Da Serra da Capivara ao Sertão de Cabrobó
Por Elmar Carvalho Em: 05/02/2023, às 10H25
Da Serra da Capivara ao Sertão de Cabrobó
Elmar Carvalho
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Neste sábado, dia 28/01/2023, aconteceu a primeira reunião de nossa APL, após o recesso do final/começo de ano. Todos os acadêmicos que foram ao passeio turístico-cultural a São Raimundo Nonato, Parque Nacional de Serra da Capivara (situado em partes dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias) e Oeiras foram unânimes em dizer que a viagem foi excelente e proveitosa.
Em minha breve fala, enalteci o passeio, fixando os pontos que achei mais importantes, seja por achá-los mais interessantes, curiosos ou surpreendentes. Na empolgação do discurso, disse que me sagraria o Pero Vaz de Caminha dessa expedição, e escreveria uma crônica sobre ela. É o que tento fazer agora, sem nenhuma consulta a anotações, já que não as fiz.
No sábado, dia 21, seguimos em nossa viagem, cujo ponto de partida foi o estacionamento da Ponte Estaiada Mestre Izidoro França. Procurei uma poltrona perto da janela, através da qual fui olhando a paisagem e as pequenas cidades e povoações, que tantas vezes vi, à límpida luz do sol ou à penumbrosa luz do luar, quando mourejei por vários anos em longínquas comarcas do sul do Piauí.
Conduziu o ônibus o excelente e prestativo motorista Valdenir José da Costa e foi responsável pela viagem a educada e solícita Jaqueline Nobre, que prestou impecável assistência aos expedicionários, quase todos legalmente idosos, mas, na prática, jovens acima dos sessenta anos. Fizemos uma parada estratégica e logística na progressista Água Branca, cidade do coração, quase diria natal, do presidente Zózimo Tavares, comandante em chefe da expedição. O local da parada não poderia ser mais apropriado: era a lanchonete dos irmãos Sales, frequentadíssima, onde se pode degustar um delicioso e legítimo bolo frito ou um requeijão de primeira qualidade, além de outros quitutes.
Seguindo o plano e o roteiro da viagem, almoçamos em Floriano, e sem mais delongas marchamos rumo a São Raimundo Nonato, em plena caatinga. A viagem transcorreu sem nenhum acidente ou incidente digno de reparo, exceto um que poderia ter sido trágico, mas que a graça de Deus o mitigou. Dona Mécia, esposa do poeta Francisco Miguel de Moura, meu amigo há várias décadas, quando já estávamos nos aproximando de nosso destino, ao se levantar, com o ônibus em movimento, caiu sobre a escada do veículo, mas felizmente só teve dois pequenos ferimentos e hematomas, na região da cabeça. Logo chegamos a SRN e ela recebeu os necessários cuidados médicos, sem constatação de que houvesse algo de maior gravidade. O confrade Plínio Macedo e sua tia Socorro Macedo, por serem naturais da cidade, prestaram todo o apoio a Mécia, que no dia seguinte já estava em plena vitalidade, tanto que lhe disse, brincando, em analogia a um filme de ação, que ela era “dura na queda”.
Nos instalamos no Real Hotel, no centro da cidade, e seguimos para o prédio do SENAC, em cujo auditório ocorreria a solenidade de nossa Academia. Foi exibido o documentário sobre a história da APL, dirigido e editado por Luciano Klaus, com roteiro do presidente Zózimo Tavares. Foi também projetado o vídeo (clipoema) Miragens de Serra da Capivara, com poema de Elmar Carvalho, fotografias do médico Valdeci Ribeiro de Carvalho, e editado por Claucio Ciarlini. Ambos os audiovisuais foram bastante aplaudidos pelos presentes. O professor universitário Gênesis Naum Farias me solicitou cópia do poema, para publicação em sítio internético.
Após, a mesa foi composta por Zózimo Tavares, presidente da APL, Carmelita de Castro Silva, prefeita municipal, Magno Pires, vice-presidente da APL, Fonseca Neto, palestrante e 1º secretário, além de outras autoridades. A cerimonialista foi a jornalista Vanize Lemos, que exerceu com maestria o seu mister. Houve ainda o lançamento do livro/álbum Piauí – terra querida, filha do sol do equador, com textos e esplêndidas fotografias de André Pessoa.
