[M. T. Piacentini]

 

Pergunta um menino a outro:

– Vamos jogar uma pelada?

– Está bem, vou buscar a bola.

 

Seria estranho se o garoto fosse buscar a “péla”, palavra que deu origem à informal “pelada” porque designativa de um tipo de bola usada no jogo da pela. Esta palavra perdeu o acento agudo, mas continua com o e aberto. A mesma pronúncia (é) mantém o ato de pelar: “Tu pelas ou ele pela uma laranja em dois segundos”.

 

Antes de 1971, usava-se o acento circunflexo no e e no o de certas palavras homógrafas para distinguir a pronúncia fechada (por exemplo êle, êsse, sôbre, côrte) da aberta (ele, esse, sobre, corte), ou seja, por questão de timbre. A Lei 5.765/71 aboliu esse acento diferencial, tendo permanecido duas exceções por timbre (pôde e fôrma – esta última não oficialmente), além de outros pares diferenciais em razão da tonicidade, em que o acento agudo ou circunflexo distinguia a sílaba tônica da átona (côa, pólo, pôlo, pêlo, pélo, pêra, péra, pára, pôr).

 

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entrou em vigor em janeiro de 2009, reduziu essas onze palavras acentuadas a três: pôr, pôde e fôrma (sendo o acento facultativo neste último caso). 

 

Não se usará mais acento em para (verbo), pela (bola ou verbo), polo (extremidade, face oposta), pelo (cabelo, penugem) e pera (fruta), como acontece com todas as palavras paroxítonas terminadas em a, e, o.

 

O acento diferencial evita ambiguidades. Imagine, por exemplo, um bilhete deixado na sua mesa: “O contador não pode vir, conforme sua convocação”. Significa o quê? Que não houve jeito de ele vir, ou que no momento está impossibilitado de comparecer? Para esclarecer, basta um sinal gráfico: Não pôde vir [ontem, ou outro passado].  Não pode vir [hoje, agora].

 

Outro caso em que o acento diferencial se faz quase que indispensável é o de fôrma versus forma, porque ambas as palavras pertencem à mesma classe gramatical, têm a mesma distribuição na frase. Só o contexto não evita a ambiguidade – uma coisa é “prefiro esta forma” e outra é “prefiro esta fôrma”. É o acento que nos faz perceber a diferença de sentido. 

 

Há muitos pares de homógrafos, como bolo (doce) e bolo (verbo) ou fora (na parte exterior; exceto) e fora (verbo), que não se confundem dentro de um mesmo contexto:

- Vou colocar o bolo na fôrma que inventei. Como bolo coisas lindas! - diz, convencida.

- O menino deixou a bicicleta lá fora, mas quando o procurei, já se fora.

 

Há uma palavra, entretanto, que deveria ter permanecido com o acento diferencial: pára. Não custava nada terem deixado os três verbos na mesma situação: pôde, pôr, pára. Criou-se no mínimo um problema para os jornais porque, usada isoladamente, a forma verbal “para” se confunde com a preposição “para”. Por exemplo, numa frase como TRÂNSITO PARA SÃO PAULO, a tendência do leitor é entender que o trânsito vai em direção a ou é destinado a SP. Como os jornais prezam por uma comunicação rápida mas eficiente,  já não podem usar o verbo em manchetes! Esse acento poderia ser facultativo, ao menos, para salvaguardar os casos ambíguos. Quem sabe a Academia Brasileira de Letras ainda vá mudar este ponto da reforma, um entre outros que merecem revisão.