(Miguel Carqueija)

 Neste capítulo, Lena revela a verdade sobre a Arma do Poder, e sentimentos correm paralelos às ações.

 CAPÍTULO 10

 

A HORA DA VERDADE

 

 

        Lena encontrava-se no castelo, diante do painel, no aposento que denominara Sala de Operações. Mostrou a Rita as alterações no sismógrafo e no gráfico climatológico. O termômetro de risco avançou em sua coluna horizontal para a zona vermelha. Rita admirou-se:

        — Afinal, que quer dizer isso?

        Lena não respondeu: sentou-se junto ao controle central e acionou três alavancas e dois botões, de um jeito que só ela sabia fazer com segurança. Então Lena se ergueu e fez deslizar um painel, mostrando o exterior apocalíptico.

        — Meu Deus, Lena! Que está havendo? Parece o fim do mundo!

        — É quase isso, Rita. É a Arma do Poder, a Arma Total que o governo ligou.

       Stambul andava inquieto de um lado para o outro, orelhas erguidas, pelos eriçados, choramingando.

        — Rita, por favor, me traga o uniforme!

        — Mas o que você vai fazer? Que poderá fazer?

        — Já lhe direi. Não tenha medo! Energizei o castelo. Mas vá buscar a roupa do Faisão Verde!

        Rita obedeceu correndo. Retornou logo. Lena permanecera nos controles e instrumentos de medição. Trocou rapidamente de roupa, com o auxílio de Rita. Quando terminou de ajeitar a máscara, Rita observou:

        — Lena... você realmente se completa quando se torna o Faisão Verde?

        — Não podemos discutir isso em outra ocasião? Temos que agir!

        — E os nossos amigos, meu Deus? Afinal o que é a Arma do Poder?

        — Isso, Rita, o meu pai me explicou de maneira sumária. Tentarei mostrar-lhe o pouco que sei.

              Como você sabe, além da litosfera, da centrosfera, da biosfera, da hidrosfera e da atmosfera, a Terra possui também a magnetosfera, o seu imenso campo magnético, campo de forças poderosíssimas.

              A Arma do Poder, desenvolvida por Yantok, Ipuwer e outros cientistas e técnicos a serviço do governo, influencia diretamente as linhas magnéticas, polarizando-as e direcionando distúrbios, chegando a produzir fissuras no contínuo, como se fossem rachaduras no espaço. Pelo menos foi isso que meu pai me afirmou, a última vez em que falei com ele. Eu também não entendo muito isso.

             Agora mentalize: o distúrbio pode ser direcionado. Se eles quiserem, podem lançar as forças da natureza sobre qualquer local onde saibam encontrar-se um batalhão nosso. Matarão civis e gente de seu próprio exército, mas destruirão sem dificuldade, sem defesa possível, os nossos grupos, com a única condição prévia de localizá-los.   

        — Mas, Lena... e não haverá salvação possível para os nossos? O que é afinal esse desencadear de forças da natureza? Não podemos enfrentar nem escapar disso?

        — Escapar? O Triângulo é completamente informatizado. Até um mandi ou um piau do rio teria dificuldade em não se deixar localizar. E quanto a enfrentar... as nossas armas não estão preparadas para tanto.

        — Mas o que é que estão lançando contra nós? Essa tempestade de fogo... em vários locais?

        — Isso é uma parte. Teremos de tudo: terremotos, furacão, tornado, coriscos, inundação, tsunami... até os vulcões extintos entrarão de novo em erupção. Tudo que você imagine de catástrofe natural, TUDO Rita, irá acontecer.

        — E você sabia disso... e não nos avisou?

        — De que adiantaria avisá-los?

        — Mas você nos arrastou para... isso!

       — Sim. Eu tinha três opções. Ou não se atreveriam a usar a arma, ou ela não funcionaria na prática (muito embora tenham feito alguns testes secretos) ou ela funcionaria. Deu-se a última hipótese. Portanto...

        — Portanto?

        — Portanto, Rita, o Faisão Verde jogará a sua última cartada.

        — O que você vai fazer?

        Lena cerrou os punhos.

       — Enfrentar o Triângulo.

        — Como?

        Um sinal familiar fez-se ouvir.

       — Primeiro vamos deixar que os nossos amigos entrem. Graças a Deus eles conseguiram chegar!

 

 

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        Quando a grande porta se abriu, o barulho do lado de fora era já ensurdecedor.

        Lena abraçou Riní, mal olhando para os outros, mas muito rapidamente, tratando em seguida de cerrar a porta.

        — Vocês estão arranhados! Vão colocar curativos que não temos tempo. Já sabem que isso é a arma do Triângulo?

      — Então até isso você sabe?

        O Faisão Verde, que aperfeiçoara seu traje com uma capa verde-escuro, fitou-o sinistramente.

        — Você também, Lorne. É um homem bem informado.

        — Se não fosse, já nem estaria vivo.

        — Eu lhes dou dez minutos para se recomporem. Espero a todos na sala de controle.

        Sem mais uma palavra, o Faisão Verde deu as costas a todos os presentes e afastou-se. O lado brusco e taciturno de sua personalidade acentuara-se bastante naquele momento. Limpando o sangue da testa, Olinto observou perplexo para Lorne:

        — O comandante não é o senhor?

        Lorne Hurne sorriu, observando como Riní não parecia contrariado pela atitude de Lena:

        — Não creio que isso seja relevante nessa ocasião. Ela sabe o que faz e o que diz.

        Não acrescentou que o Faisão Verde era um aliado dos Rebeldes, mas não pertencia a eles por qualquer espécie de filiação.

        Stambul fazia muitas festas a Marilú, que fôra menos atingida pelo vendaval múltiplo. Rita aproximou-se de Marilú:

        — Vejo que perdeu os seus sapatos. Vou lhe arranjar umas pantufas. Venha comigo.

