Globalização em grupos hegemônicos
Por Cunha e Silva Filho Em: 27/08/2012, às 09H18
Cunha e Silva Filho
Acabou-se, pelo que se tem visto, a era dos tempos da Guerra Fria, no jogo duplo desconfiado e ardiloso de parte a parte entre democracia e comunismo. Os dois países líderes formados dos Estados Unidos e da Rússia, bem ou mal, continham os ânimos belicistas recíprocos, evitando o final indesejável da destruição apocalíptica. Hoje, a história da História é bem outra. Há a ONU, a OTAN, o MERCOSUL e o MNA (Movimentos do Países Não Alinhados (este último surgiu do desejo de contribuir para fazer o “contrapeso” entre os três primeiros.
Em síntese, há uma multipolaridade de alcance maior, que se prepara para o enfrentamento, por ora, pacífico, entre o Ocidente e o Oriente. A geopolítica global do Oriente está mais atenta e mais consciente, cujo exemplo maior foi a “Primavera Árabe, a qual já cede em alguns pontos comuns a visões provenientes dos países do Ocidente, como constituição de países-membros, países-observadores, incluindo o Brasil, organizações internacionais, como a ONU e a Liga Árabe. O MNA tem suas lideranças de cúpulas alternadas de três em três anos. Outra novidade, na Agenda do mencionado MNA, os temas a serem debatidos nesta 16ª Cúpula que terá como sede Teerã, o qual, desta forma, sai do seu isolamento: a) conflito na Síria; b) não proliferação nuclear; c)governança global; desenvolvimento.O Irã desta vez substitui o Egito na presidência do MNA. Os países que estarão presentes a Cúpula têm multiplicidade de visões políticas em muitos aspectos fortemente divergentes do Irã.
Tal reviravolta moderna não deixa de ser auspiciosa para os destinos da paz mundial e para o incremento do diálogo entre países que, de um lado e de outro, ainda se sentem mutuamente hostilizados. Neste caso, não é de se desprezar o peso desse acontecimento agora, já que o MNA era reputado pelos especialistas em política internacional como algo superado e sem nenhuma expressão no tocante a decisões e mudanças de rumos na diplomacia mundial .O MNA foi fundado em 1961 e seu objetivo principal era ter uma posição neutra tanto com o bloco capitalista quanto com o soviético na época da Guerra Fria.
A 16 ª Cúpula acontecerá de 26 a 31 de agosto e, como tal, esperamos que novos e proveitosos desdobramentos possam advir das conclusões dos debates e da aprovação de algum Documento a ser apresentado.
O mundo mudou, está mudando e, apesar da tragédia da Síria, que, infelizmente, conta com o apoio do Irã, da Rússia, da China, no que perde prestígio para os países democráticos, aguardemos algum sinal de esperança para o nosso já conturbado planeta. É de se assinalar que o próprio Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon estará nessa Cúpula, não se deixando se submeter, conforme declarações da sucinta e excelente reportagem de Samy Adhirni ( “Irã busca romper seu isolamento em cúpula do 3º Mundo”, Folha de São Paulo, 26/08/2012) aos apelos autoritários dos EUA e de Israel.
Não endosso nem as pretensões belicistas que por muito tempo têm caracterizado os governos americanos, nem tampouco sou favorável às ideias estapafúrdias de Mahmoud Ahmadinejad de, publicamente, declarar sua vontade de ver Israel apagado do mapa mundial. Entretanto, sou firmemente contra a sua adesão a um dos mais tirânicos governos ditatoriais contemporâneos, como é exemplo a Síria de Bashar al-Assad.
Não é possível que o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenel, não se sinta, por princípios religiosos e humanitários, constrangido com o massacre genocida do ditador Sírio, para quem vidas humana valem nada.Ora, ao rebaixar o valor do ser humano a algo imprestável, não está mais do que afirmando uma espécie de ódio e desprezo contra si mesmo. Se, entretanto, seu governo se pautasse por poder institucional que fizesse seu povo feliz, livre e democrático, ainda que internamente dividido por grupos dissidentes(sunitas, aulitas) ainda assim seria possível procurar uma governança que pudesse conviver com relativa harmonia e, procurando valer-se da sabedoria política, conquanto maquiavelicamente, ensejar também espaço de poder político a grupos de oposição, desde que sem o recurso espúrio da tirania, da corrupção e do enriquecimento ilícito monopolista e imperial. Um líder político tem que saber que, em tempos atuais, só se governa melhor pela abertura a sistemas de conquista do poder pelo sufrágio do voto, pelo diálogo político sem intransigências descabidas. Não há outro caminho para o trato político a não ser que esteja desejando cavar para si mesmo o fim trágico reservado a autocratas.
De qualquer forma, vejo com bons olhos o empenho iraniano de se abrir a outros países, democráticos e até não democráticos a fim de encontrarem novos caminhos e perspectivas para livrarem o mundo da bipolaridade. O Brasil será representado nessa Cúpula e dele aguardamos posições mais nítidas sobre questões que afetam a vida de milhares ou milhões de pessoas. A Síria é um desses temas que não podem ser discutidos só pelo prisma ideológico e econômico.
A dimensão humanitária, a defesa da preservação das vidas são fatores determinantes que não podem ser descartadas por todos os países que da Cúpula participarão. O Brasil, mais uma vez, reafirmo, deve estar à altura de sua contribuição para a paz mundial. Não custa nada aqui citarmos as palavras finais de Marcelo Coutinho, um jovem professor de relações internacionais da UFRJ que, em recente artigo vigoroso e abrangente sobre o papel da “Primavera Árabe” e sobre a tibieza que o Brasil diplomaticamente tem demonstrado no cenário internacional (Folha de São Paulo, Tendências/Debates “Primavera Árabe e inverno no Itamaraty, 26/08/2012), faz o seguinte alerta: “O Itamaraty tropeçou demais. Daqui a cem anos, os livros de história vão falar dos eventos que mudaram uma parte central do mundo. O Brasil vai aparecer em uma nota de roda pé do lado errado dessas transformações.”