Diego Mendes Sousa: vivência e literatura
Em: 05/06/2022, às 23H27
Suzana Aires (jornalista - Portal Piauí Hoje) - 1 – Conte-nos um pouco da sua história, onde nasceu, onde cresceu, qual a sua formação para que hoje se tornasse um escritor.
Diego Mendes Sousa – Nasci em uma cidade solar, com dunas, rios, lagoas e mar. Minha cidade natal é Parnaíba, uma região de muitos cenários poéticos que se encontra no norte do Piauí, aonde o rio Igaraçu se arrasta em direção ao oceânico, o Atlântico, a banhar bairros que residem em minha infância, como Tucuns, Coroa e Cantagalo. Cresci nessa atmosfera lírica, cercado pelos horizontes selvagens das xananas e dos livros. Aprendi desde cedo a amar a linguagem e a preservar o bom português, porque tive uma mestra dentro de casa, a minha avó. Ela era assídua leitora, sabia poemas de cor e declamava-os. De modo que este seu neto foi despertado para o universo mágico das artes. Sempre fui introspectivo e pensador. Sabia que seria um escritor, porque íntimo da caneta e do papel. Passei a ler os grandes romancistas como Victor Hugo, Alexandre Dumas, Thomas Mann, Eça de Queiroz, Machado de Assis, que se fizeram particulares. E descobri os poetas. Aí nunca mais fui o mesmo! Achei a minha vocação e me ofertei a esse mistério dos tempos que somente a palavra consegue expressar: a intuição. Estudei, estudei muito e ainda estudo. O conhecimento é a armadura do meu ser. Paralelamente ao ato criador, tornei-me advogado e hoje, por concurso público, sou funcionário público federal. Apesar do comezinho que a vida exige e da existência que é uma urgência, chego neste ano de 2022 ao décimo primeiro livro de poemas da minha carreira literária, intitulado “Rosa numinosa”. São anos e anos de luta, que em 2023 comemorarão os seus vinte anos de experiência com a poesia, essa alquimia fascinante e perturbadora.
2- Como nasceu essa paixão pela poesia?
Diego Mendes Sousa – O primeiro verso que escrevi (os momentos possuem as ladeiras obscenas) surgiu na cidade de São Luís do Maranhão (terra de Nauro Machado e de Ferreira Gullar), após a reveladora leitura do romance “A casa da paixão” (1972), abismado pelo sol e pelo erotismo desvelado nas páginas escritas por Nélida Piñon. Veja a ironia do destino, pergunta-me como nasceu essa paixão pela poesia, valendo-se da palavra quase apropriada, paixão, porque eu digo mesmo que é amor. Entusiasmo, emoção, força impetuosa, adoração e arrebatamento, tudo isso reside em minha evocação ao belo, mas há algo mais metafísico e perene, sendo o sentimento de reconhecimento de mim mesmo, a razão do meu cuidado com a linguagem. Acredito no dom que recebi de mãos beijadas e aposto nessa relação ambígua entre a realidade e a imaginação.
3- Como é o seu processo de produção literária?
Diego Mendes Sousa – A poesia é insondável. Há um misticismo em sua composição que flui naturalmente. Não tenho método. Sou arrastado pela inspiração. Gosto do nume, da celebração divinizada, da escuta interior. Minha literatura perpassa pela dor universal. Meus temas são siderais: tempo, agonia, crueldade, desespero, miséria, solidão, dentre outras coisas que arrebatam o coração humano. Escrevo a esperar o destino. Não será o acaso o estranhamento absoluto da vidência? Opero sim com a inteligência e sei o momento exato de trazer a lume o meu confessionalismo estético. Produzo muito, não somente poemas, mas também ensaios e crônicas. Sou um memorialista infalível.
4 – Por meio da poesia, qual mensagem você deseja passar para as pessoas?
Diego Mendes Sousa – Sou uma testemunha do meu tempo. A poesia é esse sentimento de vida que vem do sublime e do talento. A poesia é o verbo que emociona, sendo poderosa e sem rumo, por ser uma casa em si mesma, fantástica. Quero simplesmente comover o meu leitor. Tocar o labirinto da sua alma e dizer do fluido mágico que atravessa as noites perdidas nos tempos com os seus oásis deslumbrantes e sonhadores.
5- Com o advento das tecnologias, você percebe que os jovens estão tendo menos interesse nas letras? Como você tenta despertar esse interesse por meio do seu trabalho?
Diego Mendes Sousa – A tecnologia é uma aliada no processo de renovação do mundo. Espero sinceramente, que a juventude de hoje encontre nessa ferramenta um caminho extraordinário para alimentar a cultura, pois precisa ser acessada em sua positividade. A tecnologia permitiu que as fronteiras fossem ultrapassadas. Não sou estatístico, não sei mensurar a intensidade do interesse dos jovens nas letras, ou melhor, o interesse para o hábito da leitura. Sei apenas que tenho muitos leitores nessa faixa etária, por ser a poesia a primeira manifestação que povoa a visão humanitária. Sei disso, porque fui jovem um dia. Sei também que a educação de qualquer pessoa deve iniciar-se pela poesia. É o que diz a sabedoria milenar dos orientais. O poeta é um humanista e um ambicioso mago. Minha poesia desperta interesse por ser incomum e rica em significados. É simbólica, musical, telúrica, mítica e, sobretudo, identitária, pois marcada pela verdade, pelas imagens, pelo amor à Musa Altair e pelo meu próprio escândalo humano.
Gesta da água
“Há sempre um copo de mar
para um homem navegar”
Jorge de Lima
Nesta grandíssima manhã
de primavera,
as portas
da minha casa
estão abertas
para a visita
fluida da beleza.
Altair é a susana da minha poesia
e da minha vida.
A solidão habitava o feiume
dos meus gestos e
querençoso eu esperava
o tempo.
Hoje caminho tardo
pelo vento oeste.
Meu coração vagueia
no mapa das ruínas
e infesto o campo dos
silêncios.
Cada ruído pressentido,
diz da alma.
Cada rastro revelado,
diz da vidência, essa
alegria
a se eternizar.
Mancham os céus de um cinza cruel
e morrem
os oceanos
em mim.
Eu que sempre
fui água,
mansidão
de peixes
e de siris.
Ser líquido
na chuva,
rio no mar naufragado.
Eu que sempre
fui água,
a escorrer
pelo sangue das marés.
Ó manhã
devastada no belo!
Assim é a ceia farta
dos maremotos
escondidos!
Queda,
quebra,
estrondo
elegia da natureza
encantada,
sou água!
Poema de Diego Mendes Sousa
SOUSA, Diego Mendes. "Gesta da água". In:_____. Rosa numinosa. Teresina: Ed. do Autor, 2022.
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Veja a reportagem da jornalista Suzana Aires para o Portal Piauí Hoje: