Comendador Antônio José Teixeira, um comerciante português na Caxias oitocentista.
Por Reginaldo Miranda Em: 29/05/2024, às 06H45
Reginaldo Miranda[1]
No ano de 1827, chega à próspera vila de Caxias, localizada à margem direita do rio Itapecuru, em grande centro agrícola, onde fixa residência, um jovem imigrante português por nome Antônio José Teixeira. Funda, então, uma casa comercial no centro da vila, onde passa a laborar. Oito anos depois essa povoação fora elevada à categoria de cidade. Era, então, em importância a segunda da província, constituindo-se em grande centro de convergência do sertão maranhense, para onde se escoava a produção da região sertaneja. Uma das povoações mais antigas da província, remontando suas origens ao período da colonização, quando era chamada Aldeias Altas. Mais tarde, pelo seu progresso material e intelectual, fora cognominada Princesa do Sertão[2].
Antônio José Teixeira possuía apenas 16 anos de idade, o que denota ter vindo para a companhia de parentes. Em Caxias morava uma considerável colônia portuguesa e alguns outros estrangeiros. Não sabemos informar para a companhia de quem teria vindo o nosso biografado. Supomos, porém, que era parente, provavelmente sobrinho do saudoso negociante português Caetano José Teixeira, natural da cidade do Porto e radicado em Alcântara, também no Maranhão. Aliás, naquele tempo fora seu contemporâneo o abastado negociante e influente político, comendador Honório José Teixeira, filho desse último, prócer das lutas pela independência no Maranhão.
Nasceu Antônio José Teixeira, em 1811, na invicta e bela cidade do Porto, filho de Rodrigo José Teixeira e Antônia Maria de Jesus, católicos e velhos moradores daquela urbe lusitana. Mudando para o Brasil, desembarcou em São Luís do Maranhão, de onde passou para Caxias, conforme afirma em seu testamento.
Nesse próspero centro urbano o jovem português joga-se de corpo e alma ao trabalho, com armazém de secos e molhados, negociando todos os gêneros do país e estrangeiros. Compra, vende e, também, faz corretagem de imóveis. Sabe crescer com o lugar, cedo fazendo fortuna e transformando-se em “um dos mais ricos negociantes”[3] do Centro-Leste maranhense. Também, sabe construir pontes, isto é, fazer sólidas amizades na terra que adotara como sua.
Para espancar a solidão da solteirice longe da terra natal, cai nos braços de D. Thereza Maria de Jesus, por fruto desse amor nascendo um filho que recebeu na pia batismal o nome de Antônio José Teixeira Júnior, nascido em 1836.
Mais tarde, convola núpcias com a senhorita Marinha de Jesus Carneiro Teixeira, filha do tenente-coronel Severino Dias Carneiro e de sua esposa Eusébia Maria de Jesus Carneiro. Era neta paterna do colonizador português Francisco Dias Carneiro e de sua companheira Eusébia Gonçalves Duarte. Muitos anos depois, fazendo-lhe a defesa de acusações injustas, disse um periódico piauiense, transcrito em um jornal de Caxias:
“O Sr. Antônio José Teixeira em 24 anos de residência na cidade de Caxias, adquiriu por sua conduta regular a consideração e o respeito dos homens bons do lugar, sobremaneira que o finado coronel comendador Severino Dias Carneiro, a primeira influência daquela comarca, não duvidou dar-lhe em casamento uma filha, e nem antes, nem depois desse consórcio, apesar da preponderância de seu sogro, consta que o Sr. Teixeira abusasse de sua posição social para tentar contra a vida de seu próximo, ou procurasse valer-se dessa preponderância para desviar-se em sentido contrário aos sentimentos de um cidadão pacífico, amante da ordem, d’um proceder moralizado; amigueiro e franco”[4].
No mesmo período, sobre ele e por conta do mesmo assunto, anotou um periódico maranhense:
“O Sr. Antônio José Teixeira é um dos primeiros proprietários negociantes de Caxias, é homem pacífico, trabalhador e pai de numerosa família”[5].
