Dylan e Brecht
Por Bráulio Tavares Em: 10/03/2012, às 19H26
[Bráulio Tavares]
Nas canções políticas, para dar um só exemplo basta comparar as 9 implacáveis estrofes de “A Infanticida Marie Farrar” de Brecht
“Marie Farrar, nascida em abril, menor
de idade, raquítica, sem sinais, órfã
até agora sem antecedentes, afirma
ter matado uma criança, da seguinte maneira:
diz que, com dois meses de gravidez
visitou uma mulher num subsolo
e recebeu, para abortar, uma injeção
que em nada adiantou, embora doesse.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados. (...)”
(tradução de Paulo César de Souza)
...com as quatro de “The Lonesome Death of Hattie Carroll (tradução minha):
“William Zanzinger matou a pobre Hattie Carroll
com uma bengala que floreava em seus dedos com anéis de diamante
numa reunião social num hotel de Boston
e a polícia veio, e tomou-lhe a arma
enquanto o levava sob custódia para a delegacia
e indiciou William Zanzinger por homicídio em primeiro grau;
mas vocês, que filosofam sobre a desgraça, e criticam todos os medos
afastem o lenço do rosto
porque ainda não é hora de chorar”.
A frieza jornalística do enunciado (transcrevi apenas a estrofe inicial de cada canção); o refrão repetitivo martelado sempre nas linhas finais, e a injustiça social clamorosa dos desfechos correm em paralelo, mostrando com clareza onde Dylan estava bebendo poesia aos 21 anos. (O texto de Brecht: http://bit.ly/yTcrOO. O de Dylan: http://bit.ly/hYWVDV).
Esta tradição de canções crítico-jornalísticas foi mantida por Dylan, com ou sem conotações políticas ou de protesto, em toda sua carreira. Talvez a mais famosa delas seja “Hurricane”, sobre o boxeador acusado injustamente de homicídio. E caberia toda uma tese sobre o efeito de “distanciamento brechtiano” que ele consegue imprimir inclusive em suas canções de amor.