Capítulo 10: A hora da verdade
Por Miguel Carqueija Em: 13/10/2011, às 07H19
(Miguel Carqueija)
Neste capítulo, Lena revela a verdade sobre a Arma do Poder, e sentimentos correm paralelos às ações.
CAPÍTULO 10
A HORA DA VERDADE
Lena encontrava-se no castelo, diante do painel, no aposento que denominara Sala de Operações. Mostrou a Rita as alterações no sismógrafo e no gráfico climatológico. O termômetro de risco avançou em sua coluna horizontal para a zona vermelha. Rita admirou-se:
— Afinal, que quer dizer isso?
Lena não respondeu: sentou-se junto ao controle central e acionou três alavancas e dois botões, de um jeito que só ela sabia fazer com segurança. Então Lena se ergueu e fez deslizar um painel, mostrando o exterior apocalíptico.
— Meu Deus, Lena! Que está havendo? Parece o fim do mundo!
— É quase isso, Rita. É a Arma do Poder, a Arma Total que o governo ligou.
Stambul andava inquieto de um lado para o outro, orelhas erguidas, pelos eriçados, choramingando.
— Rita, por favor, me traga o uniforme!
— Mas o que você vai fazer? Que poderá fazer?
— Já lhe direi. Não tenha medo! Energizei o castelo. Mas vá buscar a roupa do Faisão Verde!
Rita obedeceu correndo. Retornou logo. Lena permanecera nos controles e instrumentos de medição. Trocou rapidamente de roupa, com o auxílio de Rita. Quando terminou de ajeitar a máscara, Rita observou:
— Lena... você realmente se completa quando se torna o Faisão Verde?
— Não podemos discutir isso em outra ocasião? Temos que agir!
— E os nossos amigos, meu Deus? Afinal o que é a Arma do Poder?
— Isso, Rita, o meu pai me explicou de maneira sumária. Tentarei mostrar-lhe o pouco que sei.
Como você sabe, além da litosfera, da centrosfera, da biosfera, da hidrosfera e da atmosfera, a Terra possui também a magnetosfera, o seu imenso campo magnético, campo de forças poderosíssimas.
A Arma do Poder, desenvolvida por Yantok, Ipuwer e outros cientistas e técnicos a serviço do governo, influencia diretamente as linhas magnéticas, polarizando-as e direcionando distúrbios, chegando a produzir fissuras no contínuo, como se fossem rachaduras no espaço. Pelo menos foi isso que meu pai me afirmou, a última vez em que falei com ele. Eu também não entendo muito isso.
Agora mentalize: o distúrbio pode ser direcionado. Se eles quiserem, podem lançar as forças da natureza sobre qualquer local onde saibam encontrar-se um batalhão nosso. Matarão civis e gente de seu próprio exército, mas destruirão sem dificuldade, sem defesa possível, os nossos grupos, com a única condição prévia de localizá-los.
— Mas, Lena... e não haverá salvação possível para os nossos? O que é afinal esse desencadear de forças da natureza? Não podemos enfrentar nem escapar disso?
— Escapar? O Triângulo é completamente informatizado. Até um mandi ou um piau do rio teria dificuldade em não se deixar localizar. E quanto a enfrentar... as nossas armas não estão preparadas para tanto.
— Mas o que é que estão lançando contra nós? Essa tempestade de fogo... em vários locais?
— Isso é uma parte. Teremos de tudo: terremotos, furacão, tornado, coriscos, inundação, tsunami... até os vulcões extintos entrarão de novo
— E você sabia disso... e não nos avisou?
— De que adiantaria avisá-los?
— Mas você nos arrastou para... isso!
— Sim. Eu tinha três opções. Ou não se atreveriam a usar a arma, ou ela não funcionaria na prática (muito embora tenham feito alguns testes secretos) ou ela funcionaria. Deu-se a última hipótese. Portanto...
— Portanto?
— Portanto, Rita, o Faisão Verde jogará a sua última cartada.
— O que você vai fazer?
Lena cerrou os punhos.
— Enfrentar o Triângulo.
— Como?
Um sinal familiar fez-se ouvir.
— Primeiro vamos deixar que os nossos amigos entrem. Graças a Deus eles conseguiram chegar!
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Quando a grande porta se abriu, o barulho do lado de fora era já ensurdecedor.
Lena abraçou Riní, mal olhando para os outros, mas muito rapidamente, tratando em seguida de cerrar a porta.
— Vocês estão arranhados! Vão colocar curativos que não temos tempo. Já sabem que isso é a arma do Triângulo?
— Então até isso você sabe?
O Faisão Verde, que aperfeiçoara seu traje com uma capa verde-escuro, fitou-o sinistramente.
— Você também, Lorne. É um homem bem informado.
— Se não fosse, já nem estaria vivo.
— Eu lhes dou dez minutos para se recomporem. Espero a todos na sala de controle.
Sem mais uma palavra, o Faisão Verde deu as costas a todos os presentes e afastou-se. O lado brusco e taciturno de sua personalidade acentuara-se bastante naquele momento. Limpando o sangue da testa, Olinto observou perplexo para Lorne:
— O comandante não é o senhor?
Lorne Hurne sorriu, observando como Riní não parecia contrariado pela atitude de Lena:
— Não creio que isso seja relevante nessa ocasião. Ela sabe o que faz e o que diz.
Não acrescentou que o Faisão Verde era um aliado dos Rebeldes, mas não pertencia a eles por qualquer espécie de filiação.
Stambul fazia muitas festas a Marilú, que fôra menos atingida pelo vendaval múltiplo. Rita aproximou-se de Marilú:
— Vejo que perdeu os seus sapatos. Vou lhe arranjar umas pantufas. Venha comigo.
