorge de Lima, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto. Com Mário Faustino são arrolados poetas já citados por Walmir Ayala e outros como Afonso Romano de Sant’Anna e Carlos Nejar, todos na linha da tradição da imagem, enriquecida pelas influências benéficas das experiências mais radicais da época.
Alfredo Bosi (4), na História Concisa da Literatura Brasileira, também situa Faustino entre os que tomaram uma direção bem diversa dos poetas da geração de [19]45. Ao contrário destes, aqueles, segundo o crítico, desenvolvem traços estilísticos que podem ser entendidos mais precisamente como:
a) procura de mensagens (motivo, temas) que façam do texto um testemunho crítico da realidade social, moral e política;
b) procura de códigos que, rejeitando a tradição do verso, façam do poema um objeto de linguagem integrável, se possível, na estrutura perceptiva das comunicações de massa, medula da vida contemporânea.
Bosi distingue Mário Faustino como poeta que antecipou e promoveu a experiência concretista e, ao citar Benedito Nunes, que reconhece o poeta como “mestre nas formas tradicionais e inventor de linguagens novas”, segue essa mesma linha de raciocínio, quando assim se refere ao poema longo, biográfico e cósmico inscrito no projeto existencial e estético de Faustino: “embora valendo-se dos recursos da sintaxe ideogrâmica, não perde de vista as riquezas ainda exploráveis da sintaxe linear.” (BOSI, 1982, p.530)
Sebastião Uchoa Leite (5) reconhece que a poesia pós-1945 apresenta um panorama dos mais confusos na literatura brasileira, pois há um sem-número de posições, e no decênio 1950 a 1960 é quase impossível catalogá-las. Referindo-se no entanto ao poeta Mário Faustino, a este dá destaque, por ter demonstrado no seu livro O homem e sua Hora “uma busca ansiada por uma revalorização da linguagem poética, a fim de transpô-la a um círculo mais vital de pensamento.” (LEITE, 1966, p.86).  
Apesar das várias opiniões que intentam definir o estilo de Faustino e em meio às diversas linhas poéticas pós-[19]45, concluímos, pelas análises mencionadas, que o poeta ocupou na realidade uma posição ímpar no cenário poético brasileiro, sobretudo na década de 1950, que representa entre nós, depois de 1922, o período revolucionário de maior significação.
É evidente que o processo mais acelerado de industrialização e as transformações político-sociais, em meio à euforia cultural após o Estado Novo, favoreceram o irromper de vanguardas, pelas quais se manifestaram no Brasil novas formas de expressão poética. E, sem dúvida, o Concretismo foi a mais importante de todas, pois retomaria o diálogo com a corrente oswaldiana de [19]22, ao lançar uma poesia antagônica aos moldes tradicionais, explorando as potencialidades do signo, mediante emprego de processos mais inventivos de criação. 
Sobre o Concretismo, Mário Faustino declarou: “a experiência concretista, na melhor das hipóteses, poderá salvar a poesia brasileira do marasmo discursivo-sentimental em que se encontra [...], provendo nossa linguagem poética de novos campos de ação perceptivos e expressivos.” (FAUSTINO, 1964, p.82)
Como um grande aliado dos poetas concretistas, em muito contribuiu para que a poesia brasileira mantivesse acesa a chama da invenção e desse um passo decisivo em busca da forma literária portadora de uma linguagem mais reflexiva e atenta às múltiplas e complexas aparências da vida moderna, mas sem abdicar do verso, conforme suas palavras: “Há, por toda parte, uma crise do verso, mas que, em toda parte ainda se faz, e pode-se fazer melhor ainda bom verso. A tradição continua, retifica-se e continua, não se perde um bom instrumento só porque outro foi inventado, ou se está inventando, sobretudo se ainda não está provada a maior eficiência do mais novo em relação ao mais velho.” (6)
Mário Faustino, por sua formação poundiana de crítico, exerceu importante papel em nosso meio, com relação ao Concretismo, não só como entusiasta de um novo movimento literário, mas também como poeta interessado em elevar o nível de qualidade da produção poética brasileira.
Em síntese, diríamos que o poeta de “O Homem e sua Hora” surgiria da confluência de duas correntes estéticas bem definidas quanto aos propósitos criativos, emergentes das várias tendências que se formaram após a realização da Semana de Arte Moderna: a formal neo-simbolista, inclinada aos apelos da linguagem que caracteriza a chamada geração de [19]45 e a experimentalista da década de [19]50.  
A primeira reunia poetas que, embora se dizendo empenhados no processo inovador, não deixaram de pagar tributo à medida velha, isto é, não se desligaram formalmente do código parnasiano-simbolista. Os poetas da geração de 1945 orientaram-se pelo intelectualismo estético, sem criar uma poesia evolutiva que conduzisse a novos achados, a exceção, é claro, de João Cabral de Melo Neto, responsável por uma produção isolada, reconhecida como a mais importante dessa geração,
A segunda, de inspiração mallarmaica, nutrida principalmente com os veios da proposta oswaldiana, encontrano Concretismo sua mais alta expressão. Com esse movimento, alinhado à crise da linguagem e ao advento da civilização tecnológica, a poesia brasileira retoma o diálogo com os princípios de [19]22 e instaura no país um estilo identificado com o nosso tempo, isto é, com a civilização técnica, alterando profundamente o contexto literário brasileiro.
Mário Faustino, movido certamente pelo desejo de apreender as ressonâncias das múltiplas e complexas aparências da vida moderna, a exemplo de João Cabral e de outros mais, estaria entre os poetas que nos primeiros anos da década de [19]50 reconheceriam a existência da crise do verso e da linguagem poética. Por essa razão, os poemas de sua primeira fase literária, predominantemente metalingüísticos, como Prefácio, Mensagem, Brasão e outros, bem atestam a preocupação de engajar-se numa luta de resistência em prol da renovação poética, embora com a preservação do verso, acreditando na possibilidade de se fazer com ele ainda uma boa poesia.
A crença na reconstrução da poesia brasileira alimentava-se no propósito de desenvolver um trabalho de produção, aliado aos esforços da vanguarda, no sentido de enriquecer nossa tradição poética criticando, ensinando, discutindo, traduzindo.
A exemplo da proposta mallarmaica, Faustino elege como tema frequente de seus poemas o impasse do ato criador, questionando então o fazer poético e o poeta. Desse questionamento, assoma o perfil de um poeta-crítico consciente da necessidade de ampliar o universo criador e inventivo da poesia brasileira contemporânea.
 
REFERÊNCIAS
1 - MERQUIOR, José Guilherme. Musa morena moça: notas sobre a nova poesia brasileira in O fantasma romântico e outros ensaios. Rio de Janeiro : Vozes, 1980, p.135
 
2 – AYALA, Walmir. Poesia agora & vanguardas. In BANDEIRA, Manuel e AYALA, Walmir. (orgs) Antologia dos poetas brasileiros: poesia da fase moderna, v.2. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1996, p. 129-222.
 
3. BRASIL, Assis. A nova literatura II poesia. Rio de Janeiro : Americana; Brasília : INL, 1975. 
 
4. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo : Cultrix, 1982
 
5. LEITE, Sebastião Uchoa. Participação da palavra poética. Petrópolis : Vozes, 1966, p. 86.
 
6. FAUSTINO, Mário. Poesia-Experiência. São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 276.