Colocação pronominal II
Por M. T. Piacentini Em: 01/03/2013, às 20H31
[M. T. Piacentini]
Dissemos, no artigo anterior, que a língua portuguesa no Brasil é proclítica. Tanto é assim que o Manual Geral de Redação da Folha de S. Paulo resume sua orientação alertando para este ponto: “Atualmente o pronome é colocado antes do verbo haja ou não uma palavra que o atraia (pronome relativo, negações etc.). Mas em pelo menos um caso usa-se o pronome depois do verbo: início de oração”.
PROIBIÇÕES
Há apenas duas situações inviáveis:
1) a ênclise com os tempos futuros; em outros termos: colocar o pronome átono depois dos verbos no futuro do presente e do pretérito do indicativo e no futuro do subjuntivo:
*benzerei-me/ faria-nos/ diriam-se/ se disser-te/ quando puse-las/ se trouxe-las etc.
2) o pronome átono depois do particípio:
*Eu já teria aposentado-me se ganhasse bem.
Se aplicar a orientação de sempre usar o pronome na frente do verbo, você já não corre o risco de cometer esses erros de ênclise. Como corrigir essas situações, então? Usar a próclise colocando um sujeito explícito antes do verbo, para não deixar o pronome no início da frase:
- Eu me benzerei; ele nos faria um favor; se te disser; quando (eu) as puser no lugar; ficarei feliz se (você) as trouxer junto.
- Eu já teria me aposentado se ganhasse bem.
COMEÇO DE FRASE
Ainda não aceita na linguagem culta formal, a colocação do pronome átono em início de frase é permitida na linguagem informal e nos diálogos – pode ser “proibida”, mas não é inviável. Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1985:307), observam que essa possibilidade – especialmente com a forma me – é característica do português do Brasil e também do português falado nas repúblicas africanas. E citam exemplos de Erico Veríssimo e Luandino Vieira, respectivamente: Me desculpe se falei demais. / Me arrepio todo...
E já escrevia Mário de Andrade, em “Turista Aprendiz”: Se sente que o dia vai sair por detrás do mato. Em todo caso, deve-se evitar o uso do pronome se no começo da frase porque ele pode induzir o leitor a pensar que se trata da conjunção condicional se. (Ver também Não Tropece na Língua 201)
LOCUÇÃO VERBAL
Relembrando: locução verbal é a reunião de dois ou mais verbos para exprimir uma só ação. O primeiro verbo é chamado auxiliar; o último é o principal e está sempre no infinitivo, no gerúndio ou no particípio. Há mais de uma possibilidade de colocação pronominal na locução verbal. No Brasil é mais comum o pronome proclítico ao verbo principal, ou seja, o pronome fica solto (sem hífen) por se ligar ao infinitivo, gerúndio ou particípio como semiátono. Exemplos:
1) AUXILIAR + INFINITIVO
Quero lhe fazer uma surpresa.
Quero-lhe fazer uma surpresa.
Quero fazer-lhe uma surpresa.
Eu lhe quero fazer uma surpresa.
2) AUXILIAR + INFINITIVO COM PREPOSIÇÃO
Começamos a nos preparar para o vestibular.
Começamos a preparar-nos para o vestibular.
3) AUXILIAR + GERÚNDIO
Eles foram se afastando.
Eles foram-se afastando.
Eles foram afastando-se.
Eles se foram afastando.
4) AUXILIAR + PARTICÍPIO
O povo havia se retirado quando chegamos.
O povo havia-se retirado quando chegamos.
O povo se havia retirado quando chegamos.
Não tropece na Língua - Duplo (ed. luxo + ed. brochura) Esta coletânea reúne 300 colunas publicadas desde o ano 2000 que procuram tratar de lições gramaticais que atendem a consultas formuladas pelos leitores - os artigos, os pronomes demonstrativos, a acentuação, a crase, a concordância verbal e nominal, a regência de alguns verbos, a voz passiva, a indeterminação do sujeito, o pronome "se", entre outros. Pretende trazer ainda temas como risco de vida, plúrimo, presidenta, récorde, discussões teóricas, orientações sobre o uso social da língua - a redação de datas em convite de casamento e seu endereçamento; os tratamentos senhora e dona; o desuso de palavras como ilustríssimo e digníssimo; como se dirigir a um pastor, padre, procurador de justiça ou reitor (sem essa de vossa magnificência), entre outras. Autor: Maria Tereza de Queiroz Piacentini
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