Fonseca Neto, em sua brilhante palestra, em seu estilo próprio, inimitável, falou da importância do trabalho da confreira Niede Guidon, das descobertas, estudos e análises do apurado labor arqueológico, bem como do notável significado das pinturas rupestres, e da importância disso tudo para a história do Piauí, do Brasil e do mundo.
Ao ouvi-lo fiquei imaginando as labutas, as lutas, as agruras que esses nossos ancestrais, esses “capivarões de Guidon”, no dizer fonsequiano, tiveram que enfrentar, ao relento ou em furnas esconsas, sofrendo picadas de insetos e as chicotadas do frio noturno, das chuvas e das tempestades.
No dia seguinte, domingo, fomos conhecer os cantos e encantos do Parque Nacional de Serra da Capivara. Os cantos porque conhecemos vários sítios e pontos turísticos e os cantos maviosos de aves álacres e belas, como corrupiões, bem-te-vis, galos-de-campina, sabiás e chico-pretos. E encantos porque o parque é todo cheio de encantos, que nos proporcionam sua floresta bem preservada, seus paredões rochosos, e as serranias ao longe. A famosa pedra-furada acaso não seria um portal para uma outra dimensão, talvez ainda mais bela? Alguém já a teria atravessado, em tempos imemoriais, que se perdem na voragem do próprio tempo? Jamais teremos resposta para esse mistério.
Ao fim do périplo, um dos guias, ao saber que eu tinha um poema sobre Serra da Capivara, me disse também ter feito versos, em que louvava essas louçanias, e me conduziu até um tipo de mandacaru, de espinhos pequenos e bem flexíveis. Num gesto quase ritualístico ou de prestidigitação, pôs as pontas dos dedos no topo de um dos “galhos” do cacto e os moveu de cima para baixo, na forma e na velocidade adequadas, e fez surgir o rumor de água, como a escorrer por um córrego, que imaginei ornado por belos seixos. Que mistério encerraria essa singular sonoplastia, nascida de uma planta típica das caatingas secas, adustas, de poucas chuvas, que imitava o som de água corrente, tão cara aos ouvidos dos sertanejos?
Após o almoço em restaurante do parque, fomos conhecer o Museu da Natureza, concebido em avançada tecnologia, que nos proporcionou diversas experiências sonoras, táteis e visuais, e no campo eletromagnético. Vimos projetados enormes paquidermes, com seus rugidos assustadores, além de imagens panorâmicas e aéreas de todo o parque.
Tive a nítida sensação de sobrevoar os imensos paredões e desfiladeiros, quando usei o simulador de asa delta, que proporciona imagens cinematográficas em 3 dimensões. Me senti um anjo, sem peso e sem pecado, a voar sobre um abismo vertiginoso de beleza, que um dia sobrevoarei de verdade, quando eu partir para a outra dimensão de uma das casas do Pai, como prometeu Jesus Cristo, de que eu tive a prefiguração nesse voo de mentirinha.
Fomos em seguida visitar o Museu do Homem Americano, na cidade de São Raimundo Nonato. É um misto de museu convencional, com a formação de ambientes e de exposição de diversos objetos, oriundos das escavações nos diversos sítios arqueológicos do Parque de Serra da Capivara, como utensílios diversos, vasilhas, vasos, armas, pontas de flecha, facas rudimentares, urnas funerárias, esqueletos de animais e de antigos habitantes da caatinga capivarense, e de museu tecnológico, em que imagens são projetadas, sobretudo as das pinturas rupestres, em que se veem animais e as antiquíssimas pessoas da região, em situações que sugerem danças, rituais e outras atividades, inclusive amorosas, como a afamada cena do beijo pré-histórico.
Antes do retorno ao hotel, prestamos singela homenagem ao Dr. Raul Macedo, pai do confrade Plínio Macedo e do Des. Pedro Macedo, ao pé do monumento que tem o seu busto. Foi o primeiro médico do município. Por seu espírito solidário e humanitário, prestou relevantes serviços à região sanraimundense.
