(Miguel Carqueija)

Aproxima-se o Apocalipse...

CAPÍTULO 9

A ARMA TOTAL


        Numa quarta-feira rebentou a rebelião.
       Dias antes Lena fizera várias incursões nas proximidades do Planalto Selenita. Não que houvesse grande necessidade, mas não queria obedecer às ordens de Riní. Não efetuou grandes estragos, afora a destruição de um autômato, mas manteve a ronda noturna do Faisão Verde. Ficou, porém, mais tempo no próprio castelo de Hermógenes III, verificando as ameias, as seteiras, as torres, os subterrâneos, testando incompreensíveis fiações e redes energéticas que mexiam com quarks, fótons, neutrinos, posítrons, mésons, elétrons e toda a rede em Y, a misteriosa descoberta de seu pai. Tratava-se de direcionar o íntimo da matéria, a região quase abstrata em que a matéria e a energia se confundem. Em outras palavras, a criação de um campo Y submetia a matéria-energia à manipulação inteligente. Podia-se “ligar” uma força e fazê-la atuar de determinada maneira, desde que houvesse um esquema mecânico que enquadrasse aquele movimento. Era como transformar a energia numa ferramenta.
        Lena não compreendia totalmente aquelas descobertas, mas sabia usá-las. O campo Y eliminava as radiações, por essa parte não era perigoso.
        Observando pela janela, com o “collie” Stambul a seus pés, Lena pensava que, agora, era tudo uma questão de horas para vencer, morrer ou, quem sabe, partir para o exílio. Uma alternativa que não lhe agradava.
        Fitando a lua cheia, que aparecia avermelhada pelo efeito das nuvens crepusculares, fez uma prece murmurante, com a mão no terço que trazia no bolso, e sussurrou:
        — Verá, meu pai. Você não morreu em vão.            
        Por toda a Lemuel grupos armados — com as terríveis armas do Faisão Verde, e muitos usando uniforme semelhante — assaltaram os baluartes do governo.

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        — Nova Gama caiu — disse Marte.
        O Chanceler já o sabia e fitou, sombrio, Yantok. Este não esperou ser interpelado.
        — Já dispomos de armas dos Rebeldes. Algumas foram conquistadas nos choques.
        — Mas como usá-las? Como reproduzi-las? Quanto tempo vocês levarão?
        Yantok fitou, consternado, seus vários assistentes ali presentes, homens e mulheres, intimidados pela presença do ditador.
        — Na melhor das hipóteses, várias semanas.
        — Enquanto província após província cai diante desses aventureiros? Senhor Yantok, o senhor foi muito lento. Nossos avanços foram muito lentos diante de um inimigo atrevido e implacável!
        — Mas...
        — Estamos numa guerra, e não podemos esperar tranqüilas pesquisas científicas! Disso depende nossa sobrevivência!
        — Senhor, permita lembrar que me foram concedidos dois anos, e em dois meses o inimigo atacou. Já temos parte da tecnologia do inimigo, avançamos mais do que esperávamos. Só que o inimigo avançou muito depressa.
        Ipuwer, com sua habitual ousadia, ergueu-se, pôs-se no centro da sala, vagou o olhar com desprezo por Helena, Marte e Yantok, fixou-o por fim no Chanceler e começou:
        — Senhor Chanceler, permita-me observar que não adianta, agora, censurar o senhor Yantok que nem deveria estar aqui com seu séquito e sim trabalhando a tempo integral nos laboratórios para compreender e reproduzir as armas apreendidas. Quanto a deter os Rebeldes, se o exército convencional não puder fazê-lo o senhor terá de acionar o Triângulo.
        Fez-se um silêncio de morte, um silêncio sinistro.
        O Chanceler pronunciou-se:
        — Fá-lo-ei em 24 horas se a situação não reverter.
        — Mas não é só isso, senhor. O senhor terá de visar o Planalto Selenita.
        — E por que?
        — Porque, conforme o relatório que recebi logo antes de vir para esta reunião, nossos satélites detectaram o centro de energia dos Rebeldes num castelo abandonado que lá existe.
        — Descobriram isso? E não se pode tentar um ataque a esse castelo?
        — Com as Forças Armadas? Senhor Chanceler, não tente isso em hipótese alguma. Estamos lidando com um perigo inaudito, relacionado com o misterioso campo Y que o físico Stopenhouse, que foi executado, estava pesquisando. Agora sei que ele fez descobertas importantes e passou os segredos para os Rebeldes.
        Helena foi a primeira pessoa a demonstrar seu espanto:
        — O que? Você descobriu isso?
        Ipuwer sorriu, saboreando seu momento de glória:
        — Tudo se consegue quando se tem competência, senhora.