        Léxico e Olinto dirigiram-se ao lavatório masculino. A sós um instante com Riní, Lorne observou:

        — Ainda bem que meu filho não está no país.

        — E Tody? E Nara?

        — A essa hora estarão na casa de Rembrandt, com os nossos cães e o gato. Pensei em deixá-los na casa de campo, mas seria muito arriscado. Aqueles sabujos, Ipuwer e Marte, podem descobrir meu envolvimento a qualquer hora.

        — Não haveria segurança na capital enquanto não neutralizássemos o governo. Você fez muito bem.

        — Vamos nos arrumar, Riní. O Faisão Verde nos espera.

        Riní fez uma careta. O sorriso complacente de Lorne não lhe escapara.

 

 

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        — Quero que vocês todos entendam bem — disse Lena. — Já todos sabemos, em linhas gerais, o que é a Arma do Poder. Pela cúpula energética esse poder é amplificado e direcionado. O pessoal de Yantok é altamente qualificado. Nossos amigos já estão sendo massacrados. A revolta está em vias de terminar, mesmo com o país arrasado...

        Riní interrompeu com palavras coléricas, inclusive um palavrão. Não aceitava a derrota.

        Voltando-se do painel de controle, onde seguia mantendo vigilância, Lena disse, ríspida:

        — Cale-se e deixe-me falar. É importante o que vou dizer.

        Riní fitou-a, pouco à vontade, mas calou-se.

        — Pois bem. Aqui, no castelo, temos o único poder capaz de enfrentar o Triângulo, nas atuais circunstâncias. O campo Y possui aqui uma concentração singular no planeta, com recursos de controle sofisticados. Pode, portanto, operar o que não é possível com nossos comandos, com pessoas soltas ou em bando.

        — Mas de que adianta? Não podemos deslocar o castelo para atacar o Triângulo. E não creio que nossa força chegue até lá.

        — É aí que você se engana, Léxico.

        — Hein? Nunca soube disso. Pois se nós dependemos de instrumentos para fazer agir a força...

        — Não é bem assim. Só que eu não tenho tempo de explicar. O que eu quero dizer é que esse castelo terá de fazer o que você disse.

        Uma vaga compreensão, de mistura com incredulidade, foi surgindo.

        — Ora, você não quer dizer...

        — Sim, Marilú. O castelo, que agora é um cubo de energia Y, se erguerá nos ares, sobrevoará a distância que nos separa de Gloria e se lançará contra o Triângulo. Não tenho outra solução. 

        O mais equilibrado de todos, Lorne, observou em tom prático:

        — Mesmo admitindo que isto seja possível, não morreremos todos?

        — Não sei. Estou sendo franca. Isto é uma guerra, Lorne, e na guerra a gente pode matar ou morrer. Ou as duas coisas.

        — Mas quais são as nossas possibilidades de sair com vida?

        — Ignoro. Isso nunca aconteceu antes. Se o castelo resistir ao choque de forças diferentes que irá se verificar, não creio que nos aconteça nada. Eu sou a única pessoa no mundo que sabe manobrar corretamente essa coisa; portanto eu ficarei aqui.

        — Nós também — disse Lorne. — Queremos acompanhar tudo.

        — Só atrapalharão. Há pouco espaço e não há cadeiras suficientes. Vocês ficarão em seus quartos e amarrados nos leitos, que são fixos.

        Ouviu-se um coro de protestos, até que o Faisão Verde impôs silêncio.

        — Agora escutem! Não sei se já entenderam a gravidade da situação. Nós vamos sacolejar muito e vocês podem até fraturar o crânio se ficarem soltos. Terão de ficar amarrados. Se quiserem se soltar, assumam o risco. Nesta sala eu posso manter uma gravidade artificial. Se a estendesse a outras partes do castelo dispersaria a força de que vou precisar. E não temos muito tempo!

        Riní manifestou-se de novo:

        — Eu é que não vou ficar amarrado!

        — É claro que não, seu tolo. Você vai ficar aqui comigo.

        — O que?

        Mais embasbacado dificilmente ele poderia ficar.

        — Vou precisar de alguém para me ajudar. Você é técnico em eletrônica e analista de sistema, já possui um bom conhecimento.

        Lorne interveio para resolver a questão:

        — Já entendi. Vamos logo com isso. Ninguém vai ficar imobilizado afinal de contas. Será como usar cinto de segurança e pronto.

        Ninguém perguntou a Lorne o que ele quis dizer com “já entendi”. Apenas Marilú perguntou sobre o cachorro. Lena explicou:

        — Stambul ficará aqui. Não posso pô-lo numa coleira. Ele poderia morrer enforcado.

        Riní não pareceu gostar da presença do cão como testemunha.

 

 

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        Stambul, porém, ficou quieto a um canto, como se compreendesse o que iria se passar.

        O Faisão Verde entrou com Riní e passou o trinco. Riní estranhou um pouco o gesto e encarou-a:

        — Então?

        Estava na expectativa do que Lena iria fazer.

        Ela encarou-o, frente a frente. Riní parara, observando-a. Foi tudo questão de segundos. Então Lena levou a mão à máscara e abaixou-a para a nuca, sorrindo para Riní.

        Ele também sorriu.

        — Você é linda como eu pensava.

        — Querido.

       Lena estendeu os braços: os dois se estreitaram e beijaram-se.

        — Sou capaz de apostar em como você fez isso agora de propósito.

        — Realmente fui um pouco radical, querido. Infelizmente temos pouco tempo para o idílio: vamos ter que entrar em ação mesmo.

        — Haverá muito tempo depois...

        — ... se vencermos. Portanto vamos agir!