À noite, fomos jantar em uma churrascaria perto do nosso hotel. Fizemos breve e alegre libação comemorativa. Ao voltarmos ao hotel, conversamos sobre poesia e poetas. Instigado pelo jornalista e documentarista Luciano Klaus, terminei falando da velha Zona Planetária, mítico cabaré campomaiorense, cujos casarões foram destruídos num forte inverno implacável, de chuvas constantes e torrenciais, mas que ainda remanescem num poema de minha autoria, de igual título, cujos versos iniciais recitei na noite sanraimundense: “Anfion percorre os sulcos / dos discos das vitrolas e as / emoções são alinhadas pedra a pedra. / Apolo é qualquer moço feio / que nos vitrais Narciso se julga. / De repente, Átropos corta o fio da vida / que era tecido pelas Parcas lentamente / pelos golpes de facas, adagas ou estiletes / nas mãos de um velho Pã embriagado.” E a câmara indiscreta de Klaus tudo viu e tudo registrou para os arquivos implacáveis de Luciano.
Na manhã do dia seguinte, cedo, logo após o café, arribamos para a velha Oeiras. Seguimos pela estrada que passa por São João do Piauí, que me fez lembrar do padre Solon Aragão e do poeta Adail Coelho Maia, e pela cidade de Simplício Mendes, na qual foi juiz por alguns anos o confrade e Des. Oton Lustosa. Por essa urbe passei algumas vezes, no início de minha carreira de julgador, em demanda de minha longínqua Comarca de Socorro do Piauí. No entorno do monumento ao médico Isaías Coelho, Oton Lustosa fez breve pronunciamento em que relembrou a sua atuação magistratural na cidade e um pouco de sua vida civil e familiar, ainda com escasso tempo de casado. Foi cumprimentado por velho servidor da Justiça, que dele guardava boas recordações.
Ao rever a estátua do célebre médico Isaías Coelho, me lembrei de histórias que li ou ouvi contar a seu respeito. Numa época em que não havia praticamente exames médicos, mormente na região, tinha grande clientela. Muitos vinham de longínquas paragens para se consultar com esse esculápio do sertão. Pelos seus diagnósticos e medicamentos certeiros, ganhou fama de ter dotes mediúnicos, quase um taumaturgo, senão mesmo um demiurgo. Morreu celibatário, talvez porque tenha desejado dedicar o maior e o melhor esforço de sua vida exclusivamente ao exercício da medicina.
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À colonial e episcopal Oeiras chegamos um pouco depois do meio-dia.
Nos hospedamos no Hotel do SESC, cujo nome homenageia o nosso estimado confrade Moisés Reis. Já o Carlos Rubem, guardião dos vetustos solares e da cultura de Oeiras, Promotor de Justiça (e de cultura, como já disse alhures), nos esperava com a sua lhaneza de sempre.
Fez questão de mostrar aos expedicionários uma bela placa metálica, que estampa, no hall do hotel, o meu poema Noturno de Oeiras. Inclusive, no dia seguinte, ele terminou por transformar o jovem governador Rafael Fonteles numa espécie de garoto propaganda do meu poema, ao lhe fotografar ao lado da placa e ao gravar rápido vídeo, com o gestor se referindo ao Noturno.
Após breve descanso, fomos fazer um pequeno passeio turístico. Visitamos o sobrado Major Selemérico, que foi na Oeiras colonial e imperial o Palácio dos Governadores. Vimos os retratos dos presidentes da Província e os governadores do Piauí no período republicano. Vimos a mesa grande, rústica, em que Manuel de Sousa Martins, depois Visconde da Parnaíba, decidiu a adesão do Piauí ao movimento em prol da Independência do Brasil. É um prédio simples, despojado, sem ostentação de objetos luxuosos, mas em que a história de um tempo antigo parece nos espreitar dos beirais, dos velhos assoalhos, das enrugadas paredes, das frestas dos velhos móveis, da escadaria de pedra.
