GISELDA MEDEIROS
GISELDA MEDEIROS

OS OLHOS DE GENTE GRANDE

E O RITO SECRETO DAS VASTIDÕES

 

 

Por Diego Mendes Sousa

 

 

Giselda Medeiros é uma vocacionada poetisa que escuta o chamado da noite e delira. Seduz o seu leitor com A linguagem dos caminhos. O precioso idioma de Giselda Medeiros se arvora em cantos, canções, cantigas, trovas, versos e epigramas, a transbordar os seus códigos prediletos: solidão, saudade, estrela, mar, fantasmas e outras palavras suicidas.

Mas, por que afogaram a palavra? Essa indagação da autora nos assalta ferozmente. O corpo náufrago do símbolo linguístico é a poderosa representação da grande Poesia. É a voz de Giselda Medeiros a imprimir o seu lirismo mais profundo e comovente.

De repente, somos arremessados nas sendas secretas do Tempo. A poesia de Giselda Medeiros enlaça a repetição salomônica de emocionar através da pureza e da certeza da entrega: vem com teu hálito de Eros, / com o espelho de Narciso, / onde eu possa ver a minha face, / que não é mais minha.

Criteriosa, noturna e acesa aos vidrilhos da verdadeira Poesia, Giselda Medeiros pervaga, em ronda incansável, pelo seu destino de feitora do belo, pelas vagas empáticas e pela flâmula do eterno, com imersões extraordinárias na inteligência e, sobretudo, na sensibilidade das imagens:

 

Extrair do desespero o néctar

e abrir um imenso girassol na chuva.

 

Para Saint-John Perse, só existe história da alma. Giselda Medeiros faz aqui a abertura invulgar do intenso sol que ilumina a sua casa interior, a nos ofertar elementos primevos da sua estelar existência: o cheiro da infância lhe molhava / os olhos de gente grande, / perdida de si.

A linguagem dos caminhos, de Giselda Medeiros, convoca-nos ao drama humano, à miséria do ser e do não ser. Deságua com ardência na força subterrânea que provoca o instinto e o silêncio das cousas, também no Amor em seio de destempo e na febre dos sonhos em litania triste:

 

É longa a hora do adeus...
E a vida é tão breve!

 

A poética de Giselda Medeiros é o próprio ritual da vida, cercada pela sombra da morte. Octavio Paz, em O Arco e a Lira, afirma que o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo. Giselda Medeiros abisma o signo verbal em refinada transparência, em linguagem metafísica e sonora: perscruto o horizonte, infinito, / diante de minha pequenez humana.

Esse horizonte é a linguagem, é ainda o caminho que Giselda Medeiros indica com imensa claridade e naturalidade: Inóspito é o caminho, / fere-me os pés, / contudo vou sangrando como as insones madrugadas...

A sublime poetisa que habita em Giselda Medeiros, com talento e brilhantismo, toca-nos o coração e cativa-nos a alma. Seus poemas possuem deleite estético, fertilizados pelo estilo plástico e musical. Nesta obra, há um poema intitulado Poesia e Emoção, logo no preâmbulo, que muito bem sublinha o tom de universalidade do seu estro.

Diz Giselda Medeiros em outro arroubo de espanto:

 

         Um salva-vidas 
         expõe aflito 
         a palavra afogada...

 

Eis a palavra novamente submersa, embargada na sua origem, a querer caminhos, a buscar a essência da linguagem, banhada em encanto e em exaltação. À mercê apenas das luzes do sentimento e do território anímico de uma poetisa autêntica, onírica e agônica.

Da dicção de Giselda Medeiros guardamos a delicadeza dos seus gestos internos, como se a linguagem flutuasse atemporal pelo sidéreo que mora no ritmo agudo das suas palavras mais criativas e sinceras: Não houve mais diálogo. Silêncio... E depois tudo se acendeu.

