Espelho de amor e verdade
Por Chagas Botelho Em: 11/10/2024, às 16H24
[Chagas Botelho]
Cantava quando ficava diante espelho
[objeto afetuoso e decorativo
circundado de madeira antiga e envernizada.
Parecia ter sido herdado.
Sim, agora me lembro:
na minha casa havia um espólio de cacarecos
Prendia-me por segundos, minutos, às vezes, horas
Ah o mundo degringolando, e eu ali, com imagem refletida
à cata de um sonho: cantar.
O microfone - uma escova de pentear cabelo
Balançava o pescoço para cá e para lá
Apenas doze anos, sem pelo algum
Nem nas axilas e nem na virilha
Imberbe e ainda sendo arremedo de cantor
Que sucesso teria na vida?
“𝗩𝗼𝗰𝗲̂ 𝗲́ 𝗺𝗲𝘂 𝗰𝗲́𝘂,
𝗲́ 𝗺𝗶𝗻𝗵𝗮 𝘃𝗶𝗱𝗮 𝗺𝗲𝘂 𝗽𝗲𝘀𝗼,
𝗺𝗶𝗻𝗵𝗮 𝗺𝗲𝗱𝗶𝗱𝗮
𝗺𝗲𝘂 𝗰𝗼𝗳𝗿𝗶𝗻𝗵𝗼 𝗱𝗲 𝗮𝗺𝗼𝗿”
Cantava esses versos doloridos
Num desejo surdo-mudo
[ que gritava em meu peito
na ânsia de querer cantar
O tempo passou como se passa um supersônico
e o sonho de ser cantor dobrou em outra esquina
tornou-se perecível
Mas o espelho continua intacto e inerte na sala de estar
[ agora, sem a condição pretérita
a testemunhar a minha expressão embalsamada