Entrevista concedida por Cunha e Silva Filho ao escritor piauiense Elmar Carvalho, via Internet, em 01/08/2010. A entrevista foi postada nos Blogs daquele escritor.

DECÁLOGO

Estas mesmas dez perguntas serão formuladas a diferentes escritores e publicadas com as respectivas respostas em vários sites e blogs da grande rede. Esclareço que nada pretendo demonstrar ou provar com este questionário.

1 – Como e quando foi o seu início como leitor de literatura?

Tentarei alcançar o fio da memória que me leve com certa precisão aos onze anos de idade, tempo em que era aluno do “Domício,” nome carinhoso pelo qual chamávamos, em Teresina, o Ginásio “Des. Antônio Costa”. Isso era nos idos de 1954 para 55 do século passado.Não se pense que eu seja tão velho, sou de dezembro de 1945,. Mas, é que o século 20 ( à maneira de Antonio Candido) só terminou há dez anos, o que nos faz ainda muito ligados a ele, não é? Presumo que o meu contato inicial com o exercício da escrita se deu justamente com o Prof. Domício Melo Magalhães, pessoa encantadora, bonachão, contador de piadas. Era ele quem cuidava da parte de português no curso de Exame de Admissão ao ginásio. Me recordo que costumava pendurar, no quadro-negro (era negro mesmo naquele tempo, hoje é verde, tudo muda!), uma gravura de papel grosso e liso, que desenrolava de um canudo onde havia várias situações contextualizando temas para descrições. Não me lembro que incluísse o gênero narrativo. Isso, contudo, foi o primeiro ponto de referência que me chamava a atenção para a visualidade dos objetos, pessoas, plantas, animais, cores, dimensões, formas e movimentos “congelados” como nas fotografias e na pintura clássica, afora pormenores, perspectivas e, sobretudo, o aspecto pictórico das paisagens e das situações humanas que se mostravam ao olhar do aluno.

Quanto ao meu início como leitor, acredito que vou localizá-lo já como aluno da primeira série ginasial, período em que tomo contato com os livros didáticos de José Cretella Júnior, de Enéas Martins de Barros. Devo imensamente aos livros didáticos, com seus textos antológicos que me ensinaram sobre a vida e os homens, sobre o que entendo por sensibilidade poética. Os livros didáticos foram o meu grande passo em direção às obras literárias. Infelizmente, como outras crianças, não fui iniciado na chamada literatura infantil de Monteiro Lobato, pois, no acervo de meu pai, só havia uma obra dele, Urupês. Sinto inveja de quem leu Lobato ainda criança Na biblioteca de meu pai só havia o Lobato para adultos. Não tenho dúvida de que neles os livros didáticos -, me despertei para o luminoso e mágico universo literário, tanto na poesia quanto na ficção. Um professor de português que tive no Domício nos pedia que memorizássemos poemas. A mim coube um soneto de Bilac, “A pátria,” que não mais sei de memória.

2 – Como e quando começou a sua atividade literária?

É preciso fazer aqui uma distinção. Confesso, sem falsa modéstia, que primeiro me senti pronto a escrever pra mim mesmo. Quando morava na casa da Rua Arlindo Nogueira, zona sul, esquina com a Rua São Pedro, bem pertinho onde morava o meu coetâneo Herculano Moraes, iniciei os meus primeiros passos na arte da escrita .Comprei um caderno de algumas páginas, não muitas, e fiz um planejamento de temas para desenvolver como exercício de redação: a pátria, o estudante, o amor, a paz, a vida, os livros, os estudos, a felicidade e assim por diante . Não é que me desincumbi deles todos. Só tinha um leitor: eu mesmo. Nem mostrei a ninguém. Tampouco sei do destino do caderno.

No entanto, a minha atividade literária impressa, pública, se deu em jornais, conduzido que fui pela mão de me pai, jornalista político de muito talento e homem profundamente amante da literatura. Assim, minha “estreia” se deu com a publicação em jornal de um artigo sobre o Dia do Estudante. Foi grande a minha alegria em vê-lo estampado em jornal. Meu pai gostou do artigo e me corrigiu apenas dois erros de gramática, erros, aliás, não muito sérios. Daí em diante – eu estava com apenas uns quinze ou dezesseis anos – escrevi mais alguns artigos, uns contos (?) depois, umas duas ou três traduções do inglês e francês. Só me lembro de que, posteriormente, já no científico, a maior parte dos meus artigos versavam sobre literatura brasileira. Naturalmente, eram “exercícios ” ou tentativas de fazer “apreciações” sobre movimentos literários, sobre autores e livros. Houve outras tentativas de fazer ficção.Contudo, gostava mesmo era desses artigos sobre livros e temas literarios. Acho que aí nasceu o meu interesse sério pela atividade crítica. Papai , de vez em quando, me informava que colegas dele, intelectuais de peso, gostavam de meus artigos, com A.Tito Filho, Darcy Fontenele, Simplício Mendes., mais tarde, Wilson Brandão, Isso só me reforçou o desejo de continuar escrevendo.

3 – Teve influências literárias? Se teve, quais foram essas influências?

