Desnacionalização e aumento da criminalidade
Por Flávio Bittencourt Em: 15/04/2013, às 06H23
[Flávio Bittencourt]
Desnacionalização e aumento da criminalidade
Samuel Pinheiro Guimarães, de Carta Maior, explica que um país com indústria atrasada e não-integrada é fraco econômica e politicamente, lá onde a violência urbana prevalece.
"ENQUANTO SE PEDE A PUNIÇÃO MAIS RÍGIDA DE
MENORES INFRATORES, NÃO SE FALA DAS CAUSAS
DA CRIMINALIDADE TAMBÉM ADULTA; SERÁ QUE O
PESSOAL QUE PEDE APENAS PUNIÇÕES LEGAIS MUITO
MENOS BRANDAS - ideia ótima! - PARA MENORES DE IDADE
NÃO PERCEBE QUE É POSSÍVEL, SIMULTANEAMENTE,
ALGUÉM SER A FAVOR DESSE RECRUDESCIMENTO E DE
ATACAR CAUSAS? SERÁ QUE ELES NÃO PERCEBEM QUE
A "VENDA" SIMBÓLICA DE EMPRESAS PÚBLICAS, DURANTE A
ÉPOCA DE FHC PRESIDENTE DO BRASIL, AJUDOU A CRIAR O ATUAL
QUADRO VERDADEIRAMENTE CALAMITOSO NO BRASIL?
ONDE ESTÁ O APOIO A EX-DETENTOS, QUANDO ELES
SAEM DA CADEIA? ONDE ESTÃO AS BOLSAS DE ESTUDOS
E EMPREGOS PARA MENORES EGRESSOS DE INSTITUIÇÃO
DE REEDUCAÇÃO SOCIAL? ONDE ESTÃO AS PRISÕES PARA
CRIMINOSOS DO COLARINHO BRANCO? PENA DE MORTE
SAI CARO PARA O PAÍS: HÁ APELAÇÕES E MAIS APELAÇÕES
PARA OS ASSASSINOS NÃO SEREM SUBMETIDOS AO HOMICÍDIO
DE ESTADO? A SAÍDA NÃO SERÁ A PRIVATIZAÇÃO das prisões
(já que doaram tantas empresas nacionais)? SENHORES INDUSTRIAIS
QUE BUSCAM LUCRO COLOCARIAM OS PRESOS PARA TRABALHAR,
COMO TANTO SE DESEJA E OS SENHORES APENADOS TERIAM, DE
ACORDO COM A LEI PÁTRIA ATINENTE, REDUÇÃO DA PENA POR DIA
TRABALHADO, CARAMBA! O PROBLEMA NÃO É IDEOLÓGICO, É
TECNOLÓGICO [se for necessário que se mudem leis, ora bolas:
EM PRIMEIRO LUGAR, A VIDA, QUE É SAGRADA]!"
(C. R...)
15.4.2013 - F.
1) SITUAÇÃO CALAMITOSA,
CUJA CAUSA É MAIS DE TUCANOS (PSDB)
DO QUE DE LULA E ROUSSEFF (PT),
PARA QUE SE FALE NUM PORTUGUÊS
BEM CLARO:
REVISTA FÓRUM,
JUL. / 2012:
O Brasil corre o risco de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação de multinacionais
Por Samuel Pinheiro Guimarães, do Carta Maior
1. A desindustrialização e a desnacionalização têm forte impacto sobre o desenvolvimento econômico e social brasileiro em geral e sobre temas como emprego e salários, violência urbana, tráfico e consumo de drogas e saúde da população.
2. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para a integração sul-americana, a partir de sua base necessária que é o Mercosul, para a posição do Brasil no mundo e, em consequência, para sua política externa.
3. Um país com uma indústria atrasada e não-integrada é um país fraco econômica e politicamente; um país com sua economia desnacionalizada é um país com menor capacidade de fazer política econômica e de fazer política externa.
4. Algumas causas da desindustrialização são uma política cambial e monetária que resulta, na prática, na valorização do real que estimula as importações e prejudica as exportações; uma política comercial que não combate com firmeza o dumping de produtos importados, o baixíssimo preço e o subfaturamento das importações; a ausência de políticas firmes de conteúdo nacional em áreas estratégicas como motores. A questão da competitividade (sistema de transportes, educação, tributos, etc) como causa da desindustrialização é complexa, suas soluções são de longo prazo e, ainda que importantes, não evitariam o perigo que se corre, que é atual, urgente.
5. A crise internacional e as relações comerciais com a China têm profundo impacto sobre a desindustrialização da economia brasileira. De um lado, a concorrência dos produtos chineses de baixíssimo preço afeta não só as unidades produtivas instaladas como a possibilidade de instalação de novas unidades. De outro lado, a forte demanda chinesa por produtos primários torna os investimentos a agricultura e na mineração mais lucrativos e, ademais, sujeitos a menor competição quando comparados à indústria. A crise nas economias européia e americana afeta as exportações brasileiras para a Europa (e, portanto, a lucratividade das empresas) enquanto se reduz o comércio intra-firma de manufaturados com os Estados Unidos, que corresponde a parte importante da pauta de exportação.
6. A desindustrialização da economia pode ser aferida pela redução do valor relativo da produção da indústria como um todo ou de setores industriais específicos ou pelo aumento do percentual das importações no valor total do consumo interno de um bem industrial ou da indústria em seu conjunto.
7. Os argumentos que procuram demonstrar a existência de um processo de desindustrialização através dos índices de redução da participação dos produtos industriais na pauta de exportações ou de déficit comercial por setores não são suficientes. A redução da participação percentual dos produtos industriais na pauta pode resultar ou de aumento de preços internacionais dos produtos primários ou do aumento do seu volume exportado, sem que haja redução do valor ou do volume das exportações industriais que podem, inclusive, ter aumentado.
8. As causas da desnacionalização são a ausência de políticas de preferência pelo capital nacional, diferindo da situação dos países desenvolvidos e dos outros Brics que possuem políticas, principalmente em áreas de tecnologia sensível, que tem como beneficiárias exclusivas empresas de capital nacional; de uma política firme de compras governamentais (e.g. na área de computadores); de preferência ao capital nacional nos financiamentos com recursos públicos, recursos inclusive dos trabalhadores, como é o do BNDES.
9. A desnacionalização da economia ocorre quando se verifica uma participação percentual crescente de empresas estrangeiras na produção de determinado bem ou serviço específico, ou do setor industrial e de serviços como um todo ou na produção de outros setores, tais como na agricultura e na mineração.
10. 85% da população brasileira é urbana. Nas cidades, o emprego é necessariamente na indústria ou em serviços. Nas cidades não há agricultura, nem pecuária, nem mineração e, portanto, não há emprego nesses setores que possa ser urbano. Os próprios empregos nos serviços urbanos são profundamente vinculados à atividade industrial.
11. O desenvolvimento brasileiro significa o aproveitamento cada vez mais eficiente de seus recursos naturais, de sua mão-de-obra e de seu capital, o que depende da expansão e da integração física de seu mercado interno. A desindustrialização e a desnacionalização da economia tornam difícil este aproveitamento eficiente e, portanto, o desenvolvimento do país. Em situações de desindustrialização ou desnacionalização, o desenvolvimento, medido em termos de aumento do PIB, pode até ocorrer, mas a uma taxa inferior à que seria necessária para superar a situação de subdesenvolvimento e de pobreza em que ainda vivemos.
12. O desenvolvimento eficiente dos recursos do solo e do subsolo, através da melhor organização da agropecuária e da mineração, depende da utilização crescente de máquinas, equipamentos e veículos que são, necessariamente, ou produzidos pela indústria no país ou importados. Nenhuma colheitadeira é produzida numa fazenda, nenhuma máquina perfuradora é produzida em uma mina.
13. O desenvolvimento industrial eficiente significa a integração da cadeia produtiva, o que significa produzir no país todos os componentes ou insumos de um produto final, sempre que haja escala atual ou potencial para isto, ou pelo menos a maior parte dos componentes e, em especial, os mais estratégicos. Digo potencial, pois quando a Embraer foi criada, por exemplo, não havia escala nacional para a produção de aviões.
14. O desenvolvimento eficiente da mão-de-obra significa o aumento da capacidade produtiva do trabalho em relação à mesma unidade de capital. O aumento da produtividade do trabalho em decorrência da utilização de unidades de capital, de equipamentos, mais eficientes significa aumento da produtividade do capital e não do trabalho. O aumento de produtividade do trabalho se verifica pela capacitação técnica da mão de obra, a qual, com a mesma unidade de capital com as mesmas características técnicas, passa a produzir mais.
15. A desindustrialização significa a redução da possibilidade de aumento da produtividade da mão de obra em geral. Primeiro, porque a indústria é a atividade de maior produtividade, onde a produtividade mais cresce e de onde nasce a maioria das inovações que irão aumentar a produtividade nos outros setores. Em segundo lugar, porque a desindustrialização reduz a integração das cadeias produtivas e assim as possibilidades de aprendizado que decorrem da instalação e da operação de novas unidades de produção para preencher “lacunas” nas cadeias produtivas.
16. A desindustrialização corresponde também à perda de emprego potencial, já que o emprego utilizado para produzir os bens importados pelo Brasil ocorre em outro país, o emprego é gerado em outro país.
17. Tendo em vista o grande estoque de mão-de-obra desempregada e subempregada que existe no Brasil e sua residência nas cidades, a menor expansão do emprego decorrente da desindustrialização da economia contribui para maiores índices de criminalidade, de tráfico e consumo de drogas, de incidência de doenças e para maiores despesas do Estado com segurança e saúde.
18. A desnacionalização tem consequências importantes para o desenvolvimento tecnológico, para o grau de concorrência no mercado brasileiro e para o balanço de pagamentos do país.
19. O impacto da desnacionalização sobre o desenvolvimento e a capacidade tecnológica, que significa a capacidade de transformar conhecimento em patentes e em investimentos produtivos, decorre do fato de que as empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais. Estas megaempresas já têm centros de pesquisa no exterior, em especial nos países de sua sede, o que leva muitas vezes ao fechamento dos laboratórios de pesquisa que existiam nas empresas por elas adquiridas no Brasil.
20. As empresas que desnacionalizam empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais com muito maior capacidade financeira e, portanto, têm maior capacidade de concorrer no mercado, de adquirir concorrentes e de oligopolizar ou monopolizar mercados. Este “controle” do mercado resulta em lucros maiores e lucros maiores de empresas multinacionais significa remessas maiores para o exterior e redução da formação de capital no Brasil, isto é, da expansão da capacidade produtiva no Brasil, do desenvolvimento eficiente do capital.
21. A desnacionalização leva à desindustrialização. Muitas vezes as empresas multinacionais adquirem empresas no Brasil e integram a produção desta empresa na cadeia produtiva geral da empresa o que pode dificultar a instalação de empresas supridoras no território brasileiro ou mesmo levar ao desaparecimento das que existiam antes da aquisição.
22. O Brasil corre o risco simultâneo de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais, inerme objeto de suas estratégias globais."
(http://revistaforum.com.br/blog/2012/07/os-riscos-da-desindustrializacao-e-desnacionalizacao/)
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PRESÍDIOS PRIVADOS
NO BRASIL:
Minas Gerais inaugura primeiro presídio privado do Brasil
Complexo em Ribeirão das Neves é uma Parceria Público-Privada (PPP) inédita no país.
Foto reprodução
Agora existe um presídio privado no Brasil. O complexo está localizado em Ribeirão das Neves (região metropolitana de Belo Horizonte) e foi inaugurado nesta segunda-feira, dia 28, pelo governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia. O presídio, com 608 novas vagas, é uma parceria entre o Estado e um grupo de empresas que formou a Gestores Prisionais Associados (GPA), em uma Parceria Público-Privada (PPP).
“É algo inédito tenho certeza que vamos conseguir aprimorar o sistema brasileiro. Acredito que a sociedade será beneficiada, durante décadas estamos acostumados com presídios ruins, estamos longe de padrões internacionais bons, mas melhorou bastante. Isso vai aprimorar bastante para o preso que poderá se preparar para sair novamente para a sociedade”, disse Anastasia.
Mais quatro unidades, no mesmo local, devem ser finalizadas até o fim do ano. As obras custaram cerca de R$ 280 milhões para a empresa GPA, que venceu a licitação e em troca vai administrar o presídio pelos próximos 27 anos. Cada presidiário vai custar para Minas Gerais cerca de R$ 2 mil por mês."
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(OUTRO ASSUNTO)
KAFKA NO CINEMA,
O CASTELO (1997),
CRÍTICA:
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"O castelo
(Das SchloB, 1997)
Alemanha/Áustria, 123 min, DVD
Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke, a novel by Franz Kafka
Empresa pProdutora: Wega Film
Distribuição: Les films du Losange
Elenco: Ulrich Mühe, Suzanne Lothar, Frank Giering, Felix Eitner, Nikolaus Parvia, André Eisemann
Exibição em DVD
Classificação indicativa:
O castelo é uma adaptação do livro homônimo e inacabado de Franz Kafka. O filme segue o texto fielmente. Inclusive interrompendo as frases no meio como no livro: a voz do narrador pára no meio da fala, e, de repente, a tela fica preta. Com esses recursos, o cineasta procura - e tenta expressar da melhor maneira possível a impossibilidade do protagonista de chegar ao castelo. Nesta narrativa do absurdo, um jovem agrimensor chamado K. é chamado por um conde de um local não especificado para prestar seus serviços. Porém, por mais que o personagem tente, ele não consegue entrar no castelo, ficando de fora da construção. Ele encontra muitas pessoas, mas nenhuma delas lhe fornecerá qualquer tipo de informação que lhe ajude a ter o acesso ao castelo, que por sua vez parece estar cercado por uma enorme barreira burocrata. Ele se esforça dia após dia para estabelecer contato com os funcionários e administradores do Castelo, até ser tragado para o fundo de um pesadelo que o emaranha ainda mais nesse trajeto sem saída. Haneke, em seu estilo seco e sem concessões, não privilegia, assim como Kafka, nenhuma interpretação da obra, mantendo sua adaptação tão literal quanto possível: ele mostra um homem inserido em uma atmosfera onde pairam a incomunicação, a burocratização existencial e o absurdo. Perseguindo um fantasma a partir de um convite ao trabalho, ele se torna exausto e confuso neste processo pesadelar."
(http://www.mostrahaneke.com/programa-o-castelo.html)
"Kafka na tevê:
o castelo e o cinema de Haneke
Adalberto Müller
Antes de ser consagrado pela crítica europeia como um dos principais dos
novos “autores” do novo paideuma do cinema contemporâneo, Michael Haneke era um ativo diretor de Spielfilme, um gênero que nos países de língua
alemã poderia corresponderia à nossa novela, ou, pelo menos, à minissérie.
Juntamente com as séries (algumas de longuíssima duração, como a série
policial Tatort, principiada nos anos 50), os Spielfilme mobilizam uma parte
considerável – se não a mais importante – do audiovisual nos países de língua alemã, e ocupam um lugar de destaque não apenas na audiência, mas no
diálogo com a “alta cultura”. Pois é através dos Spielfilme que grandes obras
da Literatura foram adaptadas para a tevê, seguindo uma tradição que já vinha do cinema e do rádio – através dos Hörspiele ou peças radiofônicas, bastante populares até os anos 70, e ainda realizados. A qualidade e a seriedade
com que a teledramaturgia foi produzida nesses países levou a que filmes
originariamente produzidos para a televisão se transformassem em verdadeiros cult movies, e não apenas nos países de língua alemã. Entre eles estão
obras como Berlin Alexanderplatz, baseado na obra capital de Alfred Döblin,
e dirigida por ninguém menos que Rainer Werner Fassbinder, o recente Os
Brüdenbrock, baseado em Thomas Mann, e Das Schloß – Ein Prosafragment
– de Michal Haneke.