Estivemos no Solar do Major Doca Nunes, ancestral do ex-governador Wilson Martins. Nesse museu vimos muitos móveis antigos e muitos objetos artísticos, entre os quais belas pinturas e esculturas. Nosso guia exemplar foi o poeta e economista Olavo Braz Barbosa Nunes Filho, que com sua forte e clara voz tudo nos explicava, tudo nos esclarecia, inclusive sobre alguns aspectos da vida familiar de Doca. Muito fiquei honrado quando ele, após elogiar o meu Noturno, me entregou o seu lindo livro/álbum Pedaços de Mim, em que são exibidos textos em prosa e em versos de sua autoria, além de excelentes fotografias autorais de paisagens, plantas, igrejas e obras de arte sacra, sobretudo de Oeiras.
Tivemos o prazer de olhar vários compartimentos da vetusta catedral de Nossa Senhora da Vitória. Percorremos sua nave. Vimos velhas imagens de santos. Contemplamos seu retábulo principal, tão bem retratado pelo escritor oeirense Dagoberto de Carvalho Jr., em seu estilo castiço e clássico, em páginas admiráveis, inclusive na sua excelente magna obra Passeio a Oeiras, de cuja sexta edição tive a honra de ser o prefaciador. Visitamos as capelas. Vimos algumas lápides e perguntamos pela do Visconde da Parnaíba, o homem que por maior lapso de tempo governou o Piauí. Uma das pessoas que nos acompanhavam nos informou que o corpo do ilustre oeirense fora enterrado debaixo do altar-mor, mas sem nenhum sinal ou marca, que pudesse indicar o seu jazigo. Seu nome, que não consta em nenhuma lápide, que não encima nenhum epitáfio, contudo está grafado em letras imortais em todos os livros da História Piauiense.
Com a ajuda de guia experiente, devassamos todos os meandros e recônditos do Museu de Arte Sacra, instalado no antigo Palácio dos Bispos. Vimos a Galeria dos Bispos, inclusive do primeiro, Dom Expedito Lopes, que se encontra em processo de beatificação. Fundou o Ginásio Municipal de Oeiras, do qual foi diretor e professor. Sua vida foi tragicamente ceifada, quando servia na Diocese de Garanhuns, pelo padre Hosana de Siqueira e Silva, que se rebelou contra sua admoestação. Seu algoz veio também a ser assassinado algumas décadas depois.
Vimos muitos utensílios sacros, pinturas, esculturas, móveis, além de paramentos de antigos bispos e fotografias. Entretanto, não pudemos ver a famosa e valiosíssima custódia de ouro maciço, cravejada de pedras preciosas, trabalho da mais refinada ourivesaria portuguesa, que, segundo o historiador Pe. Cláudio Melo, fora doada à matriz de Oeiras, no tempo de Tomé de Carvalho, pelo mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar. Fica guardada em um cofre, em recinto hermeticamente fechado. Essa custódia, que já fora roubada em tempos antigos, só é exibida uma vez por ano, por ocasião da procissão e da missa de Corpus Christie. Segundo Carlos Rubem, quando esse ostensório é levantado na procissão ou na missa, como que um frêmito parece comover os fiéis, numa quase epifania, ousaria dizer.
À noite, no Cine-Teatro Oeiras, uma das obras marcantes do coronel Orlando Carvalho, foi realizada a sessão especial da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico de Oeiras - IHO, de que sou sócio correspondente. Além de membros das duas instituições e pessoas da sociedade oeirense, compareceram várias autoridades, entre as quais o governador, o prefeito municipal, deputados e vereadores. Compuseram a mesa o presidente da APL Zózimo Tavares, o governador Rafael Fonteles, o presidente da Assembleia Legislativa, Franzé Silva, o prefeito José Raimundo de Sá Lopes, o presidente da Câmara Municipal, Espedito Martins, o ex-governador Wilson Martins, a presidente do IHO, Inácia Rodrigues Ferreira, o bispo diocesano Dom Edilson Soares Nobre, o 1º secretário da APL, Fonseca Neto, e os conferencistas Moisés Reis e Reginaldo Miranda.
Foram exibidos o documentário sobre a História da APL (direção e edição de Luciano Klaus, e roteiro de Zózimo Tavares) e o clipoema Noturno de Oeiras, poema de Elmar Carvalho, com produção, fotografias e edição de Inamorato Reis, interpretado por Claucio Gonçalves de Carvalho. Ambos os vídeos foram entusiasticamente aplaudidos.
