ESTILO, RESENHA E ENSAIO
Por Cunha e Silva Filho Em: 06/02/2024, às 18H42
Estilo, resenha, ensaio (texto ampliado e refundido)
Cunha e Silva Filho
Não sei se algum leitor ou leitores que gostem de ler ensaios literários já perceberam que atualmente o que se tem visto nas resenhas publicadas em jornais conhecidos, como o antigo Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo e O Globo, embora sejam escritas com seriedade, conhecimento do assunto e revelando boa apreensão das principais ideias do tema das obras lidas e naquela síntese necessária à natureza de uma resenha, é uma certa equalização de estilo literário, uma forma-padrão de organização do pensamento.
No tempo desta escrita. 2012, era esta a minha visão sobre o tema em questão. Infelizmente, daquela época para cá, tenho sempre lido resenhas de grandes jornais , sem, no entanto, investigar se aquela visão de há doze anos ainda seria válida nos tempos atuais. Teria que construir um corpus teórico a fim de tirar minha conclusões de forma atualizada, o que demandaria um esforço acadêmico tendo em vista que , nos tempos mais recuados, a resenha era praticada geralmente por críticos literários em rodapés de jornais de grande circulação no país. Hoje em dia, num espectro mais amplo, as resenhas são escritas por professores universitários ou jornalistas.
Tal uniformização estilística me parece digna de comentário, visto que o problema que, em tal situação aí se cria muito tem a ver com a falta de estilo, e esta não me parece boa pra o bom nível do ensaísmo entre nós. Afinal, de contas a resenha está a um passo do ensaio acadêmico. A diferença entre ela e o ensaio de maior fôlego reside no aparelhamento sofisticado da fôrma de gênero literário chamado ensaio.
Ora, o que se tem como pressuposição é que a escrita ensaística, a meu ver se deve destacar, como traço fundamental, pela originalidade, pela diferença de estilos,o que faz com que, ao se ler um trabalho acadêmico, ou mesmo uma boa resenha, nele ou nela se perceba logo a marca do autor na formulação de sua estrutura sintático-estilística. Citemos, para ilustrar, ensaístas já mais antigos ou mesmo menos antigos, como Alceu Amoroso Lima, Agripino Greiico Álvaro Lins, Afrânio Coutinho, Sérgio Buarque de Hollanda, Antonio Candido, Eduardo Portella, Luís Costa Lima , Fábio Lucas, Roberto Schwarz, Davi Arrigucci Jr., Alfredo Bosi, Massaud Moisés. José Guilherme Merquior, para não alongar a lista, que é grande e, em geral, de boa ou ótima qualidade.
Todos os autores acima mencionados, separadamente, se distinguem por uma forma de linguagem acadêmica que, se omitissem os seus nomes das suas obras, um leitor inteligente e bem lido seria capaz de identificar cada um deles. E por quê? Porque cada um escreve segundo a sua forma de estruturação da linguagem, do seu estilo, em suma, da sua maneira singular de analisar obras e de as interpretar.
É claro que não estou pensando na especificidade da linha ou corrente de seu pensamento crítico. Falo do velho conceito de estilo há tempos proclamado por Buffon (1707-1788): “o estilo é o homem, ” preceito que vi citado, pela primeira vez, numa gramática de Eduardo Carlos Pereira, da Companhia Editora Nacional (São Paulo) umas das melhores da época.
Essa individualidade que encontro em tais ensaístas e críticos é o que aqui me interessa como fator determinante de diferenciação de um estilo de escrita para outro. Nem falo de valorização estética na expressão do seu pensamento crítico-teórico. Falo da peculiar forma de uso da linguagem, da inconfundibilidade de forjar o pensamento analítico de cada um. Falo, em suma, do ato de escrever, que deveria, na sua forma ideal pelo menos, um ato identificatório graças aos traços distintivos entre a linguagem literária de cada ensaísta ou crítico.
É essa ausência de particularidade diferenciadora que me preocupa quando leio resenhas ou mesmo ensaios na atualidade. Será que se dá aqui o fenômeno da indiferenciação no modo de escrever da chamada pós-modernidade.? Será que os jovens e muitas vezes talentosos ensaístas de hoje sofrem de uma padronização insossa e álgida na formulação do sua escrita? Isso não é bom para o ensaísmo nem para os estudos literários.
Será tal fenômeno algo que ocorre subconscientemente na comunicação ensaística a esta altura do progresso humano e tecnológico? Não estamos nos tornando demasiadamente iguais como produto de uma época que tende a uma forma globalizada de comportamentos e hábitos que já se fazem sentir nesta primeira década do século 21?
Não estou de modo algum advogando nem a clareza rasa do pensamento crítico nem tampouco a obscuridade, o estilo cifrado, “em espiral” conforme definiu, com alguma ironia, um colega meu e professor universitário. que, por sinal, se poderia encontrar em algum crítico acima citado. O que proporia seria uma saída para uma retomada da originalidade na construção estilístico-formal do crítico, ainda que fosse para encontrar bons modelos na crítica passada, excluindo obviamente o estilo terrivelmente arrevesado e pesado de José Veríssimo (1857-1916).
Seria digno de acentuar que, há uma certa parcela de ensaísmo de autores mais novos que não primam pela clareza e sim por uma linguagem de um escrita, diria, opaca, mesmo cifrada, até para quem é do meio acadêmico universitário. Para mim, o caminho mais maleável ou mais acertado seria que os mais novos pudessem escrever com mais nível de entendimento mesmo em se tratando de ensaio ou crítica oriunda do meio universitário.
Não vejo bem para o ensaísmo atual essa uniformidade de estilo de escrita que, além do mais, não prima por um traço singularizador e que me encanta como leitor de ensaio, que é o estilo de escrita idiossincrático, o qual, na sua objetividade de análise e interpretação das obras, deixe perceber uma espécie de alma na escrita, permeada de humanidade na exposição das ideias, no palpitar sensível do pensamento que, na sua subtextualidade, faça vibrar, junto ao leitor, uma visão da obra na qual não se ausente o sentimento e a cosmovisão do escritor que do seu texto se desentranha.
Uma vez, mostrei a um colega de concurso um antigo meu escrito há muito tempo. Nós ambos fazíamos um concurso de provas ao mestrado de uma universidade pública A resposta que me deu foi a mais preconceituosa e ignorante possível: “Mas neste artigo V. não aprofunda o tema tratado, não o fundamenta com base teórica nem bibliografia atualizada.
Seria ele mais um afeiçoado, entre tantos, ao que pensava ser profundo, i.e., o que é um estilo claro, caracterizado pela clarté dos franceses e sem a falácia retórica modernosa de ilusionismo crítico. Para ele escrever “difícil” seria sinal de texto denso, profundo, original e de alto ensaísmo.
Não percebeu o meu colega que o meu artigo era apenas uma “apreciação” de um “”tema” caro a Machado de Assis - a morte -, do qual tratei no meu velho artigo publicado em jornal de Teresina. “As “apreciações” era lexema muito caro aos trabalhos literários exigidos pelo meu ilustre e talentoso professor de literatura luso-brasileira do curso científico no Liceu Piauiense, A. Tito Filho (1924-1992), talvez o maior cronista do Piauí de todos os tempos, também jornalista de primeira linha e estudioso de lexicografia). O melhor de tudo era que o cronista-mor piauiense corrigia mesmo os trabalhos e os devolvia sem delongas e era muito exigente. Suas aulas encantavam os alunos pelo brilho e facilidade de expressar-se e pelo poder de sua oratória.Eram aulas-palestra.