Gilberto Sodré de Carvalho: Macro-genealogia

[Gilberto de Abreu Sodré Carvalho]

 

Resumo: Este artigo mostra as possibilidades da Macro-genealogia como ciência útil ao conhecimento do passado, mediante a sua própria metodologia. Os resultados das pesquisas genealógicas podem ser importantes por si sós para o estudo de um período, sem a necessidade adicional de conclusões históricas.

 

Abstract: This article shows the possibilities of a Macro-genealogy as a useful science for the knowledge of the past, by means of its own methodology. The results of the genealogical investigations can be important on its own value for the study about a given period, without the additional provision of historical conclusions.       

 

Genealogia e “redes complexas”

 

            O campo de investigação da Genealogia pode ser gigantesco na medida em que as teorias das redes complexas sejam utilizadas. Chamo de “Macro-genealogia” a disciplina correspondente às investigações genealógicas de grande volume de dados com o uso destas teorias.

            As teorias das redes complexas se desenvolveram a partir de muitas motivações científicas, como, por exemplo, o desejo de entender-se a contaminação de doenças, a dinâmica social da passagem de informações e o funcionamento das redes sociais. Estas teorias resultaram em metodologias de estudo com o uso de modelos matemáticos, desde os últimos anos do século 20[1]. Existe aproveitamento derivado dessas teorias, fora da pesquisa científica propriamente dita, como o que ocorre com os “bancos de dados” da tecnologia da informação, em que se formam redes de dados para uso recorrente por empresa ou instituição.    

            Essas metodologias se aplicam sobre fenomenologias complexas a serem entendidas mediante a descoberta das interações entre agentes.  Estes agentes são pontos (“points” ou “knots”) em rede. Cada ponto apresenta  

 

·           interação com outros,

·           convergência a outros,

·           continuidade em outros, e

·           mutação.

 

            No âmbito da nossa possível Macro-genealogia, a rede genealógica tem características semelhantes à trama que mapeia a divulgação de notícias de boca-em-boca, à teia onde se visualiza a transmissão de doenças, ou à rede social que demonstra a aquisição coletiva de novos hábitos no vestuário. Nestes três casos, observa-se, além da interação, convergência e continuidade, também a mutação (transformação). A mutação acontece quando as notícias se deturpam após serem muito recontadas, as doenças se alteram na forma de novos vírus, a moda de vestuário se modifica com os ajustes subjetivos de seus seguidores. 

            Penso que seja imediata a percepção de que as redes macro-genealógicas apresentam interações, convergências e continuidades. Isso se pode observar na dinâmica da passagem genética ou de DNA entre os pontos, seja por matrilinearidade ou patrilinearidade. No entanto, como ocorreria a mutação?

            A resposta a essa pergunta tem um desdobramento. A mutação poderá ser

 

·      genética, pela fixação de caracteres convenientes ou inconvenientes, ou mutações na leitura de caracteres nas passagens de um indivíduo a outro; ou

 

·      social, por ascensão ou descensão de posicionamento social intergeracional, em poder proprietário, poder de mando e/ou poder do prestígio.           

 

            As mutações genéticas são difíceis de ser identificadas por falta de documentação médica e de registros visuais das pessoas. As mutações sociais são passíveis de acompanhamento pelos registros em cartórios judiciários (inventários), de transações em geral e de testamentos, e outras fontes.

 

 

Volume de dados para estudos

em Macro-genealogia

 

            Pensamos em uma genealogia de grande número de pessoas, que passe a merecer um tratamento matemático, ou seja, a Macro-genealogia.

            A primeira ideia para se perceber o tamanho e a complexidade de uma rede de pontos macro-genealógicos é ter em mente que cada humano, homem ou mulher (vou chamá-lo de João), segue necessariamente o padrão de ter, em ascendência, em direção ao passado, planos geracionais que se vão duplicando, como se vê na Ilustração 1.