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        O coração do Triângulo.
        Num porão blindado bem no centro do Triângulo estava o local mais secreto do país. Ali se encontrava o mecanismo de poder o aparelho que fornecia ao Chanceler Saturnino — ou assim ele achava — o maior poder que um homem possuía sobre a face da Terra.
        Iantok, Sarney, Loana, Ipuwer, Galadak e demais técnicos, dez ao todo, ali se encontravam, mortalmente sérios. Ernestok, Marte, Temístocles, Ernest-Coplan, membros do Conselho Militar-Civil (do qual Ipuwer também fazia parte) igualmente lá estava, com Helena e Saturnino. Aquela “legião do mal”, pressionada por notícias de derrotas, estava votando a utilização da Força do Triângulo.
        Com exceção de Marte e de Ernest-Coplan, que ainda apostavam no Exército, os presentes votaram pelo acionamento do Poder.
        Saturnino encarou Iantok:
        — Você se encarregará do correto direcionamento. A hora de agir é agora, pois Gloria já se encontra à beira do cerco.
       Iantok, algo trêmulo, aproximou-se do monstruoso painel. Estava com uma palidez de espermacete.
        Seus dedos nodosos aproximaram-se do botão que iria desencadear as forças da Natureza.


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        Grupos de Rebeldes iniciaram o combate na capital. As armas de Stopenhouse varriam a resistência. Por toda Lemuel a população em fúria, armada pelos Rebeldes, levantava-se contra a tirania de Saturnino.
        Riní dirigia-se em levitocarro para o Planalto Selenita, em companhia de Marilú e Lorne, além de dois recrutas da resistência, Olinto e Léxico. A idéia era utilizar o Castelo de Hermógenes III como sede interina do governo, se o Triângulo demorasse a cair.
        E então começou a ventania. Nos primeiros instantes ninguém se perturbou, mas de um momento para o outro o vento aumentou de forma inaudita, monstruosa: árvores foram arrancadas e o levitocarro, apesar de sua energia, foi arrastado como se fosse uma casca de noz. Riní fez o possível, mas os controles não lhe obedeceram. O carro jogou no ar, Lorne e Marilú se abraçaram e o veículo saiu da estrada, batendo violentamente em árvores gigantescas que ainda resistiam.
        — Que há? Que negócio é esse? — exclamou Lorne.
        — Liguem suas armas! — respondeu Riní.
        Todos tinham suas caixas pretas, que acionaram, embora Léxico perguntasse o que adiantaria.
        — O Campo Y, seu burro! Vamos nos direcionar para o chão, sair dessa caranguejola.
       Riní acionou a abertura da cúpula e os cinco, com as bolas energizadas apontando o chão, venceram a força do vento e desceram, enquanto o carro terminava de se espatifar.
        Lorne, com os cabelos desgrenhados, observou o desenrolar do fenômeno. Todos os fogos-de-Santelmo e relâmpagos do mundo pareciam estar concentrados naquele ponto do planeta. Um ruído ensurdecedor começava a se ouvir ao longe. Uma distante montanha parecia se esboroar.
        Marilú estava estarrecida:
        — Por Deus, Lorne! O que é isso?
        A compreensão surgia em Lorne.
        — A arma total — balbuciou.
        Riní encostou-se a ele.
        — Que quer dizer? Você sabe o que está havendo?
        — Eu tinha uma vaga idéia... nada que eu tivesse a coragem de falar. Não sabia ao certo... é a grande arma que o Triângulo esconde. A Arma do Poder. O trunfo secreto do Chanceler Saturnino.
        — E que pode fazer essa arma? — indagou Olinto.
        — Provavelmente, arrasar o mundo.
        Não havia o mínimo tom de brincadeira nas palavras de Lorne Hurne.