Tinha gosto especial pela política, militando ao lado do sogro no partido conservador. Com o tempo passou a financiar campanhas políticas e fez de sua casa residencial um ponto de reunião entre seus correligionários. Essa sua desenvoltura desconsertava alguns xenófobos, seguidores do partido adversário, que não viam com bons olhos um estrangeiro imiscuído em assuntos políticos da cidade. Teixeira chegara ao país cinco anos depois de nossa independência política. Por essa razão, em 1851 o deputado Mendes de Almeida defende na câmara que fosse ele beneficiado com a mesma facilidade que estava sendo votada para outros cidadãos no processo de naturalização brasileira. Sobre esse assunto, em 1850, depois de elogiar a distância mantida na política pelo Sr. João Pedro dos Santos, outro comerciante português radicado naquela cidade, o jornal opositor O Telegrapho, do grupo do bacharel Francisco José Furtado, faz veemente crítica a Teixeira nesses termos:
“Outro tanto poder-se-á dizer do Sr. Antônio José Teixeira? Por certo que não; este Sr. constitui-se um dos chefes do partido saquarema, já prestando casas para reuniões eleitorais, já incumbindo-se de arranjar passeatas, não se pejando de servir nessas ocasiões de enxota-canse; o nome e fortuna, que achou no país, que o recebeu com os braços abertos só tem servido para intrigar os brasileiros, porque é esta a sua maior ufania, não se envergonhando de atassalhar as mais bem firmadas reputações de cidadãos probos, uma vez, que estes não partilhem as ideias saquaremas; (...); Os próprios patrícios do Sr. Teixeira são os primeiros a censurarem o seu procedimento por se haver envolvido em nossas lutas políticas; trate o Sr. Teixeira de imitar o procedimento do Sr. Santos, ocupando-se exclusivamente dos seus interesses, que para logo cessaremos de com ele nos ocupar”[6].
Em outra passagem, divulgou aquele periódico:
“O Sr. Teixeira é súbdito portuguez, e não obstante é frenético partidário”[7].
Homem inteligente, com cultura acima da média, exerceu papel de destaque naquela municipalidade. Por sua contribuição para o desenvolvimento da cidade de Caxias, inclusive auxiliando na repressão à Balaiada, recebeu as insígnias de comendador da Ordem de Aviz.
No ano de 1848, o comendador Antônio José Teixeira integrava a comissão encarregada das obras da capela de Nossa Senhora dos Remédios, juntamente com Agostinho José de Viveiros, José Florido Vieira Santos e André Manoel de Moraes Sarmento. Nessa condição, fizeram ciência ao respeitável público que paralisaram a obra sem conclusão das torres da capela por terem faltado os tijolos que haviam encomendado. Porém, confiados no zelo dos devotos haviam encomendado o material faltante ao major Beleza e dariam continuidade à obra no ano seguinte[8].
Em 18 de junho de 1849, anunciava Antônio José Teixeira que em sua casa achavam-se à venda bilhetes e meios-bilhetes da 18ª Loteria da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, cuja extração seria principiada em 30 de agosto vindouro[9].
Era estimado pela família em que casara, que o tinha em grande conta. Porém, depois do óbito de seu sogro em 15 de março de 1848, passou a sofrer as maiores perseguições, para tanto juntando-se a seus adversários políticos os parentes afins. Inicialmente, foi constituído pela sogra como seu procurador para conduzir o inventário. Esta dirigia-se ao genro em correspondência tratando-o por “meu filho Teixeira”, e despedia-se dizendo “e aqui fico esperando ocasião para lhe mostrar o quanto sou com estima de V. M, sua mãe que o estima”[10].