 

                                   Ilustração 1

 

                                   João e seus irmãos inteiros (mesmo pai e mãe) têm

:                                 

·  1 casal de genitores;

·  2 casais de avós;

·  4 casais de bisavós;

·  8 casais de trisavós;

·  16 casais de quartos-avós;

·  32 casais de quintos-avós; 

·  64 casais de sextos-avós;

 

Total: 127 casais de antepassados até os sextos-avós

 

           

            A mesma pessoa (ou casal) poderá ser encontrada tanto como sexto-avô ou avó como quinto-avô ou avó. Ocorre que os mesmos antepassados do trio joanino podem deslocar-se para até dois ou mais planos geracionais que tenham João e irmãos, como ponto de contagem. Isto ocorre por efeito das uniões entre primos distantes, entre primos próximos e até entre tios e sobrinhas, e ainda segundas e terceiras uniões de um mesmo agente.

            Nesta visão, o número de 127 posições de antepassados do trio João e irmãos pode ser menor, uma vez que diversos pontos ou agentes podem ter tido mais de interação com um outro agente, vista a rede na real complexidade dos seus diversos planos geracionais. Observe-se que tais interações ensejarão convergências, continuidades e mutações que terão como elemento de analítico as referidas interações.          

            As repetições de antepassados(as) é comum, especialmente até a primeira metade do século 20, em que as pessoas tendiam a permanecer no seu lugar de nascimento ou arredores. Com o que muitos antepassados(as), em um levantamento real, teriam ocupado duas ou mais posições de ancestrais. Observe-se que isso terá ocorrido tanto com os descendentes mais próximos de um ou mais dos casais sextos-avós do trio joanino como com pessoas vindas de fora. Os próprios casais dos sextos-avós podem ter repetição, ou ser resultado de uma segunda ou terceira união de alguém já constante de outra dupla na faixa dos sextos-avós. Por conta disso, cada outro genitor, homem ou mulher, de cada casal abaixo dos sextos-avós, poderá também ser descendente de um ou mais casais de sextos-avós. Haverá assim muitos caminhos para que, após gerações, alguém seja descendente da inteireza dos 64 sextos-avós, se for pesquisar seus planos geracionais em ascendência, ou seja, em direção ao passado. 

 

...

            

            A partir dos 64 casais sextos-avós do trio joanino se pode desenhar leque de planos geracionais em descendência, a dizer, no sentido do “futuro”, onde estará o trio joanino.

            Na nossa esquematização hipotética, de cada casal em cada plano geracional haveria, suponhamos, três descendentes (filhos e filhas) chegados à idade adulta e que tenham procriado. Observe-se que os casais tinham mais de dois filhos ou filhas, até doze ou mais, sendo três um número prudente para ser usado como estimativa média dos sobreviventes até a idade adulta, por casal, ao longo dos planos geracionais em descendência.

            Como se trata de uma esquematização teórica para efeito de exposição, não devemos nos preocupar com as descontinuidades (os casais sem geração) em cada um dos planos geracionais em descendência.

            Assim: 

 

                                               Ilustração 2

                            (apenas de valor expositivo, não real)

 

·               Cada um dos 64 casais de sextos-avós do trio joanino teria sido genitor do homem ou da mulher de 

·               192 casais (64 x 3 = 192), sendo 32 deles os quintos-avós do trio joanino. Cada casal dos 192 teria sido genitor do homem ou da mulher de

·               576 casais (192 x 3 = 576), sendo 16 deles os quartos-avós do trio joanino. Cada casal dos 576 teria sido genitor do homem ou da mulher de

·               1.728 casais (576 x 3 = 1.728), sendo 8 deles os trisavós do trio joanino. Cada casal dos 1.728 teria sido genitor do homem ou da mulher de

·               5.184 casais (1.728 x 3 = 5.184), sendo 4 deles os bisavós do trio joanino. Cada casal dos 5.184 teria sido genitor do homem ou da mulher de

·               15.552 casais (5.184 x 3 = 15.552), sendo 2 deles os avós do trio joanino. Cada casal dos 15.552 teria sido genitor do homem ou da mulher de

·               46.656 casais (15.552 x 3 = 46.656), sendo 1 deles o casal genitor do trio joanino. Cada casal dos demais teria, de igual modo, sido genitor de um trio de irmãos inteiros.   

