Na segunda-feira, após o término do curso sobre as recentes alterações na processualística penal, ministrado pelo professor Juliano Leonel, de avantajado e invejável saber jurídico, no auditório do TJPI, reencontrei o dedicado serventuário Modesto Barbosa, que durante muitos anos trabalhou na longínqua Comarca de Ribeiro Gonçalves, inclusive na época em que dela fui titular. Ele tinha o cargo então denominado de porteiro zelador de auditório, mas na verdade era um faz tudo, e exercia quase todas as funções inerentes aos demais cargos e encargos da Justiça, como partidor, contador, oficial de Justiça, avaliador, etc. Por causa dessa sua dilatada polivalência, por absoluta necessidade do serviço, diga-se, um dia eu lhe disse:
- Barbosa, você é Modesto apenas no sobrenome, mas no trabalho você é um gigante. Você exerce as atribuições de quase todos os cargos, menos a do seu próprio cargo efetivo, que é o de porteiro zelador de auditório!
O Barbosa não foi nada modesto, e respondeu-me singela e candidamente:
- Não, doutor, até isso eu sou. Não sou eu que faço o pregão das partes?...
Enquanto eu conversava com o Modesto Barbosa, chegaram o colega Sebastião Firmino e o professor Juliano. Aproveitei para contar duas passagens minhas desses tempos ribeirenses, de que o multifacetado servidor foi partícipe e testemunha. Um jurisdicionado ajuizou uma ação contra uma parenta sua, que lhe havia destruído uma plantação de bananeiras. Ao que parece algo do espírito de Caim se apossara dessa senhora, ao ver a prosperidade do condômino e parente. Diante das provas, decidi a favor do autor, e condenei a ré a lhe indenizar o prejuízo, acrescido de mais 20% a título de multa pedagógica, punitiva e inibitória. No dispositivo da sentença, eu indicava que deveria ser calculado o quantitativo da produção dos pés de banana, de acordo com sua vida útil ou produtiva, e levado em conta o preço médio da banana no mercado local. A conta deveria ser feita com a ajuda de um técnico da agência local do EMATER.
Designei o Barbosa para elaborar os cálculos. O advogado Hugo Torres, então residente na Comarca, interpôs embargos declaratórios, sob o argumento de que eu não levara em conta os insumos usados e nem o preço da diária dos trabalhadores. Da maneira mais simples, indeferi os embargos, argumentando que, se eu mandara calcular a produção do bananal e se mandara que o total de bananas fosse multiplicado pelo preço desse produto no mercado local, nenhum prejuízo seria causado ao autor, já que os insumos e o pagamento do pessoal se destinavam a essa comercialização e finalidade, ainda mais com o acréscimo de vinte por cento. Não houve recurso, e eu dei como justa a minha decisão, que foi concretizada com o Barbosa na faceta de contador do juízo.
O segundo caso foi uma ação proposta por uma mulher e suas filhas contra o marido e pai delas. As autoras não mais desejavam morar com esse homem, e pediam que ele fosse compelido a deixar a casinha. Fiz todas as tentativas possíveis para uma conciliação, mas todas foram recusadas. Assim, perguntei se uma parte podia comprar a metade da outra; se, em esforço comum, podiam construir uma casinha no quintal do imóvel, ou em outro terreno; se desejavam vender a residência para ratearem o dinheiro do negócio; se podiam adquirir uma outra casa, etc. Mas a essas e outras alternativas, ambas as partes respondiam que não aceitavam. Diante dessa intransigência, senti-me o próprio sábio rei Salomão, e com uma imaginária espada decidi cortar a casa ao meio, da maneira mais funcional e menos danosa possível.
Como o Barbosa era também uma espécie de arquiteto, e sabia desenhar croquis, o encarreguei de “torar” a casa ao meio, dando à mulher e às filhas, por razões óbvias, o direito de escolherem a metade que preferissem. O nosso bravo servidor, já multicitado, executou minha sentença. Como não houve reclamações e nem recursos, também considerei essa decisão como a mais acertada e menos gravosa diante das circunstâncias. O Barbosa, como um Chico Anízio travestido de Pantaleão, confirmou tudo o que eu disse. Os meus dois ouvintes – o colega Sebastião Firmino e o mestre e defensor público Juliano Leonel – não me fizeram nenhum reparo ou ressalva. Dei, então, minha decisão como confirmada por uma turma recursal informal.