ESPECIAL - DEZ INÉDITOS DE LUCAS VILLA
Em: 02/06/2006, às 11H44
6/2/2006 2:44:10 PM
CAFÉINE-NICOTINE
tu queres não e tu também não
e o poetalquimista olhava de lado
o falso
poeta
o falso
profeta
sobre a manada de automóveis
sob a revoada de aeroplanos
l’imposteur
sabia que o hidromel era verde
e colhido de bocas
de fadas
nada de cabra heidrum
je ne veux pás et toi moi non plus
e o poetalquimista olhava de lado
a vaca audumbla lambelambendo
a barra de gelo
a terra enorme de gelo
derretendo
na saliva
dissolvendo
fazendo surgir do branco
minha cabeça
e minha boca que observa
que ávida vê apontando
na ponta de um cachimbo
fumaça cheirosa de xícara
mercurius contemporaneus moysi
e tudo tão mais verde
que o sol
e tudo tão mais verde
que o céu
quase desaba
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CANTAR O QUÊ?
Dezembro, em dez capítulos aberto,
Derrama à cama a calma em que mergulho.
Mas e se, nesta lua que Perséfone
Hoje me cospe às mãos, outra figura
Já tiver rubricado nas crateras?
E se, talvez mirando leopardos
Inside the silver apple of the moon,
Tiver cantado todos os cantares
E não restar a mim cantar algum?
Teria nesta linha
Algo que não definha?
Teria esta poesia
Alguma serventia?
e se eu metesse
em teu ouvido
o meu segredo?
e se tocasse
aquela música?
e se eu te desse
uns dez minutos
p’ra demolir
a minha vida
ou inventá-la?
e se eu tocasse
aquela música
e te enfiasse
o meu segredo?
tu me destruirias?
helena
irmã de pollux
filha
de leda
(aquela mesma lá
que já cantaram com
o cisne)
foi cantada
pelo cego
um outro
mais
louco
celebrou mulheres
em três cidades
mas foi tudo a mesma coisa
e então cantou do sol
(sabe-se lá era o dele
qve sol
como sabe-se lá o qve é noigandres
como sabe-se lá qvase tvdo
qve ele
traz
mas fica a lição
sobre cantar mvlheres)
uma
alcatéia
de gente
enganada
acho que ele enganou
até a mim
o certo
é que nestes
tempos
é difícil saber
ao certo
o que cantar
sem que se ofenda um vivo ou um morto
venire
venire que te acolho com tintas e notas
venire
contra factum
que talvez eu te acolha com penas e plumas
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AURORA
tu vais colhendo
certas palavras
em certos lugares
e pondo tudo em um lugar
certo
fogo da fruta
que queima a garganta
mas que o estomago amacia
amolece
depois dormindo na varanda acesa
vais semeando as cores sem colher o dia
e desfolhar
o galho
umedecido (como um bicho
no buraco) tu
te sacodes no azul
vendo nascer
luzes
das tuas vísceras
é tempo de tomar
um trem a outro lugar
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SARAU
ouvidos ávidos
declama
declama
e bocas de madressilvas
e damas da noite
Marromecanicarne de cavalo
Prenhe de guerrilheiros, sanguegotas
Manchando o leito de Sardanapalo.
Ares aos ares, vestes boquirrotas
Ao vento levadas
Em saias rodadas.
olhos cinzacinzentos
declama
declama
e as mãos buscando
as semibreves no ar
declama
declama
a voz abemolada
declama
declama
a sustenida voz
das damas da noite
Descendo da canoa, moedas entregues,
Três crânios cinocéfalos espreitam.
Édipo, broches para que te cegues,
Tirésias, brancas íris não rejeitam
A amarguragura
Alada e sem cura.
narizpeludos inflados
como o pavão
infla a penugem
declama
declama
mostrando-se às fêmeas
declama
declama
Era isso. Acabou.
oh e palmas
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BEM ME QUER
a criança de vidro
talvez
um filho
meu que
não tive
talvez
filho
que alguém
abortou
brincava
despetalando a cauda
de um pavão
mal me quer
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O OBTENEBRADOR
o intestino explode
bomba de sombra
sujando de sangue
e de fezes
algum destino
bomba relógio
que fatalidade meu pai
que fatalidade
a sombra
onde houver luz ela está
onde houver luz ela assombra
ela a sombra
há sombra
onde houver luz
há sombra
Vamos ao mar, ao vento a vela içada,
Nau transbordando de guerreiros pardos,
Todo desejo em Ítaca sonhada
E às costas cada qual leva seus fardos.
O verdemuco das ondas batendo,
Manchando o casco corado da nave,
Ilha de Circe, as areias volvendo
Na clara escuma que as toca, suave.
Desejo: achar Penélope.
Destino: achar Ciclope.
odisseu
(or maybe
leopold bloom)
o anão
de barbas
brancas
colhe do canto da parede
um fiapo
de sombra
enquanto há luz
mete-o na fechadura
abre-se
a porta
antes
que a escuridão engula o corredor
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ENCÍCLICA DE ANO NOVO
afastar o maldito
dos versos
o belo tenebroso
homem
de têmporas prateadas
há muito já morreu
deixar de beijar
a lepra
e de rolar abraçando
os leprosos
na areia das larvas
usar a folha
toda
analisar caligramas
valorizar o espaço
em branco
desaprender a arte
de jogar às traças toda gravata
que se quiser vestir
iluminar
a noite
limpar
as letras
desapaixoná-las e enxugá-las com distanciamento
esquecer
o ponto
e a grandeza dos maiúsculos
assassinar o eu lírico (há muito
já morto) enterrá-lo escondido
jamais remexer
seus ossários
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CAPUT NON EST CORPUS
culto do corpo
os bíceps os tríceps
dos tricerátops raivosos
as ancas redondas
e as duas dunas duras de areia molhada
culto do corpo
ferros ao alto
cabeça não é corpo
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O FANTASMA DO TÉDIO
Certa noite apresentou-se a mim
O Fantasma do Tédio.
Vê bem, não era um tédio vulgar,
Um tédio qualquer -
Era o Tédio Blasé, o Tédio Spleen
(Dele já mo falara o Byron).
Vestia-se elegante, meio dândi,
Sofisticado e mesmo diletante
Num terno grafite.
Ele me olhou, com olhos de cinza,
Abriu vermelha boca e disse
Que não me beijaria,
P´ra não gastar batom,
Mas que isso não significava
Que ele me amasse menos.
Desde essa noite amei-o também,
Num desses amores tranqüilos,
Platônicos e sem beijos.
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CAVALOS E EU
Ah! Se o grito do galo se tornasse pedra,
Daquelas que se pode prender sobre as portas,
Tudo seria calma, leveza
E lentidão. No entanto
Cavalos e Eu vamos velozes
Em velado galope cruzando a avenida.
Tardando, o trote toca o tempo
De amanhecer.
É tudo tão urgente...
Geral para o curso de Direito da FAP), poeta e escritor. Autor dos livros
de poesia "Considerações de um Próton" e "Visceratika", publicados pela editora
da Universidade Federal do Piauí.