Fernando Pessoa deixou, dispersa por folhetos, jornais e revistas, uma imensa obra literária, constituída por mais de 25.000 documentos originais, a grande maioria não publicados em vida. Aliás, Pessoa, enquanto tal, só publicou, e tardiamente, um volume de poesia – Mensagem – aprontado em 1934. Por tudo isso, a consagração nacional e internacional só surgiram posteriormente.
O conjunto dos seus escritos apresenta-se assinado com o seu nome e por vários “heterônimos” – Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares etc -, que tem sido considerados autores fictícios por ele criados. Mas o poeta dizia não se tratar de pseudônimos, antes de personalidades distintas, com estilos próprios. Hoje há quem considere que muito do que escrevia era psicografado, ou seja, Pessoa seria apenas o meio através do qual alguns seres já fisicamente mortos se expressavam.
Em carta de junho de 1916 à sua tia Anica, já o autor afirmava: “Aí por fins de Março comecei a ser médium. Imagina !... Comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa, de noite, tendo vindo da Brasileira (cafeteria), quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa caneta e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei pelo facto de que tinha tido esse impulso... De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo”.
E, mais adiante, na mesma carta: “Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades, não só de médium escrevente mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam a visão astral, e também a chamada visão etérica... Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente bocados de visão etérica – em que vejo a aura magnética de algumas pessoas, e, sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-me das mãos. Não é alucinação porque o que eu vejo outros vêem-no... A visão astral está muito mais imperfeita. Mas, às vezes, de noite, fecho os olhos e há uma sucessão de pequenos quadros, muito rápidos, muito nítidos (tão nítidos como qualquer coisa no mundo exterior)... E há - o que é uma sensação muito curiosa – por vezes o sentir-me de repente pertença de qualquer outra coisa. O meu braço direito, por exemplo, começa a ser-me levantado no ar sem eu o querer. (É claro que posso resistir, mas o fato é que não o quis levantar nessa ocasião). Outras vezes sou feito cair para um lado, como se estivesse magnetizado, etc... Não sei se realmente julgará que estou doido. Creio que não. Estas coisas são anormais sim, mas não antinaturais”.
- trechos do livro À janela da vida, do médico e escritor português Luís Portela, Edições Asa, Lisboa, 1997, p. 160 a 162.