ELMAR CARVALHO

Cemitério La Recoleta, Buenos Aires

Através da internet, vi matéria da Katiucia Alves, informando que as zeladoras do cemitério velho de Campo Maior, há muitos anos desativado, se queixaram de que algumas pessoas da circunvizinhança jogam lixo no seu interior, por cima de seu muro, já penso e gretado. Na mesma reportagem, consta que a prefeitura deseja construir no local uma praça, a exemplo do que ocorreu em Piripiri, em que foi construída a Praça das Almas no local onde existira um campo santo, mas que os campomaiorenses são contra essa solução. No meu entendimento, toda administração, pública ou privada, deve ser criativa, e procurar várias opções para resolução dos problemas, inclusive soluções inovadoras e até mesmo revolucionárias em certos casos. Tenho conhecimento de que, em alguns outros países, inclusive na Inglaterra, um cemitério pode ser transformado num lugar agradável, usado para passeio, como se fosse uma praça ou um parque. Na Argentina existe o famoso La Recoleta, cantado e exaltado por Jorge Luís Borges. Acredito que, com um bom trabalho de arquitetura e paisagismo, o nosso antigo campo santo, tão caro aos campomaiorenses, bem poderia ser transformado numa espécie de museu e memorial a céu aberto, com a plantação de árvores, criação de jardins, passeios, alamedas, caramanchões, bancos e um espaço coberto, que poderia servir de templo ecumênico e de uma espécie de auditório, para certas palestras ou encontros. Em certos recantos seriam colocadas estátuas alegóricas da vida, da morte e da saudade, bem como placas ou lápides, que contassem um pouco da história do cemitério, de seus mortos e de nosso município. Seria um museu e memorial porque esse campo santo conta muito da história de Campo Maior. Muitos moradores antigos, de velhas estirpes do município, estão ali sepultados, assim como muitos de seus filhos ilustres, nas mais diferentes áreas da atividade humana, seja intelectual, artística, política ou empresarial. Esse local guarda muito da memória histórica do município, através de suas lápides. Eu mesmo, em minha adolescência, percorrendo suas alamedas, descobri o túmulo do poeta Moisés Eulálio, e lhe escrevi um necrológio, em forma de crônica, que publiquei no inesquecível jornal A Luta, nos meus bisonhos dezesseis anos de idade. Alguns túmulos tem valor histórico e artístico, e falam, em seu silêncio monumental, de costumes, de artes e valores de uma outra época. Por outro lado, esse prédio faz parte da paisagem urbana, e está incrustado na memória e na saudade de pessoas de várias gerações; sua destruição empobreceria o nosso patrimônio arquitetônico. A sua conservação, com o restauro dos túmulos e criação do museu e memorial, nos moldes em que sugeri, seria uma prova de respeito aos mortos e seus familiares. Por outro lado, a nossa cidade estaria sendo pioneira no Piauí, não sei se mesmo no Brasil, em adaptar um cemitério para ser um museu e memorial, bem como um logradouro agradável e propício a passeios e meditações. Também serviria para que os campomaiorenses tenham um sentimento de menos temor ante a perspectiva da morte; aliás, todos passariam a ver a morte com mais naturalidade, como parte integrante e indissociável da vida. Não agrediria a religião e a religiosidade de ninguém, porquanto todas as religiões respeitam os mortos e consideram a morte como a passagem para uma outra vida, como um pórtico de entrada para uma outra dimensão da existência humana.

(*) Texto desentranhado do Diário Incontínuo, que venho publicando no meu blog http://poetaelmar.blogspot.com