Cunha e Silva Filho


                           Não foram os parentes e amigos das vítimas de soldados assassinos do regime golpista instalado no Egito as únicas testemunhas do massacre sem dó nem piedade contra seguidores da Irmandade Muçulmana à qual pertence o ex-presidente Mohammed Mursi, que, agora, se encontra preso e incomunicável.  Testemunhas  foram todos os que,  pelas diferentes mídias,  puderam, consternados,  ter  notícias da truculência e ferocidade das armas contra civis, em gerall,  desarmados. É fácil, é muito fácil metralhar quem não pode se defender  do fogo das armas genocidas.

                         Os partidários da Irmandade, revoltados com a queda do Presidente eleito pelo povo, reagiram em maciças manifestações de protestos contra o Exército e o novo governo golpista tendo como presidente interino, Adly Mansur. O premiê interino, Hazem al-Blebawi, já está pedindo a dissolução daquela irmandade que, se for efetivada, passaria à clandestinidade. Tal ação só tornará mais acirrada a hostilidade dos partidários da organização islamita, que a obrigaria, por força das circunstância, até à prática do terrorismo e, quem, sabe, a uma nova guerra civil entre os compatriotas egípcios.
                        Não se pode negar que o Presidente Mursi andou tomando decisões duras que não agradaram o lado laico da população, inclusive com mudanças que não constavam nos seus pronunciamentos de candidato ao governo do país. 
                        Bastou isso para que se lhe fizessem também manifestações de desagrado contra as medidas por ele tomadas. Entretanto, não se pode igualmente que um massacre das proporções do que aconteceu agora em Cairo, com, no mínimo, 638 pessoas mortas, na quarta-feira passada, chamada de “Dia da Fúria") pelo Exército, num ataque covarde de verdadeiro atentado genocida, seja aceito sem o repúdio veemente de todos os países e dos organismos responsáveis por crimes hediondos praticados por ordem de governos de qualquer regime. Mursi ainda deu sinais de que recuaria implantar algumas medidas impopulares, mas o caldo já estava entornado e os militares, diante do clima tenso reinante no país, resolveram tomar posse pelo golpe. Ora, os dois lados andaram errando e o resultado foi que os muçulmanos decidiram realizar grandes manifestações contra os militares exigindo que devolvessem o poder ao Presidente eleito democraticamente.
                        Tenho informações, através da Folha de São Paulo, de que os líderes mais influentes da Irmandade Muçulmana já se refugiaram em algum lugar ou mesmo em outro país.Enquanto isso, mais 143 islamitas foram assassinados na sexta-feira passada, O que causa espécie é que da parte do governo golpista a irmandade já está sendo chamada de terrorista, o que é um contrassenso de inversão de valores e de perspectivas. É esta sempre a versão dos usurpadores do poder: classificar os que se lhes opõem como terroristas inimigos do povo. 
                        Assim como o inferno em que se transformou a Síria de Bashar Al-Assad, em nível menor, o Iraque, o Paquistão, o Egito poderá ser mais um pais árabe a viver o pavor da selvageria. Será que esses países não terão nunca um período de paz e seus habitantes estarão fadados à insânia das rivalidades ideológicas e religiosas? Atualmente, na mesquita de Fatah, encontram-se acuados alguns islamitas “cercados pela Polícia e pelas Forças Armadas” (Folha de São Paulo, Mundo, 18/-08/2013).
                         Segundo o articulista internacional, Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, “.. não haverá democracia nem no Egito nem nos demais países de maioria muçulmana” caso os “setores laicos e os liberais,” responsáveis pela revolta que derrubou a ditadura de Hosni Mubarak não incluirem o islamismo como componente da política no Egito. Neste argumento é acompanhado pela  professora Luz Gomez García, que leciona  Estudos Árabes na Universidade Autônoma de Madrid e pela visão sobre o assunto da revista The Economist, na opinião de Clóvis Rossi, insuspeita, por sua linha liberal e sua ausência de simpatia por movimentos como a Irmandade Muçulmana.
                        Se países, no passado e no presente, ainda praticam ações genocidas, ao arrepio das leis internacional de proteção e segurança da vida humana, já é hora de repensar a funcionalidade de organismos como a ONU com o seu Conselho de Segurança. Se vivemos num mundo cada vez mais globalizado por vários canais de comunicação e de relações culturais e econômicas, seria a vez de se pensar na formação de organismos isentos, autônomos de nível internacional para cuidarem de conflitos que atingem as proporções de crimes de guerra, de massacres em massa cometidos por países que não têm o mínimo de respeito aos direitos humanos, ao direito, em fim, de viver em liberdade num contexto democrático sadio e amante da paz entre todos os povos. 
                        Organismos tutelados veladamente  por superpotências  não servem mais nem nunca serviram inteiramente aos interesses pacíficos da normalidade da vida em sociedade, agora, uma sociedade planetária nas suas múltiplas relações internacionais. É factível isso? Creio que sim. Só depende de negociações sérias e desinteressadas entre países da vontade concreta dos governos que estejam prontos à cooperação, sobretudo a que visa à  paz duradoura, se é que  está acima de nós humanos chamarmos de paz definitiva. “Nada é definitivo, nada é para sempre”, certa vez me corrigiu uma dentista quando lhe perguntei pela duração ou certeza de alguma coisa relacionada à sua profissão.
                      Já se está falando por algum tempo em “princípio da jurisdição universal” , não sei se só aplicado a crimes de militares. Mas, é um bom começo e deveria ser aperfeiçoado e posto logo em prática. Responsabilizar líderes militares ou ditadores civis ou militares, enfim, qualquer governante de índole autocrática que possa ser punidoem tribunais internacionais sem apelos a brechas da Justiça seria um a advertência a futuros violadores dos diretos humanos e a genocidas em potencial.               

                      Governos discricionários, em qualquer parte do globo, pensariam duas vezes por seus atos de carnificina se soubessem que uma espécie de advocacia efetiva, independente e respaldada por Penalidades Internacionais lhes custaria a perda da liberdade, servindo tal procedimento legal como força dissuasória de ações de crimes hediondos contra a Humanidade.