Léxico e Olinto dirigiram-se ao lavatório masculino. A sós um instante com Riní, Lorne observou:
— Ainda bem que meu filho não está no país.
— E Tody? E Nara?
— A essa hora estarão na casa de Rembrandt, com os nossos cães e o gato. Pensei em deixá-los na casa de campo, mas seria muito arriscado. Aqueles sabujos, Ipuwer e Marte, podem descobrir meu envolvimento a qualquer hora.
— Não haveria segurança na capital enquanto não neutralizássemos o governo. Você fez muito bem.
— Vamos nos arrumar, Riní. O Faisão Verde nos espera.
Riní fez uma careta. O sorriso complacente de Lorne não lhe escapara.
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— Quero que vocês todos entendam bem — disse Lena. — Já todos sabemos, em linhas gerais, o que é a Arma do Poder. Pela cúpula energética esse poder é amplificado e direcionado. O pessoal de Yantok é altamente qualificado. Nossos amigos já estão sendo massacrados. A revolta está em vias de terminar, mesmo com o país arrasado...
Riní interrompeu com palavras coléricas, inclusive um palavrão. Não aceitava a derrota.
Voltando-se do painel de controle, onde seguia mantendo vigilância, Lena disse, ríspida:
— Cale-se e deixe-me falar. É importante o que vou dizer.
Riní fitou-a, pouco à vontade, mas calou-se.
— Pois bem. Aqui, no castelo, temos o único poder capaz de enfrentar o Triângulo, nas atuais circunstâncias. O campo Y possui aqui uma concentração singular no planeta, com recursos de controle sofisticados. Pode, portanto, operar o que não é possível com nossos comandos, com pessoas soltas ou em bando.
— Mas de que adianta? Não podemos deslocar o castelo para atacar o Triângulo. E não creio que nossa força chegue até lá.
— É aí que você se engana, Léxico.
— Hein? Nunca soube disso. Pois se nós dependemos de instrumentos para fazer agir a força...
— Não é bem assim. Só que eu não tenho tempo de explicar. O que eu quero dizer é que esse castelo terá de fazer o que você disse.
Uma vaga compreensão, de mistura com incredulidade, foi surgindo.
— Ora, você não quer dizer...
— Sim, Marilú. O castelo, que agora é um cubo de energia Y, se erguerá nos ares, sobrevoará a distância que nos separa de Gloria e se lançará contra o Triângulo. Não tenho outra solução.
O mais equilibrado de todos, Lorne, observou em tom prático:
— Mesmo admitindo que isto seja possível, não morreremos todos?
— Não sei. Estou sendo franca. Isto é uma guerra, Lorne, e na guerra a gente pode matar ou morrer. Ou as duas coisas.
— Mas quais são as nossas possibilidades de sair com vida?
— Ignoro. Isso nunca aconteceu antes. Se o castelo resistir ao choque de forças diferentes que irá se verificar, não creio que nos aconteça nada. Eu sou a única pessoa no mundo que sabe manobrar corretamente essa coisa; portanto eu ficarei aqui.
— Nós também — disse Lorne. — Queremos acompanhar tudo.
— Só atrapalharão. Há pouco espaço e não há cadeiras suficientes. Vocês ficarão em seus quartos e amarrados nos leitos, que são fixos.
Ouviu-se um coro de protestos, até que o Faisão Verde impôs silêncio.
— Agora escutem! Não sei se já entenderam a gravidade da situação. Nós vamos sacolejar muito e vocês podem até fraturar o crânio se ficarem soltos. Terão de ficar amarrados. Se quiserem se soltar, assumam o risco. Nesta sala eu posso manter uma gravidade artificial. Se a estendesse a outras partes do castelo dispersaria a força de que vou precisar. E não temos muito tempo!
Riní manifestou-se de novo:
— Eu é que não vou ficar amarrado!
— É claro que não, seu tolo. Você vai ficar aqui comigo.
— O que?
Mais embasbacado dificilmente ele poderia ficar.
— Vou precisar de alguém para me ajudar. Você é técnico em eletrônica e analista de sistema, já possui um bom conhecimento.
Lorne interveio para resolver a questão:
— Já entendi. Vamos logo com isso. Ninguém vai ficar imobilizado afinal de contas. Será como usar cinto de segurança e pronto.
Ninguém perguntou a Lorne o que ele quis dizer com “já entendi”. Apenas Marilú perguntou sobre o cachorro. Lena explicou:
— Stambul ficará aqui. Não posso pô-lo numa coleira. Ele poderia morrer enforcado.
Riní não pareceu gostar da presença do cão como testemunha.
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Stambul, porém, ficou quieto a um canto, como se compreendesse o que iria se passar.
O Faisão Verde entrou com Riní e passou o trinco. Riní estranhou um pouco o gesto e encarou-a:
— Então?
Estava na expectativa do que Lena iria fazer.
Ela encarou-o, frente a frente. Riní parara, observando-a. Foi tudo questão de segundos. Então Lena levou a mão à máscara e abaixou-a para a nuca, sorrindo para Riní.
Ele também sorriu.
— Você é linda como eu pensava.
— Querido.
Lena estendeu os braços: os dois se estreitaram e beijaram-se.
— Sou capaz de apostar em como você fez isso agora de propósito.
— Realmente fui um pouco radical, querido. Infelizmente temos pouco tempo para o idílio: vamos ter que entrar em ação mesmo.
— Haverá muito tempo depois...
— ... se vencermos. Portanto vamos agir!