 

            Na Ilustração 2, cada um dos 46.656 trios, referidos por último, teria os mesmos 64 casais sextos avós do trio joanino como seus(suas) antepassados(as). Isto, no entanto, é impossível de ocorrer na vida real.

            Ocorre que a igualdade inventada de ancestrais - construída por supostos ancestrais (homem ou por mulher) que seja descendente dos 64 casais, dos 192, e assim por diante – articula-se com a improbabilidade fática da exatidão geométrica de cada plano geracional poder gerar o seguinte, de cima para baixo. As pessoas em carne e osso não têm vidas robotizadas que as façam gerar filhos e filhas sincronicamente, a cada plano geracional padronizado, este também ocorrente para todos ao mesmo exato tempo cronológico. 

           

...

 

            A completa artificialidade da Ilustração 2 não significa que não se possa levantar  a genealogia descendente de um casal de sextos-avós de um trio joanino. Isto é possível teoricamente, e na prática, com muito esforço. Mostrará uma teia de planos geracionais que se afastarão de qualquer correspondência em grau de ancestralidade com os planos geracionais ascendentes do trio joanino. Mais ainda isto é verdadeiro se lembrarmos que a dispersão genealógica na direção descendente se dá tanto pelos homens como pelas mulheres.    

            Se construíssemos uma rede para articular os dois levantamentos de planos geracionais (o em ascendência e o em descendência), o grafo, este é o nome técnico destas representações complexa, seria enorme.  

            Tal grafo que imaginamos mostraria os planos em ascendência de uns tantos joões e joanas (vamos imaginar 10 pessoas, filhas de genitores diferentes, em um mesmo espaço demográfico), ocorrentes em um dado lugar e tempo histórico, até o plano geracional de seus sextos-avós, que como explicado acima não serão os mesmos.

            O resultado será um emaranhado de antepassados(as) em comum, quanto mais aquele espaço demográfico, uma cidade ou região, e tempo histórico, tenham recebido menos  entrantes vindos de fora da repertório genealógico endógeno.    

            Disto se conclui que importa, primeiro, o estudo em ascendência, fixadas as pessoas de ponto de partida, o lugar (espaço demográfico) e o segmento de tempo. Só em seguida se fará o cruzamento dos dados no sentido descendente.

 

 

Sobre as linhagens dos linhagistas e as

linhagens e caminhos no âmbito da Macro-genealogia

 

            O levantamento de linhagens serviu para os linhagistas do passado frente às suas preocupações de legitimação de heranças físicas e patrimônio imaterial, bem como para documentar a nobreza de alguém. 

            Na angulação da realidade objetiva e não do “linhagismo nobiliárquico”, cada joão e joana é referência de uma infinidade de linhagens possíveis, em todas as alternativas de ziguezagues, identificadas no campo em rede da chamada “árvore genealógica ascendente”, em direção ao “passado”, bem como seu entorno genealógico é observável em mapeamento em descendência a partir de cada casal específico de seus antepassados.  

            O estudo do entorno genealógico em descendência mostrará os parentescos colaterais, em que eventualmente vão-se ver coincidências de colaterais como antepassados(as). No conjunto, todos os caminhos de todos os casais antepassados, tendo o joão ou joana como destino, e corresponderão exatamente a todas as linhagens joaninas possíveis de alinhavar para cima.

            Por força das inúmeras linhagens ou caminhos que podem ser levantados, aquelas 10 pessoas, filhas de genitores diferentes, em um mesmo espaço demográfico, tendem a ser parentes, a algum título, umas das outras.   

            Quanto mais se ampliarem o espaço demográfico e o segmento de tempo, mais quaisquer 10 pessoas escolhidas a esmo tenderão a ser parentes entre si.

            As únicas exceções, para essa dinâmica de parentescos, podem talvez ser as comunidades humanas que se mantenham absolutamente isoladas, como grupos indígenas fora por inteiro do caudal do gênero humano. Mesmo assim haverá conexão se a ampliação de espaço demográfico e segmento de tempo for radical. Mesmo as pessoas de etnia chinesa, zulu, esquimó, japonesa ou tibetana estariam na genealogia de todos os humanos, uma vez que essas etnias, uma vez alcançadas por um único ponto se ligam por inteiro ao resto.

            Essa rede social de todos os seres humanos leva a possibilidade de descobrirem-se ou de descreverem-se muitos trilhões de linhagens e de caminhos. Existem “infinitos” trilhões de estórias genealógicas possíveis de serem contadas.

            Nenhuma narrativa genealógica é isolada. Mesmo que a ação se desenvolva na ilha mais remota, terá um ponto comum com outra estória. 

            Na literatura de ficção e na vida real, tudo tem começo, discussão e conclusão; podem ser romances, sátiras, contos, comédias, novelas históricas, poemas encenados, epopeias, canções teatralizadas. Muitas narrativas genealógicas vão ser abortadas no seu curso; ou vão minguar ou sumir. Outras vão ser interceptadas por estórias mais volumosas de elenco ou mais densas em dramaticidade e se tornarão episódios cooptados no caudal da estória abrangente. Narrativas de pouca dinâmica revigoraram-se inesperadamente e tornarem-se vibrantes.   

                       

Uma possível pesquisa genealógica

no Piauí dos séculos 18 e 19

 

            O uso das teorias das redes complexas e das suas decorrentes metodologias de pesquisa melhor se dá quando há uma grande massa de dados genealógicos relacionados com uma base territorial definida e um recorte de tempo.

            Os seres humanos existem em um espaço geográfico. A Demografia, como ciência geográfica, é que estuda ordinariamente essa relação. No caso da pesquisas macro-genealógicas é importante a definição de um espaço geográfico e de um período certo no tempo; essas definições correspondem ao estabelecimento de um “objeto de pesquisa”.

            A história da ocupação de um espaço, a continuidade da ocupação do território e o desenvolvimento de novas intervenções no território se dão em articulação com o que se pode chamar de processo genealógico. A história acontece no espaço e no tempo; a Macro-genealogia é uma forma de contar a história.    

            Como exemplo de como uma pesquisa macro-genealógica poderia se dar, penso no levantamento de Edgardo Pires Ferreira[2] no Piauí, no período de 1700 até o ano de 1900[3], acompanhado de levantamentos de outras tantas descendências de casais contemporâneos no ano de 1700, aos que Edgardo tomou como “pontos de origem”.

            O uso da obra de Edgardo é primordial em vista de ele ter sido o primeiro estudioso a levantar com sucesso, genealogias descendentes volumosas, a partir de “pontos de origem”. A escolha que faço do Piauí está em o Piauí ter sido objeto da pesquisa de Edgardo e de mostrar uma configuração demográfica, nos séculos 18 e 19, decorrente de uns poucos casais que servem como “fundadores”. 

            Não é preciso que se cubra o total da realidade genealógica (“objeto da pesquisa”), ou seja, todas as pessoas viventes no intervalo de tempo e espaço físico determinados. Basta que se tenha uma boa massa de pontos (pessoas), os possíveis de captura por registros paroquiais de nascimento, casamento e óbito.

            Teríamos uma rede enorme, só ilustrável tridimensionalmente, com inúmeras conexões ligando cada pessoa a todas as outras, em conexões diretas (pai e mãe) e indiretas por vias pontuadas por duas, três ou dezenas de pessoas intermediárias. Tal quadro é irrealizável na prática como um desenho ou um modelo tridimensional físico. O quadro só se poderia mostrar, em uma concepção digital, como uma gigantesca teia apresentada por pontos (as pessoas) e os seus acessos a todos os demais pontos.

            Eu imagino uma animação digital em que se pudesse “viajar” nas inúmeras narrativas genealógicas, ou seja, linhagens, caminhos e itinerários transversos para a obtenção de dados a contar de interações, convergências, continuidades e transformações, com o uso de “tios”, “tias”, “primos” e “primas”. 

            As árvores genealógicas em ascendência de um casal vivente no final do século 19, no Piauí. conforme dados que colhi na obra de Edgardo Pires Ferreira mostram a frequência com que ocorriam casamentos entre primos[4]. A sequência de planos geracionais começa no final do século 17. O homem é José Carvalho de Almeida e a mulher é Philomena Rosa Borges Leal; vai-se até os casais quintos-avós deles; um casal sexto-avô aparece apenas porque também estava entre os quintos.

