DIANTE DE TANTOS TEXTOS

CUNHA E SILVA FILHO

Nesta quarta-feria de spleen, embora compensada pela luz solar,pelo calor e pelo desejo de dar um passeio pelas belas praias cariocas, penso nas circunstâncias com que se deparam os escritores diante da página branca. Aliás o sintagma “página branca” já me levou a escrever um texto publicado em blogs e sites.

Há pouco tempo, o ficcionista Ignácio de Loyola Brandão, que ficou famoso pelo romance Zero (1975)), ficção de, início, proibida pela Censura na ditadura militar e, por isso, levou seu autor a lançar sua primeira edição na Itália.

A palavra escrita tem um peso grande por ser capaz de suscitar reflexões valiosas social e culturalmente e, além disso, de mostrar a realidade de um povo ou uma visão do mundo, forjando uma espécie de mais densa e mais potente do que a realidade empírica que nos cerca numa contemporaneidade determinada e se torna, assim, uma preocupação muito grande para os regimes de força. Algo – diria mais - como um produto artístico refletindo universalmente sobre os criadores, um zeitgeist. Isso ocorre desde épocas passadas da História da Humanidade. Loyola afirmou que o medo dele, no que tange à criação literária, é deixar de escrever, ou melhor ainda , é ser esquecido. Penso que foi mais ou menos isso que ele deixou escapar.

Esta preocupação ainda é maior quando um autor teoricamente não tem mais o que dizer. Ela constitui um problema grave para um autor que se defronta com duas situações complexas relacionadas à produzir textos: a primeira é o vazio que lhe traz ao espírito diante da possibilidade de dar continuidade ao ato de escrever.

A segunda é o pressuposto de que será esquecido na historia da literatura, em nosso caso, a brasileira. Autores há que anunciam a seus leitores que já deram tudo de si no campo da criação estética, como o americano Philip Roth (1933-2018).Outros abandonam a literatura e se encaminham para atividades diversas, como é o caso de Raduan Nassar, , laureado autor de Lavoura arcaica (1975). Outros mais, sem interromper a atividade literária, passam a escrever menos e com menos vitalidade e nível de produção. Outros ainda há que escrevem até idades provectas. E, finalmente, outros, quer no país quer no exterior, como Ernest Hemingway (1898-1961), que tinha verdadeiro pavor de perder a capacidade de criar novos livros.

Para os pesquisadores realizar uma ampla pesquisa nesta direção, i.e., saber das causas e das consequências de suas decisões oferece um campo vasto de estudos tanto estatísticos quanto de temas que exigem instrumentos de pesquisas em vária áreas epistemológicas, como a psicologia, a psiquiatria, a antropologia , a sociologia e a filosofia, além da indispensabilidade de esferas literárias: teoria literária, historiografia, vida literária, linguística, nem mesmo dispensando investigações de natureza biográfica.

Do conjunto desses campos diversos ou correlatos podem ser apontados alguns caminhos direcionados a elucidar a produção de um autor ou autores num pais e em vários países, dependendo do recorte limitado ou irrestrito do corpus da pesquisa.

Como se vê, os objetivos a serem atingidos, pela sua amplitude, podem demandar não só um pesquisador, mas um conjunto de pesquisadores para uma direção comum reveladora de tantas indagações a serem assinaladas durante o período das pesquisas. Acredito que nessa arqueologia de campos de interesse comum para descobertas de novos conhecimentos na área da criação literária iluminarão seguramente motivos, causas e efeitos e responderão a tantas indagações e questionamentos sobre o fenômeno literário, a par de trazerem novas luzes sobre o que já se chamou de “mistério “ da criação literária.

Circunstâncias múltiplas literárias ou extraliterárias estarão imbricadas no macro-tema da produção, continuidade ou descontinuidade da produção literária, as quais responderão a perguntas como, entre outras, as seguintes:

1) A influência do meio familiar na vida de um escritor;

2) Sua formação educacional e acadêmica;

3) Sua saúde física e mental;

4) Suas leituras escolhidas ou sugeridas por outros;

5) Sua vida social e familiar, sua amizades no campo literário ou fora dele;

6) Suas idiossincrasias;

7) Sua preferência ideológica, religiosa (ou não religiosa) e filosófica

Sua vida amorosa e situação conjugal;

9) Sua condição de vida;

10) As mudanças que, com o tempo, se verificaram na sua condição de autor e que interferiram, sem dúvida, na sua escrita;

11) Sua receptividade junto ao leitor;

12) Sua visibilidade na condição de autor.

As considerações acima me foram inspiradas diante da multiplicidade de autores, uma verdadeira enxurrada (não contando com os estrangeiros) que apareceram nos últimos anos e, junto deste fato, se associam as enormes dificuldades de se estudar literatura em tempos de inteligência artificial (haja robotização para as gerações mais velhas), ou melhor, acompanhando o pensamento de uma escritora francesa, em “tempos bíblicos” como os nossos.