Todavia, não demorou a haver desinteligência entre ambos. Insuflada por um Antônio Bernardo da Silveira, que lhe tomou quatro contos de reis, segundo um periódico da época, disse aquela senhora que apenas o constituíra para representá-la nos bens existentes na cidade de Caxias. Dera por falsas outras duas procurações juntadas aos autos. Com esse pensamento, prometia dar por nulos e sem nenhum efeito todos os atos praticados pelo outorgado. Indignou-se o genro com essa afirmação, dizendo que “as intenções malignas” da sogra “em lamentável delírio”, possuíam “o malicioso intento de vulnerar a minha reputação”. Acrescentou que ela poderia anular quaisquer atos que quisesse, porém a desafiou a “provar a falsidade das procurações”. Lembrou que ela lhe pediu para substabelecer poderes ao irmão e compadre Francisco José de Sousa, para dar a inventário os bens existentes nas fazendas Papagaio e Morro da Uhica, na província do Piauí, assim admitindo que ele possuía tais poderes. Finaliza advertindo que “elas aí estão para serem vistas e examinadas: foram, a rogo da Sra. D. Eusébia, assinadas por seu filho, e sobrinho os Srs. Tenente Coronel Sabino e Gonçalo Dias Carneiro, sendo testemunhas os Srs. Majores Manoel José da Silva, genro da Outorgante, e Alexandre Bernardo de Sequeira, pessoas estas de tanta consideração que jamais prestariam as suas assinaturas se não reconhecessem a legalidade das procurações que assinaram”.
A contenda familiar girou em torno da divisão do espólio do sogro e tem vários lances eivados de paixões. Pela importância dos contendores, essa disputa encheu várias páginas da imprensa. Segundo o noticiário, em 1851, houve atos preparatórios para assassinato do comendador Antônio José Teixeira. Na mesma época, sofreu ele com terrível calúnia, seus inimigos o acusando falsamente de cometer um homicídio doloso. Porém, essa acusação nunca foi acreditada por seus contemporâneos de Caxias. Por essa razão, foi absolvido no tribunal do júri, depois de provar sua inocência. Foi uma luta tremenda, em que perdeu patrimônio e sofreu danos em sua saúde. Perderam ambas as partes contendoras.
Faleceu o comendador Antônio José Teixeira, em 15 de abril de 1853, na cidade de Caxias, sua terra adotiva, com penas 42 anos de idade. Seu óbito foi assim anunciado por um correspondente do Maranhão, no Diário do Rio de Janeiro:
“De Caxias apenas sei que falecera ali o negociante Antônio José Teixeira, um dos mais abastados, com extensas relações de amizade, etc”[11].
Porém, 28 dias antes, em 18 de março, sentindo que lhe rondava “a Indesejada das gentes”[12], recebeu em sua casa situada à Rua do Sol, 6, o tabelião da cidade que fora a chamado. Fez, então, testamento reconhecendo como herdeiro o indicado filho natural e acrescentando ter tido de suas legítimas núpcias mais seis filhos, dos quais apenas cinco lhe sobreviveram, todos menores: a saber: 1. Maria de Jesus Teixeira; 2. Joaquim José Teixeira; 3. Rodrigo José Teixeira; 4. Severino José Teixeira; e, 5. Eusébia de Jesus Teixeira. São esses filhos, tronco de numerosa e ilustrada descendência com enorme contribuição no campo da política, do comércio, do jornalismo, da literatura, da advocacia e da magistratura brasileira, sobretudo do Maranhão e Piauí.
[1] Advogado e escritor. Membro titular da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e da Academia de Letras, História e Ecologia da Região Integrada de Pastos Bons. Contato: [email protected]
[2] Excelsior, outubro/1933.
[3] O Brasil, 31.5.1848.
[4] O Echo Liberal. In: O Farol, 24.8.1850.
[5] O Observador, 9.9.1852.
[6] O Telegrapho, 2.12.1850.
[7] O Telegrapho, 26.8.1848.
[8] Jornal de Caxias, 2.8.1848.
[9] A Aurora, 20.6.1849.
[10] Jornal Caxiense, 2.2.1850.
[11] Diário do Rio de Janeiro, 30.5.1853.
[12] Expressão do poeta Manuel Bandeira, no poema Consoada.