ENTREVISTA COM ROSIDELMA FRAGA POR SORAIA NASCIMENTO
Por Rosidelma Fraga Em: 08/07/2018, às 20H20
Esta entrevista teve como objetivo conhecer e divulgar os escritores da literatura em Roraima no curso de Especialização em Língua Portuguesa e Literatura, na disciplina Literatura em Roraima: poesia e memória, ministrada pela Profa. Dra. Carmem Spotti. E frente a isso, uma das autoras entrevistadas para produção de artigos foi a mato-grossense que produz literatura em Roraima, Rosidelma Fraga.
Profa. Soraia Nascimento
(Acadêmica da Especialização em Língua Portuguesa, na UERR.).
1. Quanto tempo vive em Roraima? E por que escolheu este lugar para morar?
RF: Vivo em Roraima há quatro anos. Sabia que Roraima existia nas aulas de Geografia, mas para mim era apenas um lugar no mapa do Brasil. Nunca tinha cogitado viver “no fim do mundo” como muitos dizem. O certo é que o meu lugar na academia me trouxe para cá. Muitos colegas que faziam doutorado na USP, UNESP e outras instituições conceituadas imigraram para Roraima. Ocorre que os professores de literatura que defendem a área com paixão e não mudam de linha de atuação são quase todos da minha idade de carreira profissional (12 anos) e não há vagas em concurso específico de literatura. Quando eu era mestre cansei de ficar em segundo lugar em concurso concorrendo com doutor porque (na época) não tinha título de doutor. Quando era especialista (em 2006), fiz um concurso público para professor de literatura na UNEMAT e não passei em primeiro lugar concorrendo com mais de 60 doutores porque não tinha doutorado. Isso foi me estarrecendo porque eu sempre fui leitora e chegou um ponto que o título parecia ser mais importante que ler e escrever bem. Foi então que pensei, vou fazer doutorado e pós-doutorado e onde “tiver sol, é pra lá que eu vou”. Não queria ficar dez anos como professora substituta em federal. Quase no final de meu doutorado fui aprovada para a Unifap, Ufac, Ufg e UERR. Aqui tinham duas vagas para literatura e o concurso era “a minha cara”. Enfim, tomei posse em RR e Roraima se apossou de mim (risos). Eu fui acomodada no coração das pessoas e elas foram se aconchegando em mim. Hoje estou muito feliz porque eu não conhecia a riqueza cultural que é Roraima, sem contar que aqui eu sinto como se estivesse morando no exterior com brasileiros de todos os estados. Isso é fantástico. Quando eu cheguei, meus alunos apaixonaram por literatura. Consegui fazer 17 alunos pesquisarem literatura no primeiro ano que assumi, e fui ficando. Cada vez mais a literatura me amarra aqui. Sinceramente, entre ser professora de literatura na UERR e ser uma professora frustrada (fora de área) numa UFMG eu fico aqui. Resumindo, a fome e a vontade de comer me convenceram a viver em Roraima. E a literatura e o erotismo ajudaram-me a casar aqui também. Foi por meio de uma declamação de um poema meu que conheci meu marido atual em Roraima, e por coincidência ambos de Mato Grosso. Olhe que incrível!
2. Como poeta, faz uso de nome fictício?
RF: Só uso pseudônimo em concursos literários. Mas nas publicações eu sou eu mesma.
3. Teve algum tipo de influência familiar para escrever? Ou teve influência de algum familiar?
RF: Talvez meu pai tenha me influenciado comprando livros na infância e declamando poesia em casa. Mas escrever veio de um impulso escolar. Quando tinha concurso de redação na escola, eu sempre concorria e ganhava. Quis ser escritora, mas nem sabia os caminhos. Escrevia poemas e cartas para minhas colegas mandarem para os namorados. Eu era tímida e muito assediada com as palavras. Eu adorava escrever para os outros fingindo ser outra pessoa, até descobrir que não podia me vender mais. Escondi tudo. E na graduação tirei da gaveta ao receber incentivo de meus professores de literatura. Ganhei prêmios em uns 10 concursos e fui publicando. Eu tinha 4 livros. Selecionei uns poemas e uns contos para dois livros Poiesis em verso e prosa que decidi publicar em volume único. Quando lancei este livro vendi tudo. Mudando para Roraima publiquei Cantares de amor e vendi quase tudo tanto aqui como em MT, porque deixei na livraria e sempre levava nos eventos acadêmicos e vendia para amigos. O meu livro de crítica literária “Convergências e tessituras” vendi tudo para um vendedor de sebo e foi bom porque vejo muitas pessoas citando minha obra em outros lugares do país. Na época, eu vendi por 25 reais. Hoje encontrei no mercado livre por oitenta e cinco reais. Tenho um livro guardado que se chama O menino Manoel (literatura infantil) que queria publicar ilustrado. Talvez faça um livro digital que não é o ideal. Se for impresso, teria que desembolsar uns 10 mil só para o ilustrador que é merecido, e mais a publicação do texto que seria mais uns cinco mil reais, sem contar nas explorações das editoras que lucram em cima do trabalho do autor que fica com os dez por cento de sua obra. E no forno da palavra tenho o livro AmoRamante que lançarei tão logo. E, na madrugada, posto rapidamente alguns poemas na Série Poemas Amorosos no site Recanto das Letras ou redes sociais, ou seja, nem tudo que escrevo vai para a o livro porque cada página custa dinheiro.
