LEITURA NA SEMANA SANTA
Por Washington Ramos Em: 20/04/2025, às 19H33
[WASHINGTON RAMOS]
Muitos viajam na Semana Santa anualmente. Neste 2025, este feriadão foi aumentado porque o 21 de abril caiu na segunda-feira imediatamente posterior ao Domingo da Ressurreição. São cinco dias de folga.
Eu também aproveitei esses cinco dias, não para viajar e muito menos para ir farrear, mas para ler o romance Malhadinha, de José Expedito Rego, escritor piauiense nascido em Oeiras e falecido em Floriano.
Gostei muito da leitura dessa narrativa, inclusive a partir do título que é o nome de uma fazenda onde se passa grande parte da ação romanesca. Mas não é descartável que, além de seu significado literal (lugar onde se bate a palha para separá-la do alimento, ou lugar onde o gado fica), malhadinha pode ser também sinônimo de trama, enredo. Podemos apreciar, portanto, os três significados subjacentes no título desse romance, o que é admirável. Além disso, é uma imagem bacana o fato de uma personagem malhar o arroz num pilão e, ao mesmo tempo, ficar refletindo sobre as desigualdades sociais, querendo saber por que há ricos e pobres, por que há algumas pessoas com muita terra, outras sem terra nenhuma. O arroz que se separa da casca é branco, e ela, a personagem, é preta. Consiste isso numa das mais criativas imagens que já li sobre desigualdades sociais. É uma alegoria e tanto.
Outro aspecto interessante no texto é a caracterização das personagens. Temos o médico humanista, que atende os pobres sem nada lhes cobrar e ainda lhes dá remédios que ele mesmo manipula; que retira uma mendiga de um incêndio e a leva para casa e tenta salvá-la. Temos a linda Raquel que vai tomar banho no riacho da Mocha com amigas, todas literalmente nuas, assemelhando-se a ninfas. Essa mesma Raquel que não consegue livrar-se do sentimento de culpa por estar sendo a amante do médico humanista, que é casado, mas não vive mais maritalmente com a esposa, pois esta enlouqueceu. Temos a matrona altamente religiosa e conservadora que não admite nenhum comportamento fora dos padrões católicos. Temos o rapaz bonito e inteligente que decidiu se tornar padre depois que sua belíssima e muito amada noiva faleceu. Torna-se um sacerdote e evita a muito tentadora presença de uma jovem linda que tenta conquistá-lo, para seguir fielmente seu juramento ao celibato. Há ainda várias outras personagens bem construídas também, mas que não serão citadas aqui.
Ganha destaque também nesse bom romance a informação histórica segundo a qual a lei do casamento civil, instituída com a Proclamação da República, foi criada pelo político piauiense Coelho Rodrigues. A referência a essa lei ocorre numa interessante discussão sobre direitos da mulher, sobre religiosidade e avanços sociais, porém é feito esse debate bem distante da matrona conservadora.
Uma pergunta que me ficou após a leitura desse romance é se o médico humanista que atua bastante no livro é o alter ego do autor, que era médico também.
Finalmente, para não cansar meus poucos leitores, destaco ainda que Malhadinha é um romance sem desfecho, uma narrativa aberta. Cabe ao leitor imaginar o que vai acontecer com algumas personagens cujas vidas continuam em aberto. É um livro de grande valor estético e humanístico. Recomendo-o a todo mundo.