Exu

[Chagas Botelho]

Partimos para o Exu, cemitério onde os nossos entes queridos estavam sepultados, ainda no escuro, antes da aurora lívida levantar asas.

A caminhada no dia de finados se deu silenciosa, sorumbática, afinal, íamos ao encontro daqueles de vozes já silenciadas. Daqueles que entornaram o vinho do sono eterno.

Pronto. O dia entrou. Eclodiu.

Meu pai e meus tios roçaram o entorno dos túmulos. Enquanto mamãe e minhas tias limpavam as lápides com panos úmidos e laváveis. A sujeira mórbida, então, aos poucos, diluía-se.

Depois, todos se ajoelharam e com seus rosários entre as falanges, rezavam orações aos mortos para em seguida entoarem cânticos melancólicos.

Mas ninguém chorava. A morte é uma ponte.

Com o sol alto e com o rito fúnebre consumado, voltamos à terra dos homens vivos.

No retorno, em pés frutíferos e enfileirados, eu colhia pitombas, oitis e criolis. Enchia os bolsos com esses frutos que tinha sabor de infância.

No bairro São Cristóvão, na saída do Exu, a vida exasperava-se. Os bares tocavam seus defuntos, "𝒔𝒊𝒏𝒕𝒐 𝒂 𝒄𝒓𝒖𝒛 𝒒𝒖𝒆 𝒄𝒂𝒓𝒓𝒆𝒈𝒐 𝒃𝒂𝒔𝒕𝒂𝒏𝒕𝒆 𝒑𝒆𝒔𝒂𝒅𝒂", esse mesmo verso que acabara de ser exumado, eu cantava baixinho, em suspiros vindos da alma inocente.