Ser poeta é dar eternidade ao efêmero. A galope, em A linguagem dos caminhos, somos transportados involuntariamente para o desafogo das nossas dores e das nossas angústias, pois a mão da ascese eleva e disciplina o itinerário desde a partida: viagem, grito, rastro, motivo e plenitude. Vou, com meu farnel de Poesia, de Sonho / e nada mais.

A inspiração lírica de Giselda Medeiros é alegorizante, metafórica e circular, o que guarnece qualidade e certeza na totalidade da sua Arte. Calamo-nos diante das vastidões, quando só a magia da palavra em si mesma diz e revela. É a ressurreição dos múltiplos ritos secretos que a diáfana Poesia desterra.

 

Ensaio de Diego Mendes Sousa sobre o livro de poemas "A linguagem dos caminhos" (2024), de Giselda Medeiros.

 

 

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PLENITUDE                

 

 

Vem, amado meu,

com o perfume das primaveras!

Vem, com o brilho daquela estrela

que, tão dócil, corteja a lua em seu pervagar!

 

Vem, amado meu,

com essas mãos afeitas às carícias!

Será doce o nosso caminhar...

 

Vem, que a madrugada geme amores

e inunda nosso chão de aljôfar!

 

Vem, amado meu,

enquanto o vento cantarola, ainda,

Clássicos de Chopin

e faz volteios sobre nossos corpos

envoltos no silêncio,

porcelana azul de antigas solidões!

 

Vem!

O dia se anuncia com seu cortejo de amor...

Este dia é nosso,

e quando, amado meu, estamos juntos,

somos, tão-somente, eternidade.

Vem!

 

 

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POEMA DA NOITE      

 

 

É longa a hora do adeus...
E a vida é tão breve!


Sonho pétalas em ritmo de versos.
Mas as noites existem,
escuras e tristes,
a fecundar adeuses 
no ventre dos amantes.

Ouço o bulir de fantasmas
preparando gestos de colheita.
E a rosa que vai abrir sua corola
já não lhe reconhece as raízes.

Contudo toma em todo o tempo que tiveres
tuas mãos pródigas de plantio
e semeia rosas de amor no peito da noite.

Um girassol nascerá na manhã de teu carinho,
e o calor de teus braços fará girar suas pétalas
de amor.
Aí, no espaço aflito da noite,
orquestrarão sonatas
nas longas horas
de adeus.

 

 

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SEM RESPOSTAS                   

 

 

Dize-me, ó fantasma do Tempo,

onde guardaram a alegria do meu sorriso?

onde puseram meus sapatinhos de cristal?

Em que galáxia esconderam

a virgindade dos meus sonhos pueris,

que eu trancara na minha caixa de Pandora?

 

Oh, dize-me, fantasma do Tempo,

em que infinito mergulharam

o colorido álacre do meu arco-íris,

que acendia os olhos da estrela do mar?

 

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POEMA INACABADO             

 


No azul noturno do mar,
estremeceu a polpa da maçã,
mordida
na ponta do anzol.

A sede das estrelas 
pousou no pulsar do ventre da noite
lavrada de sombras e de silêncios suicidas.

Um salva-vidas 
expõe aflito 
a palavra afogada...

Mas, por que afogaram a palavra?

 

 

Poemas de Giselda Medeiros (1939-), escritora e membro da Academia Cearense de Letras (ACL).

 

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OBRAS PUBLICADAS POR GISELDA MEDEIROS:

 

  • Alma Liberta, (1986),
  • Transparências, (1989),
  • Cantos Circunstanciais, (1996),
  • Tempo das Esperas, (2000),
  • Sob Eros e Thanatos, (2002),
  • Crítica Reunida, (2007),
  • Ânfora de Sol, (2010),
  • Caminho de Sol, (2015), - em parceria com Ana Paula de Medeiros Ribeiro.
  • A linguagem dos caminhos (2024) - prefácio de Diego Mendes Sousa.