GISELDA MEDEIROS - A POETISA DE "A LINGUAGEM DOS CAMINHOS" (2024)
Por Diego Mendes Sousa Em: 27/09/2024, às 19H50
OS OLHOS DE GENTE GRANDE
E O RITO SECRETO DAS VASTIDÕES
Por Diego Mendes Sousa
Giselda Medeiros é uma vocacionada poetisa que escuta o chamado da noite e delira. Seduz o seu leitor com A linguagem dos caminhos. O precioso idioma de Giselda Medeiros se arvora em cantos, canções, cantigas, trovas, versos e epigramas, a transbordar os seus códigos prediletos: solidão, saudade, estrela, mar, fantasmas e outras palavras suicidas.
Mas, por que afogaram a palavra? Essa indagação da autora nos assalta ferozmente. O corpo náufrago do símbolo linguístico é a poderosa representação da grande Poesia. É a voz de Giselda Medeiros a imprimir o seu lirismo mais profundo e comovente.
De repente, somos arremessados nas sendas secretas do Tempo. A poesia de Giselda Medeiros enlaça a repetição salomônica de emocionar através da pureza e da certeza da entrega: vem com teu hálito de Eros, / com o espelho de Narciso, / onde eu possa ver a minha face, / que não é mais minha.
Criteriosa, noturna e acesa aos vidrilhos da verdadeira Poesia, Giselda Medeiros pervaga, em ronda incansável, pelo seu destino de feitora do belo, pelas vagas empáticas e pela flâmula do eterno, com imersões extraordinárias na inteligência e, sobretudo, na sensibilidade das imagens:
Extrair do desespero o néctar
e abrir um imenso girassol na chuva.
Para Saint-John Perse, só existe história da alma. Giselda Medeiros faz aqui a abertura invulgar do intenso sol que ilumina a sua casa interior, a nos ofertar elementos primevos da sua estelar existência: o cheiro da infância lhe molhava / os olhos de gente grande, / perdida de si.
A linguagem dos caminhos, de Giselda Medeiros, convoca-nos ao drama humano, à miséria do ser e do não ser. Deságua com ardência na força subterrânea que provoca o instinto e o silêncio das cousas, também no Amor em seio de destempo e na febre dos sonhos em litania triste:
É longa a hora do adeus...
E a vida é tão breve!
A poética de Giselda Medeiros é o próprio ritual da vida, cercada pela sombra da morte. Octavio Paz, em O Arco e a Lira, afirma que o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo. Giselda Medeiros abisma o signo verbal em refinada transparência, em linguagem metafísica e sonora: perscruto o horizonte, infinito, / diante de minha pequenez humana.
Esse horizonte é a linguagem, é ainda o caminho que Giselda Medeiros indica com imensa claridade e naturalidade: Inóspito é o caminho, / fere-me os pés, / contudo vou sangrando como as insones madrugadas...
A sublime poetisa que habita em Giselda Medeiros, com talento e brilhantismo, toca-nos o coração e cativa-nos a alma. Seus poemas possuem deleite estético, fertilizados pelo estilo plástico e musical. Nesta obra, há um poema intitulado Poesia e Emoção, logo no preâmbulo, que muito bem sublinha o tom de universalidade do seu estro.
Diz Giselda Medeiros em outro arroubo de espanto:
Um salva-vidas
expõe aflito
a palavra afogada...
Eis a palavra novamente submersa, embargada na sua origem, a querer caminhos, a buscar a essência da linguagem, banhada em encanto e em exaltação. À mercê apenas das luzes do sentimento e do território anímico de uma poetisa autêntica, onírica e agônica.
Da dicção de Giselda Medeiros guardamos a delicadeza dos seus gestos internos, como se a linguagem flutuasse atemporal pelo sidéreo que mora no ritmo agudo das suas palavras mais criativas e sinceras: Não houve mais diálogo. Silêncio... E depois tudo se acendeu.
Ser poeta é dar eternidade ao efêmero. A galope, em A linguagem dos caminhos, somos transportados involuntariamente para o desafogo das nossas dores e das nossas angústias, pois a mão da ascese eleva e disciplina o itinerário desde a partida: viagem, grito, rastro, motivo e plenitude. Vou, com meu farnel de Poesia, de Sonho / e nada mais.
A inspiração lírica de Giselda Medeiros é alegorizante, metafórica e circular, o que guarnece qualidade e certeza na totalidade da sua Arte. Calamo-nos diante das vastidões, quando só a magia da palavra em si mesma diz e revela. É a ressurreição dos múltiplos ritos secretos que a diáfana Poesia desterra.
Ensaio de Diego Mendes Sousa sobre o livro de poemas "A linguagem dos caminhos" (2024), de Giselda Medeiros.
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PLENITUDE
Vem, amado meu,
com o perfume das primaveras!
Vem, com o brilho daquela estrela
que, tão dócil, corteja a lua em seu pervagar!
Vem, amado meu,
com essas mãos afeitas às carícias!
Será doce o nosso caminhar...
Vem, que a madrugada geme amores
e inunda nosso chão de aljôfar!
Vem, amado meu,
enquanto o vento cantarola, ainda,
Clássicos de Chopin
e faz volteios sobre nossos corpos
envoltos no silêncio,
porcelana azul de antigas solidões!
Vem!
O dia se anuncia com seu cortejo de amor...
Este dia é nosso,
e quando, amado meu, estamos juntos,
somos, tão-somente, eternidade.
Vem!
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POEMA DA NOITE
É longa a hora do adeus...
E a vida é tão breve!
Sonho pétalas em ritmo de versos.
Mas as noites existem,
escuras e tristes,
a fecundar adeuses
no ventre dos amantes.
Ouço o bulir de fantasmas
preparando gestos de colheita.
E a rosa que vai abrir sua corola
já não lhe reconhece as raízes.
Contudo toma em todo o tempo que tiveres
tuas mãos pródigas de plantio
e semeia rosas de amor no peito da noite.
Um girassol nascerá na manhã de teu carinho,
e o calor de teus braços fará girar suas pétalas
de amor.
Aí, no espaço aflito da noite,
orquestrarão sonatas
nas longas horas
de adeus.
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SEM RESPOSTAS
Dize-me, ó fantasma do Tempo,
onde guardaram a alegria do meu sorriso?
onde puseram meus sapatinhos de cristal?
Em que galáxia esconderam
a virgindade dos meus sonhos pueris,
que eu trancara na minha caixa de Pandora?
Oh, dize-me, fantasma do Tempo,
em que infinito mergulharam
o colorido álacre do meu arco-íris,
que acendia os olhos da estrela do mar?
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POEMA INACABADO
No azul noturno do mar,
estremeceu a polpa da maçã,
mordida
na ponta do anzol.
A sede das estrelas
pousou no pulsar do ventre da noite
lavrada de sombras e de silêncios suicidas.
Um salva-vidas
expõe aflito
a palavra afogada...
Mas, por que afogaram a palavra?
Poemas de Giselda Medeiros (1939-), escritora e membro da Academia Cearense de Letras (ACL).
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OBRAS PUBLICADAS POR GISELDA MEDEIROS:
- Alma Liberta, (1986),
- Transparências, (1989),
- Cantos Circunstanciais, (1996),
- Tempo das Esperas, (2000),
- Sob Eros e Thanatos, (2002),
- Crítica Reunida, (2007),
- Ânfora de Sol, (2010),
- Caminho de Sol, (2015), - em parceria com Ana Paula de Medeiros Ribeiro.
- A linguagem dos caminhos (2024) - prefácio de Diego Mendes Sousa.