ELMAR CARVALHO

 

Na segunda-feira, cedo da manhã, vinha eu para esta cidade de Regeneração, contente da vida, pela vida em si mesma, por estar gozando de boa saúde, e por ter o meu trabalho, em que procuro resolver, da melhor forma que me é possível, sem formalismos desnecessários, como é do meu estilo, os problemas dos outros, trafegando pela BR 316, quando, na altura do km 9, depois de ter passado pela chamada rodoviária dos pobres, ouvi um forte estrondo, como se algo houvesse explodido. Após o impacto, que houve, mas que não recordo ter sentido de imediato, vi a frente de minha picape colada na traseira de um automóvel.

 

Atordoado, fiquei tentando imaginar o que teria acontecido. Concentrei-me no objetivo de ficar calmo, para conversar com o motorista que eu aparentemente havia prejudicado. Imaginei que eu poderia ter sofrido um rápido desmaio ou vertigem, e por isso teria atingido o carro alheio. Vi do lado de fora um rapaz que tentava fazer contato comigo. Perguntou se eu estava bem. Respondi afirmativamente. Tentei sair pela porta da esquerda, mas percebi que ela fora danificada, e por isso travara.

 

Saí pela porta da direita. Foi, então, que percebi o que efetivamente acontecera. Um ônibus prateado atingira com violência a traseira de minha picape, e fizera com que ela colidisse com o bagageiro do carro da frente, tendo este, por sua vez, batido no automóvel seguinte. Logo, éramos três vítimas de um motorista imprudente e talvez imperito. Vimos que, de perto do ônibus, ele falava ao celular, provavelmente com o seu patrão. Achamos que jamais iria fugir, uma vez que não houvera vítima fatal, nem ao menos em estado grave. Mas o fato é que ele fugiu, talvez por não ter habilitação, ou ao menos no nível exigido para condução de ônibus.

 

Ficamos, os três prejudicados, a trocar ideias sobre a situação, enquanto aguardávamos ajuda e a chegada da Polícia Rodoviária Federal, para fazer os trabalhos periciais. Uma viatura do sistema penitenciário parou, por um breve momento, tendo alguns dos agentes me reconhecido. Pedimos que eles dessem a notícia da ocorrência no Posto da Polícia Rodoviária, o que eles prometeram fazer.

 

De fato, alguns minutos depois uma viatura da PRF chegou. Como eu era a vítima, cujo carro sofrera maiores danos, perguntaram-me se eu estava bem, se não precisava ir para um hospital. Respondi-lhes que fisicamente pouco sofrera, a não ser uma leve e quase imperceptível escoriação, creio que provocada pelo cinto de segurança, que certamente, além da graça de Deus, evitou que eu sofresse algum mal maior.

 

Um homem se apresentou como sendo o dono do ônibus. Quando falamos dos prejuízos, eu e a moça do carro da frente, que exercia o cargo de farmacêutica em Monsenhor Gil, dissemos-lhe que tínhamos seguro. Devo confessar, mas espero estar enganado, que não senti firmeza no proprietário em resolver os prejuízos que suportaremos, mesmo com o seguro, porquanto nada ele falou de concreto, mas apenas através de evasivas e palavras vazias, ditas de má vontade e sem ânimo de resolver os problemas causados pelo seu empregado.

 

Com efeito, chegou ele ao ponto de nos dizer que já respondera a processo, e que isso durara onze anos, como se estivesse a sugerir que era melhor não procurarmos a Justiça. Ora, isso não era coisa apropriada para ele falar naquele momento. Depois, de forma também inoportuna, disse que o estrago em meu carro só não fora maior porque o seu ônibus era de alumínio, e não de ferro. Fiquei com a ligeira impressão de que ele estava insinuando que eu poderia até ter morrido, se o ônibus dele fosse um brutamontes todo de ferro maciço.

 

O prejuízo psicológico que essa brutal colisão me causou sem dúvida vai perdurar por algum tempo. Os transtornos e prejuízos financeiros com a falta e o conserto de meu carro terei que suportar de imediato, pois o dono do ônibus nada falou a esse respeito, a não ser do seu processo judicial de onze anos, pelo qual não tenho a menor culpa. O tempo que desperdicei e ainda desperdiçarei por causa desse acidente, também parece que não lhe diz respeito. E muito menos os percalços burocráticos e mecânicos para ter a minha picape de volta, que era nova e estava em perfeito estado.

 

De há muitos anos, talvez mesmo desde sempre, já venho praticando a chamada direção defensiva. Muito, mas muito raramente passo dos 100 Km por hora. Sempre mantenho a distância regulamentar de quem vai à minha frente. Facilito a ultrapassagem dos “apressadinhos”, diminuindo a minha velocidade. Se necessário, vou para o acostamento, quando um imprudente e precipitado, vindo em sentido contrário, faz uma ultrapassagem indevida. Tento ser defensivo em relação a quem vem atrás, evitando freadas bruscas. Entretanto, ser defensivo em relação a quem praticamente joga o seu veículo contra o que dirigimos, já é uma missão impossível, ou quase, ao menos em diversas circunstâncias.

 

Tive o conforto de ter ficado a meu lado o nobre Juiz de Direito Manoel Moraes, que passou pelo local logo depois do desastre, e ficou comigo, prestando auxílio e solidariedade, até quando chegaram minha mulher e minha filha. Teve a iniciativa de ligar para minha comarca, para noticiar o fato e justificar o meu atraso. É ele um magistrado digno, humano, que pratica a bondade e a caridade, sem empáfia e sem bazófia, e isso eu comprovei nesse percalço de minha vida.

 

Agradeço a Deus por estar vivo e ileso. Sou grato a todos que externaram a sua solidariedade e as suas palavras de estímulo, por telefone ou por e-mail. Termino com o ditado popular, que diz que é melhor irem-se os anéis, desde que fiquem os dedos. Estou bem, e tenho tudo de que necessito. Hoje mesmo, já trabalhei com alegria e bom ânimo.