Obra completa de H. Dobal em edição da Editora Corisco/IDB
Obra completa de H. Dobal em edição da Editora Corisco/IDB

Carlos Castelo

 

I.

 

Comecei no Jornalismo pelo Estadão. Produzia matérias como freelance e, depois de um tempo, fui convidado a escrever crônicas semanais para o Caderno 2.

 

Por essa época, anos 1990, ganhei uma passagem para Nova Iorque. Chegaria na Big Apple na última semana de outubro: boa oportunidade de fazer uma matéria sobre a Maratona de NYC. Propus ao jornal e a pauta foi acolhida.

 

Após apurar tudo sobre a prova, me dei um dia de folga. Naquela idade, eu lia muito Howard Philips Lovecraft. Decidi então visitar sua cidade natal, Providence. Passei antes na Public Library (não existia Google) a fim de descobrir os endereços onde o mestre da literatura de horror residira na cidadezinha.

 

A manhã seguinte foi toda no trem. Na estação de Providence, perguntei ao taxista que me levava ao centro, onde ficava o museu dedicado a Lovecraft

 

- Quem é Lovecraft? – perguntou o motorista.

 

Obtive a mesma indagação em todas as casas anotadas na Public Library. O, para mim, genial autor de Um sussurro nas trevas era ignorado onde vivera.

 

Inconformado, antes de retornar a Nova Iorque, fui até o cemitério de Swan Point. Ali, num dos túmulos, estava grafado: “Howard Philips Lovecraft. August 20, 1890. March 15, 1937. I am Providence”. Era a única menção a quem, já naquele tempo, era reconhecido mundialmente.

 

Penso o mesmo do poeta piauiense H. Dobal. Recentemente, reuni material para um ensaio sobre sua obra. A impressão que tive foi a de que Dobal não é reverenciado como deveria, nem pelo Brasil, nem pelo Piauí. Está esquecido como o soldado holandês de seu poema "Lamentação de Pieter van der Ley no Outeiro da Cruz". 

 

Um artista tão apreciado por nomes da literatura como Ferreira Gullar, Olga Savary, Ivan Junqueira, Benedito Nunes. Sem citar Manuel Bandeira que o incluiu em seu Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, de 1965.

 

Nem é o caso de erigir estátuas. Como disse Rui Barbosa: “um homem em metal ou pedra parece duas vezes morto”. Melhorar o acesso aos textos dobalinos, já seria ótima medida. E justa com o teresinense que elevou as letras do Piauí a patamares formidáveis.

 

II.

 

Saindo da poesia piauiense para a franco-suíça, afinal foi lançado entre nós o tão esperado Diário de bordo, de Blaise Cendrars. O poeta veio ao Brasil convidado por Oswald de Andrade e financiado por Paulo Prado. Na época, idos de 1924, Cendrars estava mais a fim de cinema. Chegara a trabalhar em A Roda (1923), de Abel Gance. Desencantado com o meio literário, queria tirar umas férias dos versos. Para que decidisse viajar a Pindorama, o inquieto Oswald prometeu-lhe a direção de um filme publicitário sobre o Brasil – não sabemos se chegou a ser realizado.

Se Blaise Cendrars considerava o que escreveu por aqui seu bloco de notas das férias, imagine o que poderia fazer quando batia ponto nas Altas Letras. Diário de bordo tem momentos interessantíssimos, que juntam concisão a relatos de viagem. Aqui, um aperitivo sobre sua passagem por São Paulo:

 

ACORDADO

 

A noite avança

O dia quer despontar

Uma janela se abre

Um homem se debruça para fora e cantarola

Está em mangas de camisa e espia o mundo

O vento murmura baixinho feito uma cabeça que zumbe

 

Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, em 22.07.2022.