Do poeta e da sua cultura
Por Cunha e Silva Filho Em: 14/09/2021, às 21H11
DO POETA E DA SUA CULTURA (7)
CUNHA E SILVA FILHO
O caderno Mais! da Folha de São Paulo, na edição de 12/06/05, destinou maior espaço a homenagear a memória de Jean Paul Sartre (1905-1980) pelo centenário de seu nascimento. Além de depoimentos sobre o filósofo e escritor francês, o caderno publicou textos inéditos do famoso autor de A náusea (1938), um dos quais trata da formação cultural de quem aspira a vir a ser ator. Sartre, entre outras lições importantes, ressaltou o valor do conhecimento que todo ator deve por obrigação possuir, sobretudo o conhecimento cultural, o da visão histórica, o do saber artístico, enfim, o de elevar, em todos os aspectos, o nível de competência dos atores.
No texto inédito de Sartre, traduzido por Paulo Neves, o filósofo se propõe à ideia de fundar uma escola de teatro que englobasse em profundidade uma competência do ator tanto do conhecimento da arte dramática quanto da sua complementaridade, que é a da consciência que o ator deve ter do corpo humano e das possibilidades infinitas que ele teria caso se assenhoreasse de recursos como os havia no tempo da commedia de ll’arte. Ou seja, o ator (artista) intelectual e fisicamente completo deverá se adestrar no desenvolvimento harmônico de seu corpo e nas possibilidades que as práticas esportivas - da mímica ao valor da “respiração” – adequadas podem propiciar à melhoria da interpretação dramática.
Valendo-me, assim, dessa ideias alheias, estou pensando aqui na possibilidade de encaminhá-las para o domínio, também estético, da poesia. Não pretendo, como o fez Sartre, fundar nenhuma escola poética. Longe de mim, primeiro porque nem mesmo sou poeta; segundo, porque não me esqueci do preceito do poeta nascitur que os antigos sempre nos lembravam de ter em mente na avaliação crítica de qualquer candidato ao Parnaso.
Entretanto, o fato é que, à semelhança das exigências para atores, aos cultores das musas - esse gênero literário que, na vigorosa conceituação romântica de Percy Byshe Shelley (1792-1822), representa “ ... o registro dos melhores e mais felizes momentos dos melhores e mais felizes espíritos” - seria, no mínimo, honesto endereçarmos algumas sugestões, especialmente aos mais jovens, no sentido de que sacudam as asas molhadas do narcisismo e procurem ouvir e, se possível, tirar proveito do minimamente indispensável ao exercício da poiesis.
Não é bastante ter-se talento, é mais do que obrigatório que o poeta se prepare culturalmente. E o que se quer dizer com isso? Que o poeta se lembre de que, ao se juntar à imensa galeria dos devotados às musas, ele já encontra atrás de sim séculos e mais séculos de tradição literária de altíssimo nível. Quer dizer, o novel poeta já nasce sob o signo do fantasma da influência de alguns poetas de gênio, já canonizados devidamente e ad vitam aeternam...
Por conseguinte, ele, o novíssimo poeta, segundo a sua tendência, será apenas mais um cultor das deusas Calíope, Erato ou Urânia e, de acordo com o seu nível de realização artística, será um poeta menor, um poeta médio ou um grande poeta, assim como acontece a qualquer gênero literário. É nesse ponto que entra um novo componente diferenciador: a formação cultural do poeta. Esta vai exigir além de um convívio com a leitura continuada dos grandes poetas e escritores universais de todos os tempos, um conhecimento sólido desde os gregos e latinos, até aos contemporâneos no que concerne à teorias poéticas, sobretudo a partir de Aristóteles (384-322 a.C)
A isso podemos acrescentar como formação do poeta o domínio de línguas modernas, sem descartar as mortas, latim e grego, o conhecimento das correntes filosóficas, da história das artes, das vanguardas, o conhecimento, se possível, de música, familiaridade com as ciências humanas e uma abertura irrestrita e despreconceituosa com os problemas sociais vividos pela própria contemporaneidade do poeta.
Sei que é exigir demais da alheia mente, mas, pelo menos, a recomendação serve de alerta ou de aviso aos apressados pretendentes à fonte de Hipocrene.
Alguns poetas, inclusive no Piauí, foram abençoados com a dádiva do talento, porém deixaram de ser melhores poetas porque para isso não se prepararam mais com o devido rigor intelectual.
De certa forma, o nível de sua produção se ressente de uma mais sólida expressão ou dimensão poética. Eles têm culpa disso? Têm e, se não têm, pelo menos, para tanto são certeiras e apropriadas essas palavras, ainda que não dirigidas diretamente aos poetas, do centenário Jean Paul Sartre ao concluir seu texto: “Mas se as vicissitudes de nascimento e as dificuldades materiais os privaram, na origem, de cultura e alguns meios físicos, eles buscarão por muito tempo, talvez a vida inteira, adquirir por si próprios essa cultura e esses meios”.