Vale lembrar, para encerrar essa discussão inicial, que até bem recentemente os canais de maior audiência nos países de língua alemã eram estatais, o que poderia explicar, pelo menos em termos, a liberdade dada a
diretores como Fassbinder e Haneke quanto à criação de verdadeiras obras
de vanguarda para a telinha. Mas essa relação fácil entre tevê e Estado se
torna sem sentido quando lembramos que países como França, Itália ou
Portugal também tinham um sistema de tevê estatal, e nem por isso produziram obras de teledramaturgia significativas de forma constante – como é
o caso dos sistemas televisivos dos países de língua alemã. Haveria que se
questionar aí, para buscar uma resposta, o papel determinante do público
para a formação de um gosto por obras de teledramaturgia mais complexas do ponto de vista da estruturação formal.
Quando Michael Haneke filma sua primeira obra internacional de
maior fôlego, ele já tem um currículo de mais de vinte anos ligados à tevê.
Aliás, quando Haneke começa – como roteirista – seu trabalho na tevê, no
final dos anos 60, a Alemanha ainda vivia à sombra dos acontecimentos
ligados ao movimento político-revolucionário RAF, que se opunha violentamente ao capitalismo dominante e à influência dos EUA na política
européia. Também convém lembrar que Haneke ainda é parte do que se
convencionou chamar de Novo Cinema Alemão – que inclui nomes como
Volker Schlöndorff, R.W. Fassbinder, Alexander Kluge – com quem seu cinema tem mais de um ponto de contato (por exemplo, em O Castelo, os
cortes repentinos seguidos de fades, e a utilização expressiva da narração off,
que aproximam esse filme de O jovem Törless, de Schlöndorff ou de Berlin
Alexanderplatz, embora o aspecto melodramático dos filmes de Fassbinder
seja estranho ao ascetismo antissentimental de Haneke). Nascido nas cinzas da RAF e do Novo Cinema, o cinema de Haneke manteve tanto a discussão política forte quanto o radicalismo na experiência com a linguagem
(SANNWALD, 2011).
Tais posições podem ser constatadas no pequeno texto-manifesto “Film
als Katharsis”, que Haneke assina para um volume sobre o cinema austrí-
aco dos anos 80 (BONO, 1992). Haneke anuncia ali que seus filmes são
uma notícia do progressivo “congelamento emocional” por que passava seu
país. A par do termo “emotionale Vergletscherung” (congelamento emocional), sobre o qual discutiremos adiante, vale a pena destacar elementos
nesse manifesto que serão parte do estilo de O Castelo e dos filmes que se
seguem: a “descrição realizada com distanciamento protocolar” (que remete obviamente à “Protokollsprache” típicamente kafkiana, marcada pela
frieza objetiva e pelo distanciamento) e o gesto antiburguês, anticonsumo
e anticonsenso. O tom de revolta ao mainstream americano aparece claramente também: “[os filmes] foram pensados contra o cinema estonteante
[Überrumpelungskino] dos americanos e contra a sua maneira de incapacitar [Entmündigung] os espectadores” [BONO, op. cit., p. 89]. É essa violência – que se vê no tom do manifesto – e não a “violência gratuita” que
fundamenta o cinema de Haneke. Uma violência acima de tudo política,
porque investe antes de mais nada contra as formas (políticas também) de
representação da violência, sobretudo contra aquelas formas que a querem
banalizar e transformá-la no mais puro divertimento. Por isso também o ci-nema de Haneke – e, sobretudo, O castelo, não é um cinema divertido.
Antes de Haneke, a obra de Kafka já havia sido adaptada para o cinema
e a para a tevê. Foi de ninguém menos do que Orson Welles (que tinha um
projeto monumental de adaptações, que incluíram Shakespeare, Conrad
e Cervantes) a iniciativa de adaptar o clássico O processo, no qual a figura
estranha e glacial de Antony Perkins encarna o funcionário K., que se vê envolvido num processo e num julgamento que escapa ao seu entendimento,
e para os quais não encontra nenhuma resposta plausível. Já o texto “Zur
Frage der Gesetze” (traduzido, salvo engano, como “Diante da lei”) mostrava o absurdo a que pode chegar o sistema de Leis e Normas numa sociedade
em que os cidadãos não têm capacidade para decidir nada. Nem os nobres
nem os partidos de oposição são capazes de mudar as Leis, diz o narrador
do conto, e conclui: nada pode ser feito. É desse esmagamento do indivíduo
por uma situação que escapa do controle (e cujo controle lhe escapa) que
fala tanto O processo quanto O castelo. Mas onde Welles (ele próprio uma
espécie de K., lutando para mudar a Lei de Hollywood) é ainda grandiloquente e até mesmo barroco, o texto kafkiano reclamava o distanciamento
protocolar, que Haneke soube atingir em O castelo. Nem vale a pena mencionar aqui Die Verwandlung (A metamorfose, 1975), produzido para a rede
de tevê ZDF em 1975, e que substitui o ponto de vista de Gregor por uma
câmera subjetiva à laThe lady in the lake, e também peca pelo exagero. Aliás,
o texto A metamorfose recebeu inúmeras adaptações, inclusive uma na Espanha, além de vários curtas, animações e quadrinhos – o que mereceria um
trabalho à parte de leitura, que não podemos e nem queremos fazer aqui.
