Coronel Francisco Dias Carneiro
Por Reginaldo Miranda Em: 03/05/2024, às 18H28
Reginaldo Miranda[1]
Os Dias Carneiro constituem uma distinta família senhorial maranhense, cujas origens remontam ao lusitano Francisco Dias Carneiro, que, no ano de 1783, fincou os moirões de seus primeiros currais no vale do rio Itapecuru. Construiu sua morada no distrito de Aldeias Altas, hoje cidade de Caxias, no Maranhão, à margem da estrada real entre aquela povoação e a Passagem de Santo Antônio, no rio Parnaíba. Ali fundou a fazenda Bacaba, com o auxílio de grande escravatura, onde plantou lavouras e amanhou o gado. Rico homem, exerceu influência na política do Leste maranhense. Porque aquela estrada ligava as duas capitais regionais, Oeiras a São Luís, sua morada tornara-se importante ponto de apoio aos viandantes que transitavam entre as capitanias do Piauí e Maranhão.
No entanto, inicialmente não possuía terras próprias, fazendo-se posseiro ou arrendatário de algumas glebas. Foi somente depois, que as requereu ao general do Estado Fernando Pereira Leite de Foyos, dizendo “que ... possuía bastante escravatura para fazer suas lavouras, e ... não tinha terras próprias”. Então, em 27 de julho de 1791, foi-lhe por aquele concedida carta de data e sesmaria nas “terras devolutas [situadas] no riacho chamado Perdido e Correntinho, pegando o seu comprimento nas testadas de Luiza da Silva pelo riacho acima”, medindo “três léguas de terra de comprido e uma de largo”. Dois anos depois, em 24 de julho de 1793, foi a referida concessão confirmada por El-Rei[2].
Com o tempo expandiu seus negócios, fundando outras fazendas desde o Alto-Itapecuru até os sertões de Pastos Bons.
Como era praxe na época, ingressou na carreira militar assentando praça no posto de alferes. Em 28 de maio de 1795, foi provido na patente de capitão da 2º companhia do regimento de cavalaria auxiliar da capitania do Maranhão, de que era coronel Ayres Carneiro Homem. A coincidência de nome pode indicar parentesco. O general do Estado, D. Fernando Antônio de Noronha, que o nomeou, justificou a nomeação “atendendo ao merecimento e mais circunstâncias que concorrem na pessoa de Francisco Dias Carneiro e ao quanto se há distinguido no serviço de S. Maj., e desta Capitania, e principalmente em destruir um mocambo de pretos fugitivos, fortificado no distrito de Aldeias Altas, sacrificando a sua própria fazenda e escravatura em utilidade, conservação e serviço do mesmo Estado; e por esperar dele, que nisto e em tudo o mais tocante ao Real serviço continuará com a mesmo honra, zelo e prontidão; por todos esses justos motivos”[3]. Finalmente, foi promovido à patente de coronel do mesmo regimento[4].
Por esse tempo, em seu giro comercial, aparece em diversas informações, como “morador na Bacaba”, “Julgado de Nossa Senhora da Conceição e São José de Aldeias Altas da comarca da cidade de São Luiz do Maranhão”.
Em 21 de agosto de 1802, em remuneração de seus serviços, requereu a El-Rei, a mercê do hábito da Ordem de Cristo, alegando e provando que era “capitão da cavalaria miliciana das Aldeias Altas na capitania do Maranhão”; “que servindo sempre a V.A.R., no desempenho do seu posto com toda a vigilância e desinteresse, não só expondo a sua pessoa e bens, como consta da sua mesma carta patente, porém também das atestações do governador do Piauhy e mais oficiais comandantes, que continuamente transitando pelo sítio de sua habitação com destacamentos destinados ao Real serviço, sempre encontraram a sua prontidão e bom acolhimento, ..., gastando de seus avultados bens não só nestas despesas, tendentes ao Real serviço, mas igualmente em beneficiar os pobres, e donzelas de seu sítio, como tudo provam os mesmos documentos”[5].
Para fundamentar esse pleito, juntou declaração firmada em 1º de junho de 1802, pelo governador do Piauí, D. João de Amorim Pereira, com o seguinte teor:
“Atesto que eu tenho pleno conhecimento do capitão Francisco Dias Carneiro, morador e casado no Arraial de Aldeias Altas, distrito da Capitania do Maranhão, aonde se acha estabelecido com um grande número de escravos, que aplica em lavouras próprias do País, em fazendas de gados, e outros bens, vindo a ser pela sua indústria e trabalho um dos maiores o mais útil dos lavradores daquele continente, e de todo este Estado; que é sujeito muito bem nascido morigerado, e de tão belas qualidades e ações que por elas se faz geralmente amado de todos. Também sei que da sua fazenda tem despendido e está continuamente despendendo com mão liberal em socorro dos pobres avultadas somas de dinheiro, amparando viúvas e donzelas, e auxiliando-as para se casarem, e procurando o estabelecimento de muitos à custa da sua fazenda, e conhecendo todas as funções da mais honrada e desinteressada caridade para com todos; e finalmente é um vassalo dos mais úteis ao Estado, pois que sempre está pronto a dar todos os auxílios aos destacamentos que transitam da capital do Maranhão para a do Piauhy, hospedando em sua casa aos oficiais, soldados, viajantes, ministros e governadores que por ela transitam, assistindo-lhes com cavalgaduras, carros, e todos os mais acessórios gratuitamente que se fazem precisos para o seu transporte, a executar todas as ordens que lhe são dirigidas com louvável zelo, atividade e despesa própria, porque todo o referido é verdade, o que atesto debaixo da minha palavra, o sei pelo ter presenciado e verificado muitas vezes em virtude do meu emprego”.
