“Love The Beatles”
Por Bráulio Tavares Em: 07/08/2006, às 21H00
Toda a imprensa brasileira está noticiando e celebrando a chegada ao país do Cirque du Soleil, com seu espetáculo “Saltimbanco”, que ficará em cartaz no Rio e São Paulo. Deve ser um espetáculo brilhante, a julgar por tudo que já vi do grupo na TV, nos últimos dez anos. Mas o que eu pagaria qualquer preço para ver não é esse espetáculo (o Cirque tem um repertório permanente de vários espetáculos, encenados por vários grupos simultaneamente). É o que está em cartaz no hotel The Mirage, de Las Vegas, intitulado “Love the Beatles” (assistam o trailer em: http://www.cirquedusoleil.com/CirqueDuSoleil/fr/showstickets/love/intro/intro.htm)
A obra dos Beatles parece aquelas bolsas mágicas que aparecem nos folhetos de cordel, nas quais basta meter a mão para tirar punhados e mais punhados de um dinheiro inesgotável. “Love” é o resultado mais recente desta magia. O espetáculo ocorre num espaço com 360 graus: o público fica no centro, rodeado por projeções em telas panorâmicas e pelos atores-acrobatas que encarnam personagens das canções dos Beatles. A trilha sonora é a experiência mais radical: Sir George Martin e seu filho Giles utilizaram as fitas originais dos discos do quarteto, remixando instrumentos e vozes numa colagem de sons que (segundo a imprensa) é de deixar zonzo qualquer beatlemaníaco. (E hoje os beatlemaníacos são muito mais numerosos do que quando os Beatles existiam).
O projeto surgiu da amizade entre George Harrison e o fundador do Cirque du Soleil, Guy Laliberté, e foi aprovado pela viúva de George, Olivia, bem como por Yoko Ono, Paul MacCartney e Ringo Starr. Dan Cairns, jornalista do “Sunday Times”, assim escreveu depois de ver um ensaio: “As harmonias vocais de ‘Because’ enchem o salão, misturadas ao canto de pássaros. Segue-se um ruído surdo e crescente, ao fim do qual ressoa o acorde inicial de ‘A Hard Day’s Night’; segundos depois, surge o crescendo da orquestra em ‘A Day In The Life’ mesclado com o solo de bateria de Ringo no final de ‘Abbey Road’, e tudo termina com a entrada do riff de guitarra de ‘Get Back’, tendo ao fundo a vibração da multidão de ‘Sergeant Pepper’”.
Esse tipo de coisa poderia resultar num samba-do-crioulo-doido, se eu não tivesse confiança total em George Martin, cujo bom-gosto e solidez musical teve um papel decisivo na carreira dos rapazes. Martin diz que na preparação de “Love” tanto MacCartney quanto Ringo o incentivaram a ousar mais, inventar mais. A colcha-de-retalhos musical traz ao palco os personagens das canções que todo mundo conhece: Lady Madonna, o Submarino Amarelo, o Homem Ovo, Lovely Rita, Lucy-in-the-Sky. Além da canção mais circense do grupo, “Being for the Benefit of Mr. Kite”, a interface perfeita entre a antologia sonora em que a música dos Beatles se transformou a partir de 1966 e o universo dos picadeiros e trapézios. Quem quiser torça o nariz, mas no dia em que esse espetáculo vier ao Brasil eu vou acampar na porta do guichê