4. Teve alguma influência de escritores em suas obras?
RF: Todo poeta é antes de tudo leitor. Ser leitor é construir uma memória intertextual. Inevitavelmente todo escritor recebe influências. Nem Machado de Assis com sua genialidade conseguiu se livrar da influência. A minha maior influência na poesia é Fernando Pessoa, Drummond, e todos os poetas do erotismo e do amor que cantam temas universais. E na prosa dramática, eu sempre fui fascinada pela veia da dramaturgia de Nélson Rodrigues e Shakespeare. Gosto dos desencontros amorosos, das tragédias, dos assassinatos, das traições, dos adultérios e do amor dramático, etc, são temas universais que me interessam para escrever.
5. Você escreve artigos? Pode comentar sobre seus artigos?
RF: Escrever artigos científicos, ensaios e livros de crítica fazem parte de meu cotidiano como professora e pesquisadora. É inerente ao que faço. É natural. É uma obrigação que não deixa de ser tanto prazerosa como é a escritura artística porque nos artigos eu vou escrever sobre a arte da palavra. Os artigos nascem de uma reflexão de aula mesmo. Se eu for falar de tudo que escrevi, em extensão, já daria um livro maior que a Bíblia. Por exemplo, estou escrevendo hoje um artigo sobre “Mulheres negras silenciadas” para um evento internacional na UNB e outro artigo sobre “Letramento literário e a formação docente”. Então, surgindo a oportunidade, eu escrevo. Também escrevo apresentação e recomendação de obras literárias, críticas e denúcias na coluna Poiesis do Portal Entretextos, do romancista Dílson Lages, em Teresina, Piauí. Fiz um texto convidando a Presidente Dilma, o Aécio Neves e Marina para fazerem exame de mamografia em Roraima. O texto teve 16 mil leituras. Alguns me mandaram mensagens sugerindo tirar do ar por ser servidora pública do estado. Não tirei de pirraça porque eu queria denunciar mesmo a calamidade da saúde pública aqui, pois as mulheres ficavam esperando mais de quatro meses para um exame de prevenção ao câncer de mama e os aparelhos de mamografia viviam quebrados. Escrevo crítica sobre o descaso com a educação e as escolas sem merenda escolar, sem condições dignas e não tiro do ar nem pensar. Não podemos ser covardes diante de certas atitudes coronelistas, até porque não dependo de político para ser aprovada em concurso público e me sinto no direito e dever de meter a boca no trombone. Não conheço professor conformista. Eu não seria diferente. Enfim, eu escrevo sobre o que tenho vontade, não só literatura.
6. Algum livro tem segunda edição?
RF: Reeditei somente um livro Convergências e tessituras: Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e Corsino Fortes em pequenas tiragens só para atender a um número de pessoas interessadas.
7. Você escreveu Ensaio para suicídio, e agora José? E em qual obra ele está publicado? Como define esta narrativa?
RF: Ensaio para o suicídio, e agora José? trata-se de um conto que escrevi e retrata a tragédia de muitos casamentos ocasionada pelo ciúme, violência, submissão e resistência. O conto pinta a vivência de mulheres vítimas de todo tipo de violência, mas com tom de vingança e ironia popular, além dialogar com episódios de contos de Guimarães Rosa. No desfecho deste conto, a personagem principal, Dora, vítima de violência e tortura, ao tentar o suicídio em uma ponte é surpreendida por um homem cego, 12 anos mais jovem que ela, e ambos se apaixonam ao ouvir a música Travessia de Milton Nascimento que canta: “Eu não quero mais a morte. Tenho muito que viver. Vou querer amar de novo”. É um conto de libertação da mulher que fui e hoje sou. Quase uma autobiografia, mas preferi escrever em terceira pessoa como uma estratégia de psicanálise mesmo, isto é, com a intenção de transferir um fato real e angustiante para a ficção. É claro que muitas cenas eu inventei. É claro que nem tudo é verdade, mas representa uma verdade interna à narrativa e outra verdade externa que é a vida.
8. O que é ser escritor?
RF: Ser escritor é uma forma de não morrer. O homem morre, mas a obra permanece. Este é o grande legado de ser escritor, isto é, se tornar um imortal através de sua obra. Não tenho nenhum orgulho por ter feito Pós-doutorado, mas me sinto agraciada pela criação literária que independe de título e universidade. A minha maior glória é ser poeta e amar a música. O resto, já disse o Eclesiastes: “é tudo vaidade debaixo do sol”, pois também já registrou o narrador de Iracema: “tudo passa sobre a terra”. Portanto, creio que somente a arte perdura e permanece.
Biografia
Rosidelma Fraga é natural de Alto Araguaia – MT. Autora das obras Poiesis em verso e prosa, Cantares de amor, Convergências e tessituras, além de diversas antologias literárias. Professora, mãe, mulher militante em prol do combate ao preconceito e racismo. Recebeu vários prêmios de literatura, dentre eles: A importância de Machado de Assis no século XXI; A palavra na era da imagem; A importância dos livros no Brasil do século XXI, pela Academia Brasileira de Letras. Pesquisadora da obra de Manoel de Barros (Mestrado e Doutorado). Estudou as letras de músicas de Zeca Preto, Neuber Uchôa e Eliakin Rufino em sua recente pesquisa de Pós-Doc na UFRJ. Atualmente organiza sua recente obra AmoRamante, poemas de vertente erótica, efemeridades, e alguns haikais sobre o Amor.