Estranho monólogo
Por Antônio Francisco Sousa Em: 31/01/2005, às 22H00
ESTRANHO MONÓLOGO
Que amor é esse que você me diz devotar? Que me tira da beatitude e da comodidade do lar, do aconchego dos amigos e me lança às feras, apenas para atender a um capricho, um desejo fruto de seu mais profundo e abjeto egoísmo? Que ignora minha incipiência, inexperiência, mesmo despreparo, na arte da incoerência, da intolerância, da dissimulação e dos conchavos? Que me atiça uma fúria que eu supunha não possuir? Que implanta em mim, com violência, um ódio que eu não queria ter? Que me ilude com palavras e promessas vãs, na esperança de que elas me afaguem o ego?
Que amor é esse que você me tem? Que coloca em minha boca expressões tão sujas que jamais me imaginaria pronunciando-as? Que macula meus pensamentos com idéias ignóbeis, mentirosas e estapafúrdias? Que estupra meus sentimentos? Que me expõe por inteiro à ira das pessoas, inclusive das que tomava por conselheiras? Que me submete ao crivo da opinião alheia no tocante a facetas muito peculiares de minha personalidade e que julgava inquestionáveis?
Que paixão é essa por essa coisa que não sou eu nem é o lado de mim de que mais gosto, mas o que sua tosca e inexaurível ambição crê possa ser convertido em plausível realidade? Que decepção! De minha parte não há como negar que me sinto o mais infeliz dos seres. Não há como deixar de entender que essa sua equivocada forma de amar vem demonstrando, inequivocamente, que você me vê e toma por um joguete, alguém que faz tudo para que se sinta a maior, a mais poderosa e querida das criaturas; uma como nenhuma.
Quanta desilusão! Como foi fácil me decepcionar depois de tanto tempo, em tão pouco tempo! Nesse rápido ínterim, fez-me enxergar o que me havia escapado do raio de visão e percepção durante anos. Por que não havia visto nem percebido, antes, esse seu lado mesquinho, pequeno e sórdido, mas que se dilata e, quando assim o faz, age como um câncer em metástase, consumindo-lhe caráter, brio e respeito?
Será que algum dia poderá reparar todo mal que me causou? Você me usou, tantas vezes, hipocritamente, como alicerce ou base de uma edificação fantasiosa. Noutras ocasiões, como massa de manobra. Em todas elas, utilizando-se de sua ganância, incompetência, demagogia, a da incrível capacidade de cegar diante do que se lhe descortinava a um palmo do nariz e dos olhos. Como contrapartida, talvez divina, em muitas oportunidades, servi, enquanto instrumento de Deus, não como uma escada por onde você pudesse subir, mas pela qual desceu a lugares que jamais imaginava existirem.
Obrigo-me a dizer que gostaria de acompanhar o processo de consumação da estranha dicotomia que é essa sua mania de amar, a fim de conferir se, ao final, você se transformaria numa pessoa menos ufanista, mais realista e verdadeira. Ah! Se o Todo-Poderoso me desse forças para resistir à amargura de que meu coração vem se enchendo e que, por certo, num transbordo, me matará, eu ainda Lhe pediria que livrasse sua alma da obtusidade que a assola, inclusive e, principalmente, nos momentos de maior calmaria.
Você está matando em mim a exagerada alegria de viver que eu tinha; mormente, quando declara, levianamente, que me ama. Que amor é esse?
Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal
Antônio Francisco Sousa, batizado Antônio Francisco das Chagas Sousa, nasceu em Piracuruca – Pi, em 24.10.1956, é Auditor Fiscal da Receita Federal em Teresina – Pi.
Livros escritos: CRÔNICAS ECUMÊNICAS, O ÚLTIMO EMPREGADO, NEM SONHO NEM REALIDADE: FUTURO? e o Livreto (plaqueta) MONÓLOGO DA CRIAÇÃO.
Também participa das Coletâneas/Antologias: Terra Brasilis: 500 anos de Amor ao Brasil, da Litteris Editora e Coletânea Ilustrada de Escritores.
Regularmente, colabora com os Jornais: O DIA, MEIO NORTE e DIÁRIO DO POVO; além da Revista De Repente e, ultimamente, do portal (Revista Eletrônica) Entre-Textos, do professor Dílson Lages.