            Há muitos vazios a demandar preenchimento a considerar-se a necessária expansão vista na Ilustração 1 Por certo, essas lacunas são fáceis de preencher com algum tempo de pesquisa[5];  mas, mesmo com a incompletude, pode-se observar a intensa presença de pessoas e casais em mais de um plano geracionais e em um mesmo plano.

            É notável, nos exemplos de José e Philomena, a alta presença de antepassados(as) repetidos em cada um e comuns aos dois:

           

o   No plano geracional dos sextos-avós, José e Philomena têm, juntos, o casal Francisco da Cunha Castello Branco e Maria Eugênia de Mesquita, 2 vezes (1 em José e 1 em Philomena).

 

o   No plano geracional dos quintos-avós, José e Philomena contam, juntos:

 

§  7 vezes, o casal Francisco da Cunha Castello Branco e Maria Eugênia de Mesquita (3 vezes em José e 4 vezes em Philomena),

 

§  5 vezes, o padre Miguel Carvalho de Almeida (2 vezes em José e 3 vezes em Philomena),

 

§  2 vezes, o casal Domingos Dias da Silva e Isabel de Almeida (1 em José e 1 em Philomena), e

 

§  2 vezes, o casal João Gomes do Rêgo Barros e Ana Castello Branco de Mesquita (1 em José e 1 em Philomena).

 

o   No plano geracional dos quartos-avós, o José e Philomena contam juntos:

 

§  2 vezes, o casal João Gomes do Rêgo Barros e Ana Castello Branco de Mesquita (1 em José e 1 em Philomena),

 

§  5 vezes, o casal Manuel Carvalho de Almeida e Clara da Cunha e Silva Castello Branco se apresenta (2 em José e 3 em Philomena), e

 

§  2 vezes, o casal Antônio Carvalho de Almeida e Maria Eugênia de Mesquita Castello Branco (1 em José e 1 em Philomena). 

 

 

o   No plano geracional dos trisavós, José e Philomena contam juntos:

 

·      3 vezes, o casal João Borges Leal e Clara da Cunha e Silva Castello Branco (1 em José e 2 em Philomena),

 

·      2 vezes, o casal Antônio Carvalho de Almeida e Maria Eugênia de Mesquita Castello Branco (1 em José e 1 em Philomena), e

 

·      2 vezes, o casal Francisco da Cunha e Silva Castello Branco e Ana Rosa Pereira Teresa do Lago (1 em José e 1 em Philomena), 

 

 

o   No plano geracional dos bisavós, José e Philomena contam juntos:

 

·         2 vezes, o Francisco Borges Leal Castello Branco e Teresa Rosa do Lago Castelo Branco (1 em José e 1 em Philomena), e

 

·         2 vezes, o casal Antônio Carvalho de Almeida, filho, e Ana Maria da Conceição Rodrigues (1 em José e 1 em Philomena), 

 

o   No plano geracional dos avós, José e Philomena contam 2 vezes o casal José Carvalho de Almeida, senior, e Francisca Vitalina Castello Branco (1 em José e 1 em Philomena).   

 

            Este alto padrão de consanguinidade ou de casamentos entre primos parece ter sido também muito praticado entre as pessoas simples. É mais provável que os já conhecidos se casem, se unam ou tenham filhos e filhas naturais. A proximidade provoca suscitarem-se as compatibilidades e as afinidades de todo o tipo. Não se trata de endogamia no sentido de comportamento para a proteção de uma etnia (língua, religião, costumes e reiteração do ancestral comum) em ambiente hostil, como ocorrente entre os israelitas e os chineses antigos, mas sim de falta de alternativas razoáveis.  

            A exogamia, ou seja, os casamentos, uniões e relações rápidas entre gente antes desconhecida, que resultem em filhos e filhas, é fenômeno das cidades grandes do século 19 português e brasileiro. Nas circunstâncias das cidades grandes, as pessoas se podem encontrar nas escolas, em igrejas maiores, nos bailes, quermesses, procissões volumosas e festejos onde se adensam muita gente. A exposição de umas pessoas antes desconhecidas das outras se dá nesses locais de encontro geral. Aí, vão-se observar encontros de gente distante quando às suas moradas e quanto a poder de compra, a poder político e a poder estamental.         

