HISTÓRIA & ESTÓRIA
Por Elmar Carvalho Em: 03/01/2011, às 16H14
Elmar Carvalho
Estive conversando com o historiador e empresário Vicente Miranda. É quase um sósia de seu parente, o cantor e compositor Belchior, que andou sumido por um bom tempo, ao que parece embebido em meditações e reflexões místicas e artísticas nas altitudes dos Andes. Vicente empreendeu um rigoroso trabalho de pesquisa sobre a história de sua família, de que resultou um notável livro de várias dezenas de páginas. Foi um empreendimento que lhe custou muito tempo, esforço, dedicação, despesas e uma disciplina verdadeiramente espartana. Isso porque as fontes estavam espalhadas em diferentes municípios do Piauí e do Ceará. Tendo o nosso estado sido vinculado, em diferentes épocas, administrativa, eclesiasticamente e/ou judicialmente ao Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia, alguns documentos e outras fontes de pesquisas somente poderão ser encontrados nessas unidades federadas. No seu entendimento, as fontes são muitas, o que falta é ânimo ou condições outras de o pesquisador realizar o seu trabalho. É sabido que historiadores da estirpe de Odilon Nunes e monsenhor Chaves gastaram muito de seu tempo em paciente trabalho de pesquisa em arquivo público, para que pudessem trazer novidades à História do Piauí, bem como para desfazer equívocos e dirimir dúvidas. Isso exige disciplina, dedicação, esforço, paciência e tempo. Mesmo em casos polêmicos, como o da datação da igreja do povoado Frecheiras, no município de Cocal, Vicente Miranda não faz a sua interpretação de forma apaixonada, baseada apenas no subjetivismo do desejo pessoal, mas analisa o contexto histórico da região e da época, além de fazer o cotejo com documentos correlatos ou afins, para elaborar a sua tese, com o uso da lógica e do bom-senso, e não no afã de descobrir supostos pioneirismos. Busca a verdade, e não o ufanismo “patriótico”, que chega ao ponto de distorcer a verdade ou de fabricar forçadas e esdrúxulas interpretações, sem respaldo em provas consistentes, irrefutáveis.
Para escapar ao cansativo, silencioso e solitário trabalho de pesquisa, muitos pretensos historiadores fazem apenas uma obra de divulgação; escrevem livros que apenas repetem o que os grandes pesquisadores e historiadores já escreveram. Ou seja, apenas chovem no molhado, apenas pisam no já repisado. Não lhes tiro o mérito da divulgação; apenas digo que nada estão criando, que não trazem novidades. Portanto, não espancam dúvidas e nem extirpam os erros e equívocos, acasos existentes. Outros, querendo ser modernos e de ideias avançadas, apenas se comprazem em atacar figuras históricas, em cega iconoclastia, sem fazer a devida contextualização de época, levando na devida conta os costumes, a moral, as leis, a ética, as crenças e as crendices dos tempos idos. Ainda outros, em suas monografias, ensaios e dissertações, reduzem a temática e usam um corte cronológico em que haja mais fontes e mais bibliografia, o que lhes facilita sobremaneira o trabalho de pesquisa, que quase fica restrita a simples leitura de obras já publicadas. Outros vão além, e adotando certas teorias atuais da historiografia, pretendem fazer obra historiográfica através de simples especulações, conjecturas e ilações baseadas em obras de arte, como pinturas, artesanatos e esculturas. Creio que estes farão apenas ensaio especulativo, interpretativo e subjetivo. Acredito que o trabalho de um verdadeiro historiador há de ser objetivo, calcado na verdade trazida por provas, em que haja, pelo menos, um grau razoável de certeza, e não mera suposição interpretativa, fundamentada em frágeis indícios. Finalmente, alguns enveredam pela história imediata ou pela história do cotidiano, mas aí já é outra história.
Vicente Miranda para escrever a longa história de sua família esteve em diferentes paragens e estados; visitou cemitérios campestres, arquivos públicos, acervos documentais de cartórios, igrejas e delegacias de polícia. Em Piracuruca, para poder consultar antigos processos judiciais, teve que ficar entre o forro e o teto da serventia, pois era ali que dormiam os velhos autos. Em Barras, os velhos feitos estavam quase se desmaterializando, o que requeria cuidado e atenção especiais; tanto que um soldado de polícia, que lhe presenciou o manuseio desses documentos, exclamou que os carcomidos papéis não aguentariam “outro reboliço” daqueles. Por tal razão, esse historiador entende que esses processos deveriam ser transferidos para o arquivo público estadual, que poderia executar um melhor serviço de guarda e conservação, sobretudo agora em que o Poder Judiciário marcha de forma firme e irreversível para a virtualização do processo, em que haverá, certamente, economia de tempo, espaço e de meios físicos, como papéis, grampos, plásticos, depósitos e outros materiais; em que as petições e as comunicações poderão ser enviadas através da internet. Além do mais, isso facilitaria a vida dos pesquisadores, historiadores e simples consulentes, pois os documentos ficariam concentrados na capital, sob a responsabilidade de um único orgão especializado no serviço. Disse-lhe que, quando tivesse oportunidade, abordaria esse assunto junto ao desembargador Edvaldo Moura, presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, que é um intelectual e escritor, tendo presidido a Academia de Picos por vários anos, quando lá serviu como juiz de Direito.