Para o mesmo fim, de passagem pela fazenda da Bacaba, em 17 de maio de 1802, Gabriel Carlos Pereira de Berredo, tenente da 2ª companhia do regimento de linha da cidade de São Luiz do Maranhão, assim disse:
“Atesto que indo para a vila de Parnagoá com destacamento composto de vinte e duas pessoas por determinação do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General, chegando à fazenda do capitão Francisco Dias Carneiro e este com prontidão, zelo, prontamente deu todo o auxílio para trânsito do dito destacamento de que tenho a honra de ir comandando, com os seus próprios cavalos, escravos e tudo o mais que foi preciso”.
Da mesma forma, atestaram Francisco da Cruz Xavier Monteiro de Miranda Vasconcelos, tenente do regimento de linha do Maranhão; Lourenço Antônio Ribeiro Borba, capitão de milicias e cidadão da governança de São Luís do Maranhão; e José de Moraes Rego, ajudante de milícias da vila de Santo Antônio. Por seu turno, Vicente Pereira da Costa, acrescentou que o conhece desde o tempo em que ele foi habitar naquele distrito. O capitão Alberto José Lopes, esclareceu “que conhecendo muito bem ao capitão da cavalaria auxiliar desta capitania, morador nesta freguesia de Aldeias Altas, Francisco Dias Carneiro, é um dos lavradores de plantação do país maior desta freguesia, e o dito assiste na Estrada Real que passa para a capital da capitania do Piauhy, onde assiste a todas as expedições de tropas com cavalarias, mantimento e todos os mais”[6].
Nesse mesmo ano de 1802, venceu Bernardo de Abreu de Carvalho e Contreiras, morador no distrito da cidade de Oeiras, na disputa pela posse de um escravo crioulo que arrematara em hasta pública. Alegou Contreiras, que havia “comprado ao padre Francisco de Souza [morador na Barra do Poti], poucos dias antes do seu falecimento, um escravo, por nome Clemente, induzido este por outro, e fugido para a casa e fazenda de Francisco Dias Carneiro, homem poderoso e rico, morador no lugar de Aldeias Altas, distrito do Estado do Maranhão”. Porém, o então capitão Francisco Dias Carneiro provou o contrário, demonstrando a legítima posse do escravo. O interessante dessa contenda, é que o Francisco Dias Carneiro, em 21 de agosto de 1802, entre outros itens, prova e justifica que “é homem casado ... e morador neste distrito há dezenove anos com família de mulher e filhos, e possui bens móveis e de raiz avultados; na concorrência de todo este tempo tem vivido manso e pacífico com todos os povos vizinhos e circunvizinhos, sem ofender nem ser ofendido, e nunca por causa dos seus bens teve prepotência alguma que merecesse ser punido pela justiça, antes sempre foi humilde e obediente à mesma, amante da pobreza, e como assim vivendo sempre e conforme a lei divina humana”.
Em face dessas informações, pode-se concluir que o coronel Francisco Dias Carneiro foi um benemérito no amparo aos menos favorecidos; também, no apoio às diligências do Real serviço, sendo a sua casa de morada uma pousada segura para os viandantes que percorriam as distâncias entre as cidades de Oeiras e São Luís do Maranhão, assim como entre essa última e os sertões de Pastos Bons e ribeira das Balsas. Foi, também, um colono bem sucedido que plantou lavouras e chantou currais, assim ajudando a desenvolver o médio-sertão maranhense. Por fim, fundou uma família que tem dado enorme contribuição ao desenvolvimento do Maranhão e do Brasil, fazendo-se notar em diversos setores da atividade humana.
O coronel Francisco Dias Carneiro teve um primeiro relacionamento com a senhora Euzébia Gonçalves Duarte[7], de cuja união nasceu o comendador Severino Dias Carneiro, herdeiro da fazenda Bacaba. Com a prematura morte desta, aquele patriarca contraiu núpcias com a senhora Iria Gonçalves Duarte[8], filha do capitão Francisco Ferreira da Costa e da senhora Quitéria de Souza Forjo[9]. Desse consórcio nasceu o comendador João Paulo Dias Carneiro. Encontramos registros da existência desses dois filhos varões, ambos abastados fazendeiros e políticos influentes nas vilas de Caxias e Pastos Bons, onde deixaram grande e ilustrada descendência.
[1] Advogado e escritor. Membro Titular da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e da Academia de Letras, História e Ecologia da Região Integrada de Pastos Bons, entre outras. E-mail: [email protected]
[2] AHU. ACL. CU 009. Cx. 80. D. 6841.
PT/TT/RGM/E/001/0022/93355. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Maria I, liv. 22, f. 186v.
[3] AHU. ACL. CU 009. Cx. 101. D. 8163.
[4] Com essa patente aparece no testamento do filho Severino Dias Carneiro.
[5] AHU. ACL. CU 009. Cx. 130. D. 9681.
[6] AHU. ACL. CU 009. Cx. 130. D. 9681.
[7] Em seu testamento, lavrado em 16 de março de 1848, na cidade de Caxias, declarou o comendador Severino Dias Carneiro, ser filho natural do coronel Francisco Dias Carneiro e de Euzébia Gonçalves Duarte, ambos então já falecidos.
[8] A coincidência de nome das duas consortes indica próximo parentesco.
[9] No registro de batizado do neto Joaquim, lavrado em 24.6.1828, constam os nomes dos avós (Cópia do registro me foi gentilmente ofertada pelo dedicado pesquisador Leonardo Costa).