O castelo de Haneke reza a cartilha elaborada em “O filme como catarse”,
e talvez nada melhor do que esse texto de Kafka para levar suas propostas às
últimas consequências. A situação absurda, descrita em O castelo, pode ser
resumida num diálogo entre K., o agrimensor que vem buscar um trabalho
num castelo, com um professor. Esse professor – mais um funcionário do
inacessível, apenas para K, castelo – explica a K. que a sua contratação foi
provavelmente um erro, e que não havia nada que fazer, pois as coisas no
castelo eram daquele modo mesmo, divididas em departamentos, e cada
um deles com autonomia relativa. A isso K. responde: “Mas se trata de minha existência”. Ao que o professor retruca: “Veja, tudo o que há sobre o
senhor é um protocolo. E o protocolo é apenas meio-oficial [halbamtlich]”
(KAFKA, 1965, p. 560). Andando pelos labirintos da Lei, K. descobre-se
cada vez mais impotente e sozinho, e incapaz de mudar sua condição. Ao invés de ser um estrangeiro numa terra estranha, K. descobre aos poucos
que é na verdade um prisioneiro, e que não há como sair do Castelo. Aliás, o
título alemão, Das Schloß, poderia ser traduzido literalmente como “o lugar
fechado”. Ali não se entra. Dali não se sai.
Essa condição de impotência e aprisionamento não é exclusiva, na obra
de Haneke, de O castelo. Ao contrário, parece-me que as personagens de
Haneke estão sempre aprisionados em situações incontroláveis. É assim
em Funny games, em que o casal burguês se vê encarcerado dentro de sua
própria casa por dois jovens violentos. É assim também a condição da personagem vivida por Isabelle Huppert, em A professora de piano, aprisionada
no castelo da mãe, tentando dar vazão às suas perversões como forma de
libertação do jugo materno. Em Código desconhecido, Juliette Binoche fica
durante um tempo longo exposta à truculência de delinquentes num metrô.
É também esse encarceramento e impotência que levará os protagonistas de
Caché ao desespero, por não saberem quem lhes controla, de longe, a vida
– tal como o Senhor do Castelo controla a vida de K., apesar de a própria
existência de um Senhor seja duvidosa. Enfim, no filme mais recente, A fita
branca, não apenas os filhos estão submetidos a um exacerbado controle religioso do pai, o que lhes leva pouco a pouco a buscarem atos violentos, mas
é toda uma comunidade que parece estar aprisionada e impotente diante de
uma situação que, de alguma forma, deixa antever a formação de um estado
totalitário.
