DIALOGANDO COM A CARTA ABERTA DE FERREIRA GULLAR
Por Cunha e Silva Filho Em: 26/09/2022, às 11H35
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Dialogando com a “Carta Aberta” de Ferreira Gullar
Cunha e Silva Filho
Acredito que li , até hoje, praticamente todas as crônicas de Ferreira Gullar no Caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, publicado aos domingos. São crônicas nas quais o grande poeta brasileiro discute assuntos variados, destacando-se, porém, alguns temas recorrentes, ou seja, a política brasileira dos dois governos do Lula, do primeiro mandato da presidente Dilma e, agora, desse segundo mandato dela ainda em andamento. O segundo tema recorrente aborda outras áreas de estudos, poesia, artes plásticas.Seu estilo é enxuto, objetivo, comedido. Fala com experiência, com conhecimento da realidade brasileira, tanto social quanto cultural. É um mestre no que faz.
Hoje, dia 18 de outubro, sua crônica se dirige diretamente aos brasileiros: “Carta Aberta.” É partir dela que desejo dialogar com o cronista maranhense.
Gullar, que foi exilado no período da ditadura militar, foi esquerdista, morou na Rússia, na Argentina, hoje tem uma postura democrática, aberta ao diálogo sem extremismos e, como tal, repudia o PT e, na mencionada, crônica, conversa com todos nós, leitores, num tom sempre de orientação firme e franca e coerência de ideias, principalmente, de uma rara capacidade argumentativa de um observador perspicaz dos fatos políticos e dos desacertos que vê há tempos na governança petista.
Gullar não omite o fato de que o PT foi fundado por figuras eminentes da vida intelectual brasileira que, com o passar do tempo, foram se desiludindo dos reais objetivos do petismo, antes com uma plataforma política de renovação e de moralização das causas públicas quer dizer, de um proposta em favor da melhoria do trabalhador, das classes excluídas, dos merdunchos como definia o contista João Antônio.
O poeta do Poema sujo concorda com o que todos esperavam do Lula e nele confiavam cegamente. Contudo, a administração lulista foi mostrando aos poucos a que veio: tornar-se um partido forte e que assim pudesse mudar a sua antiga fisionomia, afastando-se dos seus princípios norteadores e descambando para uma governança feita de conchavos espúrios com o que de pior caracterizava a velha política clientelista, combinando populismo e cooptações com o empresariado e capitalismo na sua forma mais degradante, que é a introdução do esquema de corrupção que iria ser traço distintivo do petismo.
Ora, não tardou que surgissem escândalos de corrupção, envolvendo altas figuras do governo Lula, como José Dirceu, José Genoíno e outros de maior ou menor projeção do governo. Daí para diante, a imagem do PT e do seu líder Lula não cessaram de sofrer uma desconstrução do ponto de vista de moralidade administrativa. Os escândalos enredavam petistas e aliados no recebimento de propinas e no uso da máquina do Estado para beneficiar financeiramente altas autoridades do governo federal.
Quer dizer, alguns membros do PT subiram ao poder para se locupletar financeiramente com o dinheiro público em conluio com empreiteiras mediante os expedientes de favorecimento nas licitações em troca de polpudas propinas que iam cair nos bolsos de políticos e do primeiro escalão do governo Lula.
Esse mesmo comportamento continuou no governo Dilma com outros escândalos que pipocaram em série, o do Petrolão, o LavaJato, com novos atores do mundo do empresariado de ponta com membros do PT no exercício de cargos públicos.Tanto nos mandatos do Lula quanto nos de Dilma, o segundo mandato ainda em curso, os chefes de Estado foram apontados como implicados nessa onda de escândalos financeiros, circunstância, de resto, negadas por Lula e por Dilma.
Entretanto, o que Ferreira Gullar pretendeu enfatizar foi o fato de que, não obstante tantos escândalos, tantas denúncias, tantas críticas duríssimas contra a honra de Lula e de Dilma não foram suficientes para desalienar a cegueira de presunção de parte - creio que pequena - da elite intelectual de São Paulo - que ainda teima em manter seu apoio incondicional aos governos petistas e contra o impeachment de Dilma Rousseff.
Alegam aqueles intelectuais de renome que não há nenhuma evidência cabal e indiscutível de que Dilma tenha alguma culpa pela corrupção em seu governo. É aí que Gullar cobra daqueles e de possíveis leitores petistas que mantêm uma solidariedade cega ao partido populista: “Não sei o que você diz a si mesmo quando deita a cabeça no travesseiro. Como justificar o Petrolão?
Essa é a questão central da carta aberta de Gullar: não é possível que, diante dos fatos, das denúncias, das prisões, das investigações da Polícia Federal, de todas mazelas e falcatruas cometidas sob o domínio do petismo, as pessoas sensatas e esclarecidas ainda estão cegas a esses desatinos do PT.
Como podem ficar esses fanáticos – o nome só pode ser esse – indiferentes à realidades social e política do país, às falsas promessas de campanhas, de Dilma, que, mal raivava o dia seguinte da sua posse, ela mostrou logo o seu fácies de demagogia e de falácias da real situação caótica com que começava o segundo mandato: economia em estado de desagregação, inflação alta, juros altos, endividamento público, arrocho salarial, gastança das contas públicas, e alta corrupção de membros de seu governo.
Um estadista verdadeiro não pode camuflar a situação desastrosa do país provocada pelo desgoverno e pela imoralidade administrativa. Esconder o que, no dia seguinte da posse iria fazer contra a sociedade, é por si próprio um desserviço à Nação. Os empedernidos petistas não querem enxergar tudo isso e por isso mesmo desconhecem as alteridades e a voz da grande maioria dos descrentes e indignados com a indignação de um povo nada tem a ver com golpismo. Somente vê golpismo os que estão com os olhos abertos ao petismo mas vedados à realidade de um povo sofrido sem saúde, sem segurança, sem transporte, sem educação de qualidade e sem esperança alguma. Esse é o golpismo dos cegos e alienados. A cegueira provocada pelo fanatismo político-ideológico é a cegueira de todos os príncipes felizes. Cumpre fazê-los ver “o muro” de que fala um conto de Oscar Wilde (1856-1900). Ao transpor o “muro” do “gigante egoísta,” ao derrubá-lo, ele, ser alienado, presunçoso e egoísta, ingressa na realidade possível de ser melhorada e de nela permitir a convivência em paz e felicidade