 

 

Hipóteses que poderiam ser

confirmadas pela pesquisa

 

            Pergunto:

            Quais seriam as hipóteses de trabalho dessa pesquisa sobre as teias de parentesco do Piauí dos séculos 18 e 19, desde o ano de 1700 ao de 1900, em vista do que se conhece por indicações de estudos genealógicos de cunho restrito?

            Penso que seriam as seguintes, ao menos eu as sugeriria a quem fosse levar a frente um projeto de tal magnitude:

 

REPETIÇÃO DE ANTEPASSADOS(AS) EM UM MESMO PLANO GERACIONAL

As pessoas se repetem como pontos em um mesmo plano geracional de um dado descendente. Ou seja, um casal ou um dos indivíduos – homem ou mulher - de um casal surgem mais de uma vez como antepassados do dado descendente, como seus trisavós, quartos-avós, quintos-avós ou sextos-avós.   

 

REPETIÇÃO DE ANTEPASSADOS(AS) EM MAIS DE UM PLANO GERACIONAL

As pessoas se repetem como pontos em dois ou mais planos geracionais de um dado descendente. Ou seja, um casal ou um dos indivíduos – homem ou mulher - de um casal (como companheiro(a) em outra configuração de casal) surgem tanto como seus trisavós como seus quartos-avós, ou quintos-avós ou sextos-avós. É possível a repetição no âmbito de até três planos geracionais.

 

FILHOS E FILHAS FORA DO CASAMENTO CONCENTRADOS NO TEMPO ANTERIOR A UMA UNIÃO FORMAL

No meio das pessoas de alto poder de compra e de status é comum que todos os irmãos homens esperem que o irmão mais velho se case para depois eles, os outros, casarem. Isso leva a que se haja muitos filhos e filhas naturais vindos de todos os irmãos homens, inclusive do primogênito.

 

CASAMENTOS DE TIOS E SOBRINHAS E ENTRE PRIMOS

Os antepassados homens nos estudos das linhagens e dos caminhos se casam significativamente em termos estatísticos com suas sobrinhas ou com primas de mesmo plano geracional ou um abaixo ou um acima de onde ele, o antepassado homem, está. Esse fenômeno faz com que o antepassado homem se desloque para também posicionar-se como parte do casal que tem sua mulher como referência.

 

ERRADO SE FALAR EM “GERAÇÕES” DE 25 EM 25 ANOS

Não existe qualquer sustentação para a ideia de que as “gerações” sejam contadas de 25 em 25 anos, ou qualquer outra medição objetiva. As gerações decorrentes de um casal (“árvore genealógica descendente”) perdem logo a sincronicidade, os bisnetos e bisnetas podem apresentar diferenças de idade mais de trinta e cinco anos. Isto posto, a contagem objetiva de gerações de 25 em 25 só tem sentido se dermos importância total ao ambiente social e geral onde estejam as pessoas nascidas no momento 0 (zero) de uma sequência de 25 anos, sendo descartados todos os que venham a nascer nos anos seguintes.

 

MANUTENÇÃO INTERGERACIOANAL DE PODER DE COMPRA, DE PODER POLÍTICO E DE PODER ESTAMENTAL 

Transformações dramáticas relacionadas à mobilidade social tendem a não ocorrer. Os descendentes se mantêm, de regra, dentro do mesmo plano de poder de compra, de poder político e de poder estamental dos antepassados, sem trocas maiores de posicionamento com os posicionados em outros planos de poder de compra, de poder político e de poder estamental. A expectativa é de que no Piauí, nos séculos 18 e 19, não tenham ocorrido mudanças decorrentes de imigrantes ou advindas de mudança de modelo econômico.

 

A ASCENSÃO SOCIAL POR SUBIDA EM PODER DE COMPRA E EM STATUS COINCIDE COM MAIOR PODER POLÍTICO

As três dimensões (a de compra, a política e a simbólica) tendem a acompanhar uma às outras, ou seja, cada qual alimenta ou dá força aos demais.  