Moisés Reis, advogado de notável competência e ética, em nome do IHO, pronunciou um magnífico discurso de recepção, com sua voz pausada, de límpida e bela entonação. Traçou breve panorama da história da Academia, da qual é destacado integrante, e fez a exímia louvação de alguns de seus patronos e membros. Não sou tão humilde a ponto de deixar de transcrever o trecho com que ele me distinguiu:
“E foi assim que o amigo e confrade Elmar Carvalho, filho de Oeiras pelos laços formais de merecido título de cidadania, que já havia se tornado oeirense por coração, vocação, predestinação e devoção, como afirma em seu opúsculo “Oeiras na Alma e no Coração” foi assim, repito, que o prezado confrade, alimentado pelo espírito secular e modelador da alma, interpretou muito bem a característica peculiar, idiossincrásica, do cidadão oeirense, através de seus poemas, crônicas, textos literários e discursos. Quem, desta cidade, não já recitou o seu célebre poema Noturno de Oeiras, ‘navegando na noite de um tempo que não termina?’”
O outro orador da noite foi o grande historiador Reginaldo Miranda, que se houve com não menos brilhantismo, ao pronunciar esplêndida conferência sobre a data magna de 24 de Janeiro, em seu bicentenário. Falou sobre a importância e significado dessa efeméride, quando o brigadeiro Manuel de Sousa Martins encabeçou o movimento que marcou a adesão do Piauí à Independência do Brasil e ao império instituído por D. Pedro I, com a instituição de uma junta governativa, da qual ele era o presidente. Fez vibrante elogio ao inolvidável fato histórico e arrancou entusiasmados aplausos de todos os oeirenses.
No dia 24, data em que se celebra a adesão do governo do Piauí à Independência do Brasil, os acadêmicos da APL fomos participar da solenidade comemorativa dessa efeméride no Memorial do 24 de Janeiro, em que, além do ato de levantamento das bandeiras do Brasil, pelo governador Rafael Fonteles, do Piauí, pelo ex-governador Wilson Martins (em cujo governo foi erigido o Memorial, com exceção da estátua de bronze do Visconde da Parnaíba) e de Oeiras, pelo prefeito José Raimundo, o governador do Estado depositou uma corbélia de flores aos pés da estátua do brigadeiro Manuel de Sousa Martins.
Após essa cerimônia, fomos ao centro, no carro que conduzia Wilson Martins e o caro José Augusto Nunes, seu primo, antigo caçador (de conversa) na Furna da Onça, dileto amigo, que considero o último Fidalgo da Velha Mocha, onde visitamos a Galeria do Divino, que Olavo Braz criou e instalou, sem ajuda do poder público, em casa de sua propriedade, no entorno da Praça das Vitórias. Todos os objetos de arte sacra exibidos nesse espaço cultural foram por ele adquiridos. Creio tenha ele se inspirado no Museu do Divino de Amarante, criado às expensas do professor Marcelino Leal Barroso de Carvalho, e por este mantido em casa sua, igualmente sem ajuda oficial. Nessa galeria ele também expõe, em chapas de vidro, variados poemas de oeirenses ou sobre a velha cap, entre os quais, para gáudio meu, o Noturno de Oeiras.
Nos dirigimos, guiados pelo incansável e intimorato Carlos Rubem, à Casa de Pólvora, localizada nas cercanias da igreja do Rosário, no bairro de igual nome. É um edifício rústico, com uma única porta de madeira maciça, feito em pedra de cantaria.
Consta que no dia 13 de dezembro de 1822, vários oeirenses encapuzados renderam os guardas, subordinados ao comandante das armas, o português João José da Cunha Fidié, que já se encontrava em Parnaíba, e levaram as armas e munições que encontraram nesse paiol. Deram uma boa surra nos guardas e desapareceram no vão da história, sem que nunca se lhes descobrissem as identidades, pelo que ficaram como heróis anônimos.
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À tarde, após o almoço e breve repouso, iniciamos a viagem de retorno a Teresina, via Regeneração, em que se se contemplam deslumbrantes paisagens, do alto de serras, e se percorre longo trecho da Chapada Grande. Também se veem extensas plantações de soja, que se perdem na linha do horizonte.
