(Miguel Carqueija)

 

“GA-REI” CHEGA AO APOTEÓTICO FINAL


    A impressionante saga de Hajime Segawa mostra, em seu desfecho, uma mensagem de redenção.


“Mas aqui, tenho amigos. Amigos que estão prontos a arriscar a vida, para proteger o meu sonho imperdoável.”
(Tsuchimiya Kagura)

“Ela pretende enfrentar aquilo para proteger bilhões de pessoas?”
(Nimura Kenzuke)

“Ainda não posso morrer. Não até rever a Yomi!”
(Tsuchimiya Kagura)

“Pare com isso, Kagura. Por que? Só fiz você sofrer. Mesmo assim... você ainda quer me estender a sua mão?”
(Isayama Yomi)

“Acorda de uma vez por todas! Mais do que qualquer pessoa no mundo, você foi amada pela Kagura!”
(Nimura Kenzuke para Isayama Yomi)

“Lembre-se, foram você e esse seu jeito que me fizeram mudar.”
(Imawano Shizuru para Tsuchimiya Kagura)




    O volume 12 de “Ga-Rei”, mangá de Hajime Segawa, finaliza a epopéia das “bestas espirituais” que ainda inclui doze episódios em desenho animado que narram a prequela, ou seja, as origens de Tsuchimiya Kagura e Isayama Yomi, as irmãs de criação que estavam destinadas a se tornarem as sacerdotisas do Apocalipse — um Apocalipse que se derrama sobre Tóquio e ameaça exterminar a Humanidade.  
    Kagura, acompanhada por Kenzuke, Tsuína, Fujiko, Shizuru e outros aliados, penetra na Naraku (aglomerado de almas penadas) que ocupou o centro de Tóquio, disposta a abrir caminha até Yomi: a sacerdotisa branca deve encontrar a sacerdotisa negra, para que o destino do mundo seja decidido. E em meio aos combates e monstruosidades das cenas vertiginosas, ainda prevalecem os sentimentos, como os de Shizuru, a ex-inimiga que incentiva a messiânica Kagura a seguir em frente: “Lembre-se, foi você e esse seu jeito que me fizeram mudar”. E Kenzuke acrescenta: “Eu conheci você, Kagura, porque era para te conhecer. Por isso, vamos ter mais fé em nós mesmos”. Assim incentivada, Kagura usa o poder do seu amor diante dos monstros que tudo querem destruir. Finalmente, ela e Yomi se defrontam. Kagura enfrenta então o seu grande desafio, o seu ordálio: não eliminar Yomi mas purifica-la, arranca-la das trevas.
      É preciso entender que a epopéia de Kagura baseia-se no Xintoísmo, principal religião japonesa, e não no Cristianismo. Hajime Segawa talvez seja xintoísta. Por isso, mesmo estranhando um pouco, nós do Ocidente cristão não podemos exigir uma solução pela religião cristã. Assim é que o Papa aparece, como alguns líderes políticos, mas suas aparições são anódinas e tudo se resolve no Japão, no confronto das duas sacerdotisas. Entretanto, sendo embora uma heroína xintoísta, Kagura apresenta virtudes comuns à espiritualidade cristã: senso de justiça e de lealdade, o amor profundo por todos, o valor extremo da amizade. O amor de Kagura por sua irmã de criação, que se tornou sua inimiga e adversária, faz a diferença em comparação, por exemplo, com a saga (também admirável) de J.K. Rowling, onde o protagonista Harry Potter e o antagonista Voldemort são de todo inconciliáveis. Daí, em meio ao exagero próprio dos mangás, ressalta a mensagem da redenção da humanidade pelo amor — que é, aliás, a substância da mensagem cristã.
    O volume final apresenta os episódios 49 a 52 e o epílogo. Logo de início, porém, aparece um quadro fascinante que sintetiza o que vai ocorrer: uma pintura genial, onde a luz e as trevas se defrontam no combate decisivo. À esquerda a “Sacerdotisa Negra”, Yomi, com seu garfo maligno e sua legião infernal, em meio à assustadora escuridão; à direita a “Sacerdotisa Branca”, Kagura, com o ga-rei (fera espectral) Byakuei e os aliados; e no clímax do monstruoso combate, Kagura estende a mão para Yomi; e no olhar de Kagura não há o mínimo sinal de ódio ou raiva, mas somente a afeição pela irmã. E esta, já hesitando, esboça o estender de sua própria mão.
    É comovente a construção da personalidade de Kagura, a pureza de seu coração, a sua obstinação pelo bem e o seu empenho em redimir sua irmã e salvar a todos. Poucas figuras da ficção messiânica são tão impressionantes.