Li autores diversos, brasileiros, portugueses e estrangeiros em traduções. Aliás, li tudo que me chamava a atenção. Até gibis, fotonovelas, a revista O Cruzeiro. Não lia muito jornal na íntegra. Lia só o que me interessava. Ao mesmo tempo, me preparava, praticamente sozinho, a golpes de dicionários (como diria José de Alencar), em manuais da biblioteca de papai, em línguas, francês, inglês e espanhol, um pouco de latim. Queria me preparar pra atividade de crítica literária. Sentia que era o meu caminho e onde me achava mais confortável intelectualmente. Papai me incentivava. Sempre, até a morte, em 1990.

Acredito que tudo que li, principalmente de autores brasileiros, desde Rui Barbosa, José de Alencar, Humberto de Campos, Coelho Neto, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Machado de Assis e tantos e tantos outros autores, mais em ficção do que em poesia, pois me aproximei da leitura poética, de forma cerrada, só mais tarde, na universidade.

Só sei que sempre me preparei para a atividade crítica e ensaística. E nunca parei. E, por falar em crítica, acredito que a leitura dos grandes críticos brasileiros, do passado e do presente, Ronald de Carvalho, José Veríssimo, Sílvio Romero, Afrânio Peixoto, Agripino Grieco, Álvaro Lins, Afrânio Coutinho, José Maria Bello, Brito Broca, Tristão de Athayde, e, depois, Antonio Candido, Fábio Lucas, Roberto Schwarz, Eduardo Portella, Olívio Montenegro, Temístocles Linhares, Davi Arrigucci, sem falar nos estrangeiros, como os formalistas russos, os críticos do “New criticism”, e de outras correntes contemporâneas . Um parêntese: esta lista de críticos sai assim de improviso. .

4 – Qual o fato mais marcante de sua carreira literária?

Foi quando, em 1996, lancei meu primeiro livro, Da Costa e Silva: uma leitura da saudade, na Academia Piauiense de Letras..

5 – Como conseguiu editar seus livros?

Não tenho por que negar: foi graças ao apoio que recebi do Embaixador Alberto da Costa e Silva que, com a colaboração de alguns membros da APL, conseguiu editar meu ensaio num convênio da APL com a UFPI.

6 – Qual o principal livro e qual o principal texto (conto, crônica, poema, ensaio etc.) de sua autoria?

É uma pergunta inteligente mas difícil de ser respondida por um autor. Eu tenho um carinho geral por tudo que escrevo, já que o faço pensando em contribuir de alguma forma para este fluir da história literária. Penso ainda que escrevo em defesa do Homem e da Natureza. Por isso, me exponho, não me importando com a repercussão que tenha, positiva ou negativamente. Não tenho medo das minhas limitações no campo das letras. De uma coisa esteja certo, escrever já faz parte da minha vida, da minha índole, da minhas constituição psicológica e principalmente do meu intelecto. O resto é silêncio, conforme diz belamente aquele livro de Érico Veríssimo.

7 – Os órgãos oficiais de cultura do Piauí tem cumprido sua finalidade, no tocante à literatura? Comente.

Em parte, sim. Devo, entretanto, dizer que há muitas falhas no que respeita a eleições de obras que são publicadas, aí mesmo no Piauí. Persistem certas igrejinhas camufladas, e isso me desagrada profundamente.

8 – Em relação ao Brasil, que diria da Literatura Piauiense?

Em meus artigos e ensaios, tenho provado que a literatura que se faz atualmente no Piauí merece aplausos. Há um florescimento de muitos autores, nos diversos gêneros jovens e brilhantes, que não voou citar porque não quero cometer o erro crasso das omissões dos etcs. de Raquel de Queiroz.. Também me cabe declarar que ainda não se fez um amplo estudo crítico ou historiográfico que faça justiça não só aos bons autores do passado quanto aos da contemporaneidade. A historiografia piauiense é escassa em número de cultores. Faço votos que essa realidade mude em médio prazo, de vez que o tempo urge e a vida é breve, e os autores, conquanto jovens, também são mortais.

9 – Que importância atribui à internet na divulgação literária?

A Internet veio pra ficar. Tem defeitos, é claro. Sabendo usá-la pro bem, é um instrumento valiosíssimo dos tempos atuais Foi , depois, da Imprensa, a maior revelação dos meios de comunicação. Graças à Internet, todos ficaram mais conhecidos e divulgados. É um auxiliar ímpar do escritor e do pesquisador. Louvemos esse prodígio da pós-modernidade.

10 – Como e por que se fez literato?

Me perdoe, mas não gosto muito do termo” literato” Me parece algo antigo. Prefiro, à falta de melhor termo, simplesmente a designação de “escritor”.

Suponho que me tornei escritor, ou melhor, crítico, ensaísta ou cronista, por gosto, por prazer, por inclinação, componentes que muito foram estimulados pelo ambiente lá na casa de meus pais, junto de meus irmãos, alguns do quais também muito chegados às letras, ao amor aos livros, à cultura, ao conhecimento das áreas humanas, da vida artística. Respirava-se livro por toda a parte e com constância. Tenho um irmão que é um escultor de muito talento, o Winston. A minha irmã Sônia foi muito ligada, tempos atrás, ao cinema. O meu irmão Evandro , à poesia e ficção, o meu irmão Emílio, já falecido, à pintura e poesia. Meu pai ele próprio, fez poesia e, bissextamente, ficção e apreciação crítica.. Pena é que meus irmãos não quiseram dar continuidade a essa tendência familiar para as letras, que vem do lado de meu pai.Da minha mãe, que tinha talento para o desenho, veio a herança plástica, o vigor pictórico, as mãos hábeis, inclusive para os bordados.

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