O Castelo também define o estilo de Haneke. Desde as cores lavadas
e opacas da fotografia; a trilha sonora, cheia de ambiências vazias, ou de
ventos glaciais soprando de forma quase ensurdecedora; passando por
uma interpretação sem grandes investimentos na ênfase e nas expressão das
emoções; e, finalmente numa montagem elíptica, em que até mesmo partes
de diálogos são cortados repentinamente; tudo isso acentua o caráter de
“Vergletscherung”, de congelamento das emoções. Interessante observar
que mesmo no que diz respeito às relações afetivas – por exemplo, na relação conturbada de K. com Frieda – o congelamento e o frio vai minando
qualquer possibilidade de redenção. Pelo contrário, e já no texto de Kafka,
o afeto e o sexo acabam se transformando numa espécie de loucura que escapa ao controle, o que irá acentuar ainda mais, em K., o sentimento de
ser estrangeiro, e logo impotente contra as determinações das Leis. Na cena
em que K. e Frieda rolam no chão sujo abraçados e fazem amor – cena que
Haneke não omitiu – o narrador comenta: “ali transcorreram horas em que a respiração era uma só, em que os corações batiam juntos, horas em que K
parecia sentir que estava se perdendo e entrando cada vez mais no estranhamento [in der Fremde], tal como jamais homem algum entrara” (KAFKA,
517]. Não por acaso Haneke opta, na decupagem dessa cena, por manter o
narrador em off, retirar substancialmente a luz, afastar a câmera, até que a
imagem se obscureça quase totalmente. Mesmo o amor físico não é saída
para K. – como a perversão da professora de piano não lhe levará a mudar
sua condição de prisioneira da perversão materna. Quando Frieda decide
abandonar K, e ficar com um de seus ajudantes, a angústia terrível de K.
se traduz muito bem por dois planos: em um, vemos a porta de Frieda, de
onde sai uma luz, fechar-se; no plano seguinte, um imenso corredor vazio,
que transfere para a exterioridade do cenário o sentimento de desolação e
impotência de K.
Essa maneira de “minar” o terreno dos afetos é que, a meu ver, cria em
Haneke um cinema tão forte quanto capaz de provocar estranhamento.
Seus personagens parecem estar todos congelados afetivamente. Em geral,
quando as emoções transbordam, ou elas são falsas – como no caso da mãe-
-Binoche que vê o filho tentar pular do prédio em Código Desconhecido, e
depois ficamos sabendo que se tratava de um filme apenas, dentro do filme
– ou são tratadas pela via da perversão sádica (o que não deixa de ser uma
forma de organizar racionalmente os afetos e as pulsões), como ocorre em
A professora de piano. A contrapartida desse congelamento é, claro, a tão propalada forma de violência dos filmes de Haneke.
Ora, como disse anteriormente, é pelo viés político que Haneke se manifesta em seus filmes, sempre. Por isso, a questão da violência nem será
tratada de maneira superficial e grosseira (como nos filmes em que o sangue fica esguichando, membros e vísceras expostas da forma mais trivial).
Como afirma Michael André, Haneke é um Anti-ilusionista, a violência (e
outros temas) não está nos filmes para agradar o espectador – ele sim, o
verdadeiro autor dos filmes de violência banalizada – mas para des-iludi-lo,
através de uma série de procedimentos: do ascetismo frio da filmagem –
que lembra seu mestre Robert Bresson – às constantes presenças de interferências intermediais – em que o dispositivo midiático revela ser “tudo falso”,
como ocorre em Funny Games ou Código desconhecido – tudo nos filmes de
Haneke leva a uma ruptura com os padrões de expectativa, de tal modo que
assistir a seus filmes significa aceitar um cinema que nos obriga a pensar
através do desprazer, ou da dor. Sim, estamos diante de um cinema que faz doer os olhos (e os ouvidos).
Se ele lhe agrada, caro espectador, pergunte-se então se é a dor em si mesma
ou o que ela provoca em seu intelecto o que o leva a querer ver, e rever, cada
vez mais, a obra de Michael Haneke.
%LEOLRJUDÀD
ANDRÉ, M. “Der Anti-Illusionist”.Film-Fonzepte 21 – Michael Haneke, n.
21, 2011-12.
BONO, F. (ed.) [1992]: ‘Film als Katharsis’, Austria (in)felix: zum österreichischem Film der 80er Jahre - Bono, Francesco (ed.), 1992.
KAFKA, F. Die Romane. Frankfurt/Main: S. Fischer Verlag, 1965.
KAFKA, F. “Zur Frage der Gesetze”. Sämtliche Erzählungen. Frankfurt/
Main: S. Fischer Verlag, 1970.
SANNWALD, D. [ 2011]. “Vorwort oder: Schwarz und Weiß”. Film-Fonzepte 21 – Michael Haneke, n. 21, 2011-12."
(http://www.mostrahaneke.com/pdf/11muller%20.pdf)
===
(http://pachovski.blogspot.com.br/2011/05/o-castelo_12.html)