 

CONCENTRAÇÃO DE DNA POR CONVERGÊNCIA

Os casais com parentesco, próximo ou remoto, constroem conglomerados de DNA do casal que foi o seu antepassado em comum. A carga genética desse DNA em cada indivíduo pode ser medida com uma razoável aproximação daquela possível com os exames laboratoriais de DNA de hoje.

 

UM MODELO DOMINANTE DE TOMADA DE SOBRENOMES E NOMES

Na adoção intergeracional de sobrenomes, uma vez levantada, mostrará, possivelmente, um modelo dominante e as exceções. Deve haver uma relação entre a escolha do sobrenome e algum movimento de ascensão econômica e de status de indivíduos. Do mesmo modo, a escolha de nomes, por ocasião do Batismo, mostrará algum critério dominante que remeta aos antepassados.

 

MUDANÇA, NO SÉCULO 19, DOS PROCEDIMENTOS DA TOMADA DE SOBRENOME

Houve, em meados do século 19, mudança do costume português do Antigo Regime, passando as mulheres a tomar o sobrenome dos maridos, do que resultou a adoção mais uniforme de sobrenomes pelos filhos e filhas, à moda dos franceses.

 

BUSCA DE STATUS DETERMINOU A ADOÇÃO DE SOBRENOMES

A fixação (adoção intergeracional de sobrenomes) se dava em favor dos apelidos que fossem indicativos de posse de status. No caso de uniões em que a mulher era de status elevado, mas sem recursos, com homem rico ou de poder político, os sobrenomes dos filhos e filhas eram buscados dentro da tradição da mãe e não na do pai. 

 

PRESENÇA DA MATRILINEARIDADE NA TOMADA DE SOBRENOMES PELAS MULHERES

Os sobrenomes das mulheres, até meados do século 19, tendiam a repetir os apelidos da tradição matrilinear. Isso mais acontecia com a existência de apelidos de status em meio à tradição matrilinear.

 

 

Conclusão

 

            A Genealogia pode valer-se das teorias das redes complexas para a extração de dados muito interessantes para o estudo das sociedades, em períodos históricos específicos. Em lugar de se posicionar como uma disciplina auxiliar da História, a Genealogia pode apresentar-se como tendo escopo, dimensões teóricas e metodologia próprias. O que em conjunto fazem-na ser útil potencialmente à Geografia Humana na investigação do passado e à Sociologia Histórica, além de já o ser para a História.

            A esta nova possibilidade da Genealogia se pode chamar  Macro-genealogia em contraste com a Micro-genealogia que atenderia às ocorrências de estudos específicos, nos moldes tradicionais desta antiquíssima área do conhecimento.     

            O exercício que fiz acima da simulação de um esboço de pré-projeto de pesquisa serve para trazer clareza sobre os vários aspectos da Macro-genealogia. Outros exemplos poderiam ser dados das possibilidades de outros objetos de pesquisa.

            Em alternativa ao Piauí, entre 1700 e 1900, um objeto de pesquisa interessante seria o da cidade de São Paulo, entre 1800 e 1950. Vislumbra-se uma riqueza de resultados notável, em vista das transformações no âmbito da mobilidade social decorrentes do ingresso dos novos imigrantes e das mudanças na economia.

            Outra possibilidade é a da capitania do Rio de Janeiro, entre o final do século 16 e o final do 18. Ou seja, desde a ocupação



[1] Para efeito de aprofundamento no tema, o leitor poderá consultar as noções de “experimento do mundo pequeno”, “rede complexa”, “modelagem matemática”, “seis graus de separação”, “banco de dados”, “grafo”, “teorias das redes”.

[2] Ver em Referências.

[3] A fixação de um momento de início e de final tende, de a ser arbitrária quando se esboça um projeto de pesquisa. Logo, com os primeiros dados, se observa que se devem fazer ajustes. 

[4] Principalmente, mas não apenas, em PIRES FERREIRA (2013). Faço retificações. 

[5] O preenchimento das lacunas levaria, provavelmente, ao robustecimento do fenômeno dos casamentos entre primos. No resto da obra de Edgardo ou nos trabalhos genealógicos de Valdemir Miranda de Castro esses vazios poderão ser ocupados.