Fizemos breve parada turística, afetiva e sentimental em Regeneração, em virtude de que o Des. Oton e eu exercemos por vários anos a magistratura nessa histórica Comarca e de que nela, há várias décadas, o ex-presidente Reginaldo Miranda exerce a advocacia com proficiência, zelo e ética, e também pelo fato de que nós três temos o Título de Cidadãos Honorários dessa cidade e município, outrora vila e aldeamento nos tempos coloniais e imperiais. Reginaldo e o advogado Márcio Freitas, que participou da excursão com o seu filho João Gabriel, jovem bem informado e já um erudito, são casados com regenerenses. O Luciano Klaus gravou breves depoimentos, no entorno da imponente igreja de São Gonçalo, dos confrades Oton, Reginaldo e deste escrevinhador metido a escrivão.
Os acadêmicos Oton Lustosa e Reginaldo Miranda discorreram sobre suas ligações telúricas, afetivas e sentimentais com a cidade, assim como a respeito de suas experiências pessoais e laborais.
Em meu depoimento, recordando os velhos tempos do aldeamento indígena, falei que por ela e nas suas imediações passaram índios alegres, que gostavam de música e de dança; que o próprio padroeiro São Gonçalo fora um santo alegre e festeiro, a tocar sua viola; que os folguedos de São Gonçalo deveriam ser incentivados; que nela passara três a quatro dias, no começo dos anos 70, no apogeu de minha adolescência, tão estuante de vida e entusiasmo, quando nela dançara e namorara; que me batizara regenerense, na ocasião em que na companhia do soldado Raimundinho ou Pereira visitara as nascentes efervescentes do Mulato, a molhar a cabeça com uma cuia e quando recebi o meu Título de Cidadania, proposto pelo vereador Neto Leal. Falei ainda do meu esforço em movimentar com a possível celeridade os inúmeros processos.
Sugeri ao Klaus fosse feito um documentário da viagem. Notei pela sua evasiva e sorriso maroto que isso já estava planejado por ele e pelo roteirista Zózimo Tavares. Nada mais lhe foi perguntado e nada mais ele disse.
Fizemos nova parada na indefectível Lanchonete Sales, na amorável e aprazível Água Branca do presidente Zózimo.
Em algum ponto da viagem, já nos aproximando de Teresina, de microfone em punho, a Jaqueline Nobre nos convocou a dizermos algumas palavras sobre a viagem. Os que falamos fomos unânimes em dizer que a expedição fora excelente e sem nenhum percalço digno de nota, exceto aquele a que já me referi.
Julgo importante acrescentar que, durante a viagem, se formaram várias rodas de conversas, entre os passageiros que se encontravam em cadeiras vizinhas. Participei de uma roda formada por Reginaldo Miranda, Fonseca Neto e a professora Socorro Barros, da qual vez ou outra participavam Márcio Freitas e João Gabriel Freitas. A conversava girava sobre assuntos diversos e aleatórios, mas com predominância de temas culturais e históricos. Aprendi muito com todos eles.
Encerrando o meu mister de escrivão da viagem, afirmo que não seguirei o exemplo de Pero Vaz de Caminha, que em sua magnífica carta a El-Rei, verdadeira certidão de nascimento do Brasil colonial, fez um pedido de ordem pessoal e aludiu, de maneira insólita, a certas vergonhas. Assim, nada pedirei e terei vergonha suficiente para não falar na vergonha de quem quer que seja.
Ao anoitecer, no estacionamento da Ponte Estaiada, ponto inicial e final da viagem, encontramos a nos esperar os nossos familiares e entes queridos. Como nos velhos filmes: The end.
(*) Participaram da viagem: Valdenir José da Costa, Jaqueline Nobre, Zózimo Tavares e Regina, Jasmine Malta, Des. Oton Lustosa e Lindaura, Márcio Freitas, João Gabriel, Cremísia, Luciano Klaus, Jairo Moura, Maykon Douglas, Vanize Lemos, Plínio Macedo, Francisco Miguel de Moura e Mécia, Reginaldo Miranda e Maira, Fonseca Neto, Socorro Barros e Elmar Carvalho. Obs.: os acadêmicos Magno Pires, padre Toni Batista e Moisés Reis foram em transporte próprio.