DIZER A VERDADE DÓI?
Por Margarete Hülsendeger Em: 01/11/2011, às 13H12
A verdade alivia mais do que magoa. E estará sempre acima de qualquer falsidade como o óleo sobre a água.
Miguel de Cervantes
Sim, dói muito. Dói no coração, dói na alma e às vezes dói até no corpo. Muitos creem que ouvir a verdade é, de fato, a parte dolorosa do processo. No entanto, acreditem, dizê-la também pode causar sofrimento e inúmeros problemas.
Quem ousa dizer a verdade, na maioria das vezes, torna-se o que se costuma chamar de “advogado do diabo”, ou seja, o indivíduo que terá a infeliz tarefa de apontar falhas em conceitos e ações que, em princípio, são considerados inquestionáveis. E como poucos são aqueles que querem ouvir a verdade – afinal, a dor de saber que se está errado também é grande –, pôr em dúvida o que é tido como certo pode provocar não só discussões, mas, principalmente, a ira daqueles que não compartilham da mesma opinião.
Por esse motivo, é sempre mais fácil concordar. É sempre menos estressante não discutir. É sempre mais tranquilo comportar-se como ovelhas, animais facilmente guiados e que pouca resistência oferecem a qualquer situação que lhes seja imposta. Basta indicar o caminho e elas o seguem, balindo, calmas e ordeiras. No caso do ser humano, essa docilidade se manifesta pelo simples gesto de balançar a cabeça e dizer, “Sim, senhor!”.
Falar a verdade também pode ir contra os “bons modos”. As pessoas estão acostumadas a se esconder atrás de um verniz de falsa cortesia. Jogar a sujeira para debaixo do tapete se tornou um sinal de “boa educação”. É preciso usar de palavras “gentis” para encobrir situações que há algum tempo cheiram mal. Quem se atreve a ir contra essa “norma de conduta” é, com frequência, apontado como alguém grosseiro, sem tato, que não sabe respeitar os sentimentos alheios. E é justamente essa mistura de pseudocivilidade com “complexo de ovelha” que acaba tornando as pessoas despreparadas para enfrentar as verdades que são postas diante delas.
Por outro lado, muitos podem defender a ideia da existência de diferentes verdades – o que é correto para mim pode não ser para você – e que sustentar, de forma absoluta, qualquer uma delas, pode conduzir ao fanatismo e, consequentemente, à intolerância. Talvez, em algumas situações, isso até possa estar correto; no entanto, a relativização do conceito de verdade também pode impedir que se perceba claramente a diferença entre o certo e o errado.
Para o poeto sueco Vilhelm Ekelund (1880-1949), a origem de toda a angústia – e eu também diria que de todo o medo – é ter perdido o contato com a verdade. Quando não conseguimos reconhecê-la, quando não podemos viver com ela, tornamo-nos indivíduos dominados pelo medo, sempre com receio de agir e até de expressar a mais simples das ideias. E o resultado é que nos transformamos em reféns de nós mesmos, facilitando o trabalho daqueles que nos querem manipular.
Contudo, se existem pessoas que não têm medo de trazer a público o erro, a torpeza e a incompetência, há os que preferem se esconder, fingindo que tudo está bem. Afinal, é preciso admitir: a denúncia do erro pode tornar a vida muito difícil, enquanto que aceitar o que nos é imposto – como dóceis ovelhas – é, além de seguro, mais confortável.
O problema é que não se pode passar a vida em um jogo de esconde-esconde. Não se pode ser ovelha para sempre. É preciso, muitas vezes, gritar, esbravejar contra tudo o que cheira a mentira ou enganação. As grandes revoluções não foram feitas pelos que se calavam. Ao contrário. As mudanças sociais realmente importantes foram realizadas por aqueles que não tinham medo de dizer a verdade, mesmo que ela machucasse e até matasse. Todavia, a repulsa – e, muitas vezes, a raiva – que essas ações despertam nos outros, torna a solidão a companheira mais constante daqueles que defendem uma ideia de verdade sem disfarces ou artifícios.
Portanto, fica fácil de compreender o sentimento de desesperança demonstrado por Cândido, personagem criado por Voltaire e publicado em 1759, quando, desiludido, pergunta: “Se este é o melhor dos mundos possíveis, o que será dos outros?” No século XXI essa questão é ainda mais pertinente. Afinal, a verdade que deveria redimir, muitas vezes envergonha e até mesmo constrange. E disso resultam diferentes tipos de tristezas. A tristeza de ter de se esconder por detrás de mentiras apenas porque elas confortam e protegem. A tristeza de pensar que a verdade é encarada por muitos com mal estar e desconfiança. E, finalmente, a tristeza de viver em um mundo onde mentir e fingir está se tornando a regra e não a exceção.