Frases longas ou curtas?
Por Bráulio Tavares Em: 24/02/2012, às 08H56
[Bráulio Tavares]
Todos os manuais de escrita nos aconselham a usar frases curtas, na voz ativa e em ordem direta. O leitor deve avançar na escrita sem ter que voltar atrás a toda hora. Isto é uma tendência do jornalismo em geral e da prosa realista norte-americana, duas formas de escrever que às vezes são confundidas uma com a outra, até pelos seus próprios praticantes. Eu não tenho nada contra esse estilo; tentar praticá-lo me ajudou muito a tornar mais clara a minha maneira de escrever. Mas de vez em quando eu penso comigo mesmo, como pensa o escritor Pico Iyer neste artigo (http://lat.ms/ycShNj): “se continuarmos neste caminho, áreas inteiras das nossas sensações e da nossa cognição acabarão se perdendo”.
E ele faz uma defesa da frase longa, de muitas orações encapsuladas umas dentro das outras; a Frase Proustiana, que a crítica reverenciou por tanto tempo e com um entusiasmo tão desmedido, embora compreensível , que ela acabou se transformando numa espécie de modelo cruelmente imposto a jovens escritores que nem sempre, mesmo que admirassem Proust, estavam preparados (ou tinham uma inclinação natural) para exprimir-se da maneira que Proust se exprimia, e desse modo o que era para ser o apogeu da forma de um artista fora-de-série acabou se transformando numa fórmula ideal forçada de cima para baixo, que estragou muitas vocações e carreou para si (e para o escritor que a havia burilado tanto tempo atrás) críticas escarninhas e em grande parte injustas, embora inevitáveis no contexto distorcido que as motivou.
Proust ou Hemingway? O autor do Velho e o Mar virou o símbolo da tendência oposta. O mestre da frase curta e seca, que diz tudo e se detém. O próprio Iyer lembra: “Um escritor de muitos recursos como Hemingway ou James Salter é capaz de colocar inúmeras nuances e sugestões mesmo na frase mais curta e mais direta”. A verdade é que deveríamos ser capazes de dominar as duas técnicas, sem querer emular os dois extremos. Iyer define a frase longa como “a série de orações que é cheia de compartimentos, que é pródiga e abundante em nuances de tom e em sugestões, que tem tanto espaço para a quase-contradição e a ambiguidade e para os lugares da memória e da imaginação que não pode ser simplificada, ou posta em palavras banais, e que permite ao leitor manter muitas coisas na mente e no coração ao mesmo tempo, e descer, como se descesse uma escada em espiral, cada vez mais para dentro de si mesmo e para dentro do que não pode ser tratado em termos de ou-isto-ou-aquilo”. Um talento cada vez mais raro, talvez. Mas que nunca desaparecerá, porque é fonte de beleza e aprofundamento; algo